terça-feira, 14 de setembro de 2021

Superman: entre a foice e o martelo



Refeição Cultural

Ganhei de meu filho um belo presente de Dia dos Pais, um HQ muito interessante: Superman: entre a foice e o martelo, criação de Mark Millar, com ilustrações de Dave Johnson, Kilian Plunkett, Andrew Robinson e Walden Wong. A edição colorida e com capa dura foi lançada pela Panini em 2017, mas a obra é do início dos anos dois mil, pelo que se vê na introdução de Tom DeSanto, de outubro de 2003.

A postagem não será uma sinopse a respeito da obra como se costuma fazer. É provável que haja boas matérias sobre as qualidades e críticas desse roteiro de Mark Millar. Meu filho mesmo me enviou um vídeo muito bom sobre esse HQ, feito pelo youtuber Elba. Vale a pena assistir. Aliás, a edição que Elba usa para comentar não é a que tenho, que é mais recente, de capa dura. 

Após ler durante vários dias a estória, reli hoje de uma só vez. A segunda leitura foi bem melhor que a primeira, isso posso dizer. As ilustrações são muito legais. O roteiro deve ter efeitos diferentes de acordo com o conhecimento de cada leitor. Como não conheço o mundo dos HQ e dos super-heróis, perco referências na narrativa. Mas isso não atrapalhou o entendimento da estória.

O que mais fiquei pensando a partir da ideia de Superman: entre a foice e o martelo foi a respeito da ideologia, uma das abstrações humanas que sempre pesaram na definição da história das sociedades e que hoje voltou a ser determinante no século XXI nessa nova guerra estúpida que vivemos no seio do capitalismo mundial. A ideologia da classe dominante, o chamado 1%, está destruindo o planeta Terra e as chances de vida para as mais diversas espécies que existem até o momento.

De forma simples, a estória é a seguinte: a nave com o bebê extraterrestre sobrevivente do planeta Kripton não caiu em uma fazenda em Smallville, no Kansas, EUA. Caiu em uma fazenda de produção coletiva na Ucrânia, URSS. Anos trinta. E daí a estória se desenvolve. Superman é o herói e líder da União Soviética de Stalin e pós Stalin e não um herói norte-americano na luta contra os comunistas no auge da guerra fria. 

O quadrinho tem 3 capítulos: "Amanhecer", "Zênite" e "Poente". Na primeira parte conhecemos Superman e seu mundo soviético. Conhecemos os Estados Unidos do cientista Lex Luthor, casado com a jornalista Lois Lane Luthor. Na segunda parte temos as lutas entre os dois lados e na terceira o desfecho da estória. Tem de tudo na trama, tem o Batman, tem um tal Brainiac, que pesquisei depois para saber que é um dos inimigos de Superman assim como Luthor. Enfim, como a narrativa é uma inversão do que conhecemos, todos têm papéis trocados ao que se conhecem deles.

Resumi bastante, porém quero falar meu sentimento em relação à questão da ideologia.

IDEOLOGIA E DOMINAÇÃO CULTURAL

A primeira coisa que fiquei pensando durante e após a leitura do quadrinho foi a respeito de ideologia. Ideologia é tudo no mundo da sociedade humana. Ela está por trás de tudo. Ideologia é até a ferramenta básica para manipular as pessoas contra a questão da "ideologia". 

E penso mais: vamos nos acabar em nome das ideologias. Quem sabe outras formas de vida sigam adiante no planeta Terra se nós mamíferos humanos nos acabarmos logo, antes de inviabilizarmos de vez qualquer forma de vida neste "Pálido Ponto Azul" no universo, como dizia Carl Sagan.

DESDE CRIANÇA, TORCEMOS PELOS INVASORES

Quando eu era criança, no final dos anos setenta, eu acreditei por um momento no Superman. Sério! Eu achava que aquilo que vi de alguma forma na TV era uma informação do mundo para nós que víamos deslumbrados aquilo: havia um super-homem que voava, que tinha poderes incríveis e ele era um extraterrestre criado numa fazenda no interior dos Estados Unidos da América. E ele nos salvava dos criminosos e dos malvados do mundo.

A vida seguiu. Eu me tornei adulto. Fui entendendo como a vida funcionava desde que me mudei de São Paulo para Minas Gerais, aos dez anos de idade. Passei a ver o mundo de forma muito mais real e dura. Já de volta a São Paulo, com quase 18 anos, me politizei e vivi parte substancial da minha vida nos movimentos de lutas da classe trabalhadora, nos movimentos estudantis e no movimento sindical.

Nos anos dois mil, no século XXI, eu devia ter talvez uns quarenta anos de idade quando vi um vídeo do nosso fantástico Ariano Suassuna fazendo uma palestra e falando sobre a sutileza da ideologia e da dominação cultural dos impérios capitalistas, o inglês e o americano. Ele explicava ao público que o via sobre a importância de a gente defender a cultura local em relação às culturas imperialistas. Vale a pena vocês assistirem ao vídeo na internet, é fácil de achar.

Amig@s leitores, a ideologia é uma coisa tão forte, tão profunda, que a gente nem percebe a ideologia funcionando no processo de dominação cultural em nós mesmos. No vídeo de Suassuna, ele fala da dominação inglesa em relação aos indianos citando um filme de época e, de forma mais rápida, ele fala do Indiana Jones... sim, o arqueólogo norte-americano que quase todos nós conhecemos e "torcemos" por ele. É o poder da indústria cultural de Hollywood, nos faz torcer pelos ladrões e invasores.

É demais a explicação de Ariano Suassuna: o personagem é um ladrão, rouba artefatos culturais e históricos das mais diversas partes do mundo, e nós telespectadores torcemos por ele! (tanto os do Norte, beneficiários, como nós os invadidos há séculos). É incrível! E como não torcer por ele - e pelo que ele significa, o império norte-americano - da forma como o filme é feito? Tem arte naquilo, tem técnica! A gente se vê adulto, achando até que é politizado e, no fundo, estamos no cinema ou em casa torcendo pelo Indiana Jones... é foda!

---


"SUPERMAN: ENTRE A FOICE E O MARTELO" ME FEZ PENSAR SOBRE IDEOLOGIA

Por que essa lembrança do super-homem quando vi a questão com os olhos de uma criança com menos de dez anos e depois, ao levar um "puxão de orelha" de Ariano Suassuna já estando com mais de quarenta anos?

Para lembrar do poder da ideologia! Ela está nos valores e na cultura cotidianamente. Ela está na pauta cotidiana das pessoas e na agenda diária em nossas vidas, queiramos ou não, façamos de conta que não percebemos isso ou tendo consciência disso.

Foi por essa abstração humana, essa técnica de fazer as pessoas se engajarem em ideias e valores, que chegamos até aqui na sociedade humana. É pela ideologia que o animal humano está destruindo aceleradamente as condições de vida neste único planeta do universo com possibilidades de vidas, como disse Carl Sagan em seu "Pálido Ponto Azul".

É isso, me alonguei. Mas é um registro, uma reflexão. Ideologia é muito muito mais que razão, que racionalidade; é contradição porque é algo do animal humano, classificado como racional, sapiens, mas completamente alheia à razão.

Em cinco décadas de vida, já alternei crenças antagônicas sobre os seres humanos. Ora achei que a história é feita por heróis e líderes que definiram épocas e mundos, ora achei que a história foi feita por indivíduos na multidão, de forma caótica e anárquica, sem organização e lideranças, com eventos nas esquinas que crescem e mudam tudo.

Ainda estou avaliando se é uma das coisas ou as duas ou nenhuma delas. 

William


Bibliografia:

Superman: entre a foice e o martelo. Roteiro por Mark Millar; arte por Dave Johnson; tradução por Jotapê Martins. - Barueri, SP: Panini Brasil, 2017.


Nenhum comentário: