segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Perda das ilusões com o Brasil (e com os homens)



Refeição Cultural

"Para Schwarz, em algum momento entre Iaiá Garcia (1878) e as Memórias póstumas (1880), o escritor teria chegado à conclusão de que a tônica do processo social brasileiro não estava na transformação de escravos e dependentes em cidadãos, saída de alguma forma tentada nos primeiros romances, mas na articulação de modos precários de assalariamento com as antigas relações de propriedade e mando. A partir daí, 'Machado insistiria nas virtualidades retrógradas da modernização como sendo o traço dominante e grotesco do progresso na sua configuração brasileira', criando narradores como Brás Cubas e Bento Santiago, que se ofereciam em espetáculo, trazendo à luz os procedimentos arbitrários e violentos da elite brasileira. A perda das ilusões, para Schwarz, não seria nos homens, mas no Brasil, devido à percepção, por parte do escritor, da inviabilidade de superação das iniquidades sociais mesmo depois de abolida a escravidão." (p. 35)


Ontem, por coisas do cotidiano, tive um momento de revolta e fiquei pensando um monte de merda, por horas. Ainda estou pensando em como mudar alguma coisa nessa coisa que virou a vida, o país, o mundo.

De vez em quando nos lembramos ou nos atentamos para os fatos da vida. Lendo hoje sobre Machado de Assis e sua obra no livro de Hélio de S. Guimarães, achei uma expressão que resume o que estou sentindo.

"A perda das ilusões, para Schwarz, não seria nos homens, mas no Brasil, devido à percepção, por parte do escritor, da inviabilidade de superação das iniquidades sociais mesmo depois de abolida a escravidão."

Eu perdi a ilusão em relação ao Brasil. Pior pra mim, porque perdi também a ilusão nos homens. Que vazio da porra! Que país miserável! Que terra iníqua! Que miséria!

Chegarmos ao bolsonarismo, ao poder da milícia, à máfia no poder, foi a pá de cal como se dizia antigamente. E esse desfazimento do nosso mundo veio justamente após o período de melhor perspectiva para o que poderíamos ser no futuro, já que o presente sob os governos do Partido dos Trabalhadores (os dois de Lula e o 1º de Dilma) era de oportunidades para um futuro mais justo para a quase totalidade do povo (os 99%) que é descendente de mãe índia, preta ou mestiça.

Ontem, me deu vontade de fazer algo, mudar alguma coisa. Quis encerrar minhas contas nas redes sociais. Quis jogar coisa fora, tenho tanto papel, coisa de história de nossas lutas, não servem pra mais nada. Quis passar um tempo sozinho sem ouvir ver contatar qualquer ser humano. Cara, tô de saco cheio dessa espécie animal. 

Provavelmente muita gente sentia isso na época do nazismo, dos fascismos e outros regimes nos quais o homo sapiens se comporta como os animais mais baixos na cadeia alimentar, carne tenra pra predador mesmo. Quando me lembro dos imbecis bolsonaristas, dos crentes manipuláveis por canalhas que os exploram em nome de deuses, quando vejo gente espalhando mentiras ridículas ao nosso redor, desisto do ser humano.

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O livro de Hélio Guimarães estuda os leitores empíricos - reais e possíveis - e os ficcionais de Machado de Assis no século XIX. O Brasil era uma terra de analfabetos. Nossa burguesia não era "esclarecida" como inventam ser a burguesia europeia. 

O mundo humano é uma eterna construção de narrativas - as "meritocracias" para justificar as riquezas. E sempre há corrupção por trás das fortunas, sempre! A classe trabalhadora se fodeu para que alguns fossem bilionários. É corrupção!

Aqui no Brasil, na época de Machado, era uma gente tosca igualzinho a burguesia de hoje, essa desgraça que mantém Bolsonaro e a máfia no poder. Tem dinheiro na conta porque vende o Brasil por vinténs, mas nunca leu na vida, não sabe o que é cultura. Conheço gente que cresceu comigo, que se acha alguma coisa, que nunca teve um livro na estante de casa. Se tinha, era de enfeite.

Bah! Essas coisas da atualidade são opinião minha, não do Hélio Guimarães.

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Quem lê hoje? Quem lê, lê o quê, hoje? Saio para andar ao redor de meu mundo. Os motoboys leem? As meninas que atendem no comércio local leem? Se quiserem ler, leriam quando? Toda essa classe trabalhadora miserável trabalha e se locomove por umas 14 a 16 horas por dia. A troco de vinténs.

Quem lê? Por que guardar centenas de quilos de textos sobre a história do movimento de luta dos trabalhadores? Toda vez que pego isso pra jogar fora, picar, ensacar, fico com dó e a coisa continua lá, aos quilos.

Quem quer saber de história? Quem quer saber de literatura? Quem quer saber de cultura?

Nem história virtual serve mais. Os sites do meu lado da classe apagam nossa história com mais rapidez que os sites da outra classe, da classe de nossos inimigos.

Quem lê? Quem se interessa por nossa história?

William


Bibliografia:

GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Os leitores de Machado de Assis: o romance machadiano e o público de literatura no século 19. São Paulo: Nankin Editorial: Edusp, 2004.

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