terça-feira, 28 de setembro de 2021

Diários com Machado de Assis (IX)



Refeição Cultural

Segunda-feira, 27 de setembro.


Li dois contos de Machado de Assis publicados em 1884. São contos da fase mais madura do escritor. 

O conto "Evolução" é muito irônico, crítico, e diria hermético. Fico imaginando como teria sido a recepção da narrativa na "Gazeta de Notícias" na corte do Rio de Janeiro.

"Chamo-me Inácio; ele, Benedito. Não digo o resto dos nossos nomes por um sentimento de compostura, que toda a gente discreta apreciará. Inácio basta. Contentem-se com Benedito. Não é muito, mas é alguma coisa, e está com a filosofia de Julieta: 'Que valem nomes? Perguntava ela ao namorado. A rosa, como quer que se lhe chame, tem sempre o mesmo cheiro'. Vamos ao cheiro do Benedito." (p. 311)

Ao final da estória, descobrimos que o "cheiro" de Benedito é um fedor só, não à toa Machado mudou "perfume" da rosa para "cheiro", porque o sujeito é um chupim, um parasita que viveu às custas de se apropriar das ideias dos outros. 

A "evolução" é uma ideia pessimista do ser humano, pois a evolução da espécie homo sapiens seria através de tipos como Benedito, coisa da pior espécie, uma fraude, um espertalhão. 

Machado era contemporâneo de Charles Darwin e a Teoria da Evolução das Espécies era um acontecimento naquelas décadas do século XIX. O escritor já havia apresentado seu personagem Quincas Borba e a teoria do "Humanitismo" no Memórias póstumas de Brás Cubas (1880). Quincas ficaria famoso pela frase célebre: Ao vencedor as batatas!

O pior é que a sociedade humana em meu mundo do século XXI, o século de trumps e bolsonaros, está bem próxima disso mesmo...

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O outro conto que li é "O enfermeiro".

"Parece-lhe então que o que se deu comigo em 1860, pode entrar numa página de livro? Vá que seja, com a condição única de que não há de divulgar nada antes da minha morte. Não esperará muito, pode ser que oito dias, se não for menos; estou desenganado." (p. 318)

Nesta narrativa vamos ver a estória de Procópio José Gomes Valongo, narrador em primeira pessoa, que conta como foi que acabou sendo o enfermeiro do coronel Felisberto, no interior do Estado.

Em certo momento, a narrativa vira uma estória meio macabra e, no fim, retoma a toada do início.

De novo, fiquei pensando na leitura do conto pelos leitores contemporâneos de Machado em 1884. O escritor é bastante hermético em seus textos. A estória se desenvolve bem, envolve a gente. No final, eu fiquei sem entender o que ele quis dizer com a paráfrase da sentença de Mateus, uma passagem da Bíblia.

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O livro de Hélio de Seixas - Os leitores de Machado de Assis - é muito instigante, mas será de leitura bem lenta. Vamos considerar que será um livro de provocação para minhas leituras e releituras de Machado no próximo período. Sem pressa com ele!

William


Bibliografia:

ASSIS, Machado de. 50 contos de Machado de Assis. Seleção, introdução e notas John Gledson. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 14ª reimpressão, 2015.


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