sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Brás Cubas - Educação sob o olhar da elite



Refeição Cultural

A leitura de Machado de Assis é sempre um ato de reflexão, de atenção, seja porque cada leitura e releitura é leitura de pesquisa e descoberta de novos sentidos, seja porque o nosso contexto faz com que percebamos que muitas questões que enfrentamos hoje já eram apontadas pelo escritor um século antes, de forma irônica e artística, através da linguagem prosaica ficcional.

A forma como a elite brasileira vê a educação é uma das questões que sempre percebemos através dos romances e contos de Machado de Assis. Dois capítulos do Memórias póstumas de Brás Cubas são simbólicos em relação a isso: os capítulos XIII (Um salto) e o XX (Bacharelo-me).

"Unamos agora os pés e demos um salto por cima da escola, a enfadonha escola, onde aprendi a ler, escrever, contar, dar cacholetas, apanhá-las, e ir fazer diabruras, ora nos morros, ora nas praias, onde quer que fosse propício a ociosos." (p. 57)

Vocabulário: cacholetas são cascudos.

No capítulo XIII, os leitores percebem a dureza que era ser professor já naquela época, no Brasil Império. O professor Ludgero Barata sofria na mão dos alunos, mesmo sendo a época da educação repressiva e violenta, dos castigos de palmatória, ajoelhar no milho etc. 

O método educacional é uma coisa que sempre esteve em debate. Já a forma como a burguesia vê a educação é outra coisa. Nesses dois capítulos o defunto autor conta que a educação formal foi uma etapa a se cumprir em sua classe social, mesmo sendo cumprida de forma medíocre por ele.

Após dizer que foi graças ao professor e suas técnicas que aprendeu alguma coisa, mesmo sem esforço, Cubas lembra que o fim do professor foi miserável, sem ninguém, sem ser lembrado e respeitado.

"E fizeste isto durante 23 anos, calado, obscuro, pontual, metido numa casinha da rua do Piolho, sem enfadar o mundo com a tua mediocridade, até que um dia deste o grande mergulho nas trevas, e ninguém te chorou, salvo um preto velho, - ninguém, nem eu, que te devo os rudimentos da escrita." (p. 58)

Cubas conta das maldades que os jovens alunos faziam ao professor por ter o sobrenome "Barata". 

"Duas, três vezes por semana, havia de lhe deixar na algibeira das calças, - umas largas calças de enfiar -, ou na gaveta da mesa, ou ao pé do tinteiro, uma barata morta..." (p. 58)

No capítulo XX, já adulto e estudando em Coimbra, Cubas confessa o quanto foi um acadêmico "estroina" (boêmio) e medíocre. Mas como era filho da elite branca e endinheirada, ele era parte da minoria que o ministro do regime bolsonarista disse dias atrás que deve ter acesso ao ensino superior, os privilegiados.

"A universidade esperava-me com as suas matérias árduas; estudei-as muito mediocremente, e nem por isso perdi o grau de bacharel; deram-mo com a solenidade do estilo, após os anos da lei; uma bela festa que me encheu de orgulho e de saudades, - principalmente de saudades. Tinha eu conquistado em Coimbra uma grande nomeada de folião; era um acadêmico estroina, superficial, tumultuário e petulante, dado às aventuras, fazendo romantismo prático e liberalismo teórico, vivendo na pura fé dos olhos pretos e das constituições escritas. No dia em que a universidade me atestou, em pergaminho, uma ciência que eu estava longe de trazer arraigada no cérebro, confesso que me achei de algum modo logrado, ainda que orgulhoso." (p. 80/81)

É isso!

O golpe de Estado no Brasil em 2016 veio para restabelecer as coisas para a casa-grande e seus filhos herdeiros, a fina flor, como diz ter sido o defunto autor Brás Cubas.

William


Bibliografia:

ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. 1ª ed. - São Paulo: Panda Books, 2018.

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