Refeição Cultural
A SENHORA DO GALVÃO
Leitura do conto "A senhora do Galvão", publicado primeiro na Gazeta de Notícias, em 10 de fevereiro de 1884, e depois no livro Histórias sem data, do mesmo ano.
Esse conto me fez pensar na condição das mulheres, ontem e hoje. Sempre? Quem saberia dizer...
A estória é relativamente simples e comum. O narrador onisciente nos conta a vida conjugal de Maria Olímpia e Eduardo Galvão. Ela com 26 anos de idade, casada com um jovem advogado em início de carreira.
O narrador nos situa no tempo, o ano em que se dão os acontecimentos é o de 1853. Machado usa datas históricas do Brasil para referenciar fatos. O pai de Maria Olímpia era "deputado do tempo da Regência". A viúva amiga do casal teria uns 35 anos, mas depois nos diz que tinha 31 porque "nasceu em 1822, na véspera da independência".
Dois exercícios que tento fazer ao ler textos publicados em outras épocas e lugares é imaginar o mundo da época da enunciação da estória e o que o autor quis dizer e transmitir aos leitores. E sei que romance é ficção. Não esqueçamos disso! Quando Bentinho ou Brás Cubas escrevem suas histórias, elas são ficção, ok?
Então, 1884, Rio de Janeiro, Brasil. A lei do Império que vigora é a da escravidão das pessoas trazidas do continente africano ou seus descendentes. Já há algumas leis de exceção, mas a escravidão de gente é lei. Alguns humanos são propriedade de outros assim como vacas e cavalos - semoventes na hacienda. Machado de Assis é descendente de avós paternos escravos alforriados.
Imaginem as ruas do Rio de Janeiro. Andem por elas em 1884. Imaginem a condição das mulheres também, para além da questão da escravidão. As mulheres eram praticamente propriedades dos homens também. Os pais mandavam nas filhas, negociavam elas. Dureza!
Machado situa o enredo da estória umas décadas antes, em 1853.
Enfim, fiquei pensando nessas questões acima porque é difícil se colocar no lugar de Maria Olímpia. O que eu faria no lugar dela? Eu não sou mulher. Mesmo hoje, século e meio depois da condição em que está Maria Olímpia, o que fariam as mulheres no lugar dela?
Após séculos de ciência e descobertas, a espécie humana contém indivíduos que agem de acordo com os conhecimentos acumulados ao longo da história e contém indivíduos que agem como aqueles que viviam milhares de anos atrás, assustados com raios, trovões, sombras e eclipses, ignorantes em tudo, primitivos e que levam a vida baseada em mitos.
Séculos depois de descobertas e ciência, temos o bolsonarismo no Brasil, os talebans no Afeganistão, os negacionistas trumpistas.
Pra finalizar mesmo, fico imaginando o que sentia Machado de Assis, um sujeito não branco, apadrinhado de uma pessoa ilustre, o senhor José de Alencar, defensor da manutenção da escravidão no Brasil nos debates públicos (ler aqui). Como se sentiria Machado em relação ao amigo e protetor Alencar? Que situação!
William
Bibliografia:
ASSIS, Machado de. 50 contos de Machado de Assis. Seleção, introdução e notas John Gledson. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 14ª reimpressão, 2015.
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