segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Tajá e sua gente - José J. Veiga



Refeição Cultural

"Tajá ficou penalizado. Imagine um agricultor formado ficar perdendo tempo numa atividade tão diferente. Devia ser por isso que seu Oscar às vezes tinha aquele olhar triste e distante. Deve ser triste uma pessoa ter aprendido tantas coisas e não poder aproveitar o que aprendeu." (VEIGA, 2008, p. 43)


Após leituras difíceis porque mais engajadas, que exigem mais do leitor, peguei um pequeno livro do grande mestre José J. Veiga e li nesta manhã de segunda-feira.

Que estória linda! A estória de Tajá e sua gente (1986) nos deixa pensando que o mundo da sociedade humana poderia ter jeito. Penso que literatura também tem esse papel na vida das pessoas: sonhar, acreditar em coisas melhores.

Tajá é um garoto muito inteligente. Um certo dia, inventa uma forma de melhorar sua condição especial, e vai atrás de seu sonho de se locomover com mais facilidade. Deu certo! E a vida seguiu.

Em um momento da vida, o jovem Tajá descobre a leitura de livros e os conhecimentos gerais, saberes enciclopédicos. Fica deslumbrado com tanta coisa que aprende. Ele estava se tornando um "homem cultivado" para usar uma expressão de Mircea Eliade.

"Quando leu mais sobre a Terra no espaço, Tajá chegou a ficar assustado, depois incrédulo. Quanta coisa acontecendo o tempo todo, e ele sem saber! Quando é que podia ter imaginado que além de girar em volta do Sol a 107.000 quilômetros por hora a Terra ainda acompanha o Sol e outros planetas em torno do centro da Via Láctea a 770.000 quilômetros por hora, acompanha a Via Láctea numa viagem em torno do centro de um conjunto de 2.500 galáxias outras a 2.100.000 quilômetros por hora, e com todos os corpos celestes se afasta de um ponto no espaço, onde se supõe que todos nasceram de uma explosão, a 580.000 quilômetros por hora." (p. 36)

Em outro momento, percebe que os saberes novos não têm aplicação em sua vida cotidiana, ninguém liga para os novos conhecimentos que ele quer compartilhar. Papel aceita tudo, lhe diria seu amigo Dito, duvidando dos livros e da ciência.

"Das Dores continuava calado, indiferente à discussão. O problema dele era saber quando a chuva ia passar para ele voltar a vender biscoitos. Saber quantos milhares ou quantos milhões de léguas a Terra andava enquanto ele dizia José Maria das Dores Teixeira Gomes, se é que andava mesmo, não melhorava a situação dele, que não estava ganhando nada ultimamente." (p. 38)

A parte do romance na qual o jovem Tajá não sabe o que fazer com seu conhecimento porque a realidade das pessoas exige algo muito mais concreto e imediato que o saber enciclopédico dele me fez pensar na fala de um jovem negro num texto de Esther Solano e no contexto em que vivemos. O artigo "Democracia concreta", na edição 1171 de Carta Capital, de 28/08/21, me deixou cabisbaixo, me deixou descabriado. Senti um desacorçoo grande com a realidade do rapaz, que é o símbolo de sua gente.

"Dias depois de Bolsonaro ganhar as eleições, ainda na nossa profunda depressão coletiva, fiz entrevistas numa região periférica de São Paulo. Lembro até hoje, talvez vá lembrar para sempre, da frase pronunciada por um jovem negro no transcurso de uma das conversas. Era uma dessas frases que resumem a vida em alguns segundos, lapidária, a impor-se sem deixar espaço para réplicas: 'Professora, agora que Bolsonaro ganhou, vocês, brancos de classe média, estão preocupados com a democracia? Nós, jovens pretos, continuamos preocupados em não morrer'. Julguem como quiserem, mas, nesse momento, a democracia, um conceito que sempre me pareceu enorme e digno, se apequenou imensamente diante desse jovem." (p. 27)

Difícil, heim!

Enfim, o romance de José J. Veiga tem um final feliz, utópico, mas possível, porque as personagens podem representar qualquer um de nós humanos.

Até pouco tempo, uns cinco anos, nunca tinha lido nenhuma obra de Veiga. Invoquei com a questão e fui atrás dos livros dele. Acho que comprei todos em sebos e livrarias por aí. Estou quase acabando a leitura de sua obra completa. O autor é muito, mas muito bom!

William


Bibliografia:

VEIGA, José Jacinto. Tajá e sua gente. Ilustrações Raul Fernandes. 3ª ed. - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008

Revista Carta Capital, edição 1171, de 28 de agosto de 2021.


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