Refeição Cultural
"Olhava de lado de modo amistoso para o lado do rosto de Stephen, a cara da mãe, o que não era bem a mesma coisa que o tipinho bonito traiçoeiro de sempre que elas inquestionavelmente procuravam de forma insaciável já que ele talvez não fosse desse jeito mesmo." (p. 938)
Foram necessários três dias para ler o capítulo 16 do Ulysses. Já estou cansado da leitura. Cada capítulo é do tamanho de um livro. Aliás, o anterior, que se passa no prostíbulo em meio a alucinações, teve duzentas páginas (ler postagem aqui). Já estou louco pra acabar a leitura, mas ainda tenho cem páginas do penúltimo capítulo e umas setenta do clássico monólogo interior de Molly Bloom.
Neste capítulo, eu diria que temos a representação de Ulisses e Telêmaco, personagens da Odisseia grega.
Já passa da meia-noite na Dublin de 1904 - 17 de junho -, Bloom não quis deixar Stephen sozinho, já embriagado após sua passagem pelo prostíbulo. Eles vão juntos a um abrigo onde ficam os cocheiros das carruagens-táxi da cidade. Bloom dá um jeito de fazer o rapaz comer alguma coisa e tomar um café para passar a embriaguez.
Na Odisseia homérica, Eumeu é o porqueiro de Ulisses (Odisseu), que o recebe em sua casa quando volta a Ítaca disfarçado de velho, uma magia da deusa Palas Atena. Ali no abrigo, pai e filho se encontram e planejam a forma de retomar a propriedade invadida pelos pretendentes de Penélope.
A BEBIDA ALCOÓLICA E A EXPOSIÇÃO AOS RISCOS DIVERSOS
Num certo momento, me lembrei de nossos jovens, bebendo mais do que seria o "beber socialmente", um conceito próximo a beber sem ficar alcoolizado, perder o estado de alerta e a consciência do que está fazendo. Bloom está com Stephen um pouco por causa disso, ele está meio fora de si e pode acontecer algo de ruim a ele. Tanto é que ele se envolveu em uma briga e levou um soco que o deixou prostrado no chão.
COMENTÁRIO - O ideal seria que as pessoas bebessem e parassem antes de se embriagarem e ficarem expostas aos riscos mais diversos que a bebedeira causa, riscos a si, aos outros e a eventos trágicos e sem volta. É o que eu diria às pessoas que gosto, após meu meio século de vida. Bebam, mas parem antes de perderem a consciência e ficarem expostos aos outros.
"(...) ainda assim jamais além de um certo ponto onde invariavelmente traçava um limite na medida em que isso simplesmente criava problemas de toda espécie para nada dizer de você ficar exposto à mercê dos outros praticamente." (p. 871)
A MISÉRIA DA CLASSE TRABALHADORA
Neste capítulo tem alguns momentos de clara referência à miséria em que se encontra a classe trabalhadora. Como disse em postagens anteriores, desde o início da obra vemos como pano de fundo do romance a miséria e a falta de dinheiro e recursos básicos da gente comum retratada num dia comum de um homem comum, o publicitário Leopold Bloom. Além, é claro, das críticas de Joyce às crendices de sua sociedade.
"(...) Eu bem que topava carregar uma placassanduíche só que a menina do escritório me disse que eles estão lotados pelas próximas três semanas, amigo (...) Eu não estou nem aí desde que eu consiga trabalho, até de varredor de rua." (p. 875)
É o capitalismo inglês e mundial... aos proletários, mesmo que educados, só a miséria!
"(...) A pobreza mais violenta tinha mesmo esse efeito e ele mais que conjecturava que, conquanto possuidor de grandes habilidades educacionais, ele tivesse não pouca dificuldade em pagar as contas." (p. 879)
COMENTÁRIO - O que vemos no Brasil no século XXI após um golpe de Estado que destruiu completamente a economia do país e as oportunidades da classe trabalhadora? A mesma situação dos trabalhadores do cenário de Os miseráveis do século XIX e dos trabalhadores do Ulysses, do século XX.
PATRIOTISMO: DISTRIBUIR MELHOR A RIQUEZA ENTRE OS CIDADÃOS
"(...) quero ver todos eles, concluía ele, todos os credos e raças pro rata com uma renda confortável de bom tamanho, sem nada de avaro não, coisa na casa de £300 por ano. Esse é o ponto vital em questão e é factível e ocasionaria relações mais amigáveis entre os homens. Pelo menos é essa a minha ideia, boa ou má. Eu chamo isso de patriotismo. Ubi patria, como nós aprendemos uns fumos nos nossos dias clássicos em Alma mater, vita bene. Onde você pode viver bem, é o sentido, se você trabalhar." (p. 912)
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LEITURA DOS CLÁSSICOS
Enfim, lido mais um capítulo de Ulysses. Caminhamos para o fim, para os dois últimos capítulos, mais umas duzentas páginas.
Não há que se discutir a qualidade das inovações desenvolvidas por James Joyce neste romance - são fantásticas -, mas ao ler algum romance de linguagem prosaica mais regular, a gente acaba se perguntando sobre um dos papeis da literatura, que é o prazer.
A maior parte do romance Ulysses, com suas diversas técnicas narrativas a cada capítulo, não foi prazerosa; foi curiosa, foi desafiadora, mas pouco prazerosa.
Ler os clássicos vale a pena, repito sempre, porque a leitura tem consequências diversas em nosso ser: além do ponto de vista cultural, evoluímos do ponto de vista cerebral, físico.
Saímos de um clássico diferentes, mesmo quando não gostamos da obra, o que não é o caso aqui. Eu gosto de Ulysses.
William
Bibliografia:
JOYCE, James. Ulysses. Tradução de Caetano W. Galindo. 1ª ed. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2012.
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