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domingo, 17 de novembro de 2024

Leitura: Ainda estou aqui, de Marcelo Rubens Paiva (3)



Refeição Cultural 

"Minha mãe nunca perdoou a incrível falha de segurança, o amadorismo, a imprudência: vir do Chile com uma carta escondida, no avião mais queimado do país, com o telefone do marido escrito no envelope; prepotência e descuido das organizações de esquerda, que colocaram duas famílias com crianças no fogo cruzado, os Viveiros de Castro e os Paiva." (p. 173)


A Parte 2 do livro de Marcelo Rubens Paiva termina com o capítulo "O sacrifício". Os leitores descobrem os motivos pelos quais a ditadura sequestrou Rubens Paiva e o matou sob tortura.

O capítulo é muito difícil de se ler...

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Estou cansado. Cansado de muita coisa. Confesso. 

Assistimos ao filme "Ainda estou aqui", baseado neste livro, esta semana. Extraordinário! Sensível!

Mas ando cansado. A ditadura e a tortura não acabaram. Não acabaram! 

A Globo ainda está por aqui. Faz a mesma merda contra o Brasil e os brasileiros desde 1965.

Biden (EUA) veio ao Brasil hoje autorizar da Amazônia que a Ucrânia use mísseis deles contra a Rússia. Só pra humilhar a gente.

Estamos morrendo envenenados pelos caras do agro e os empresários das igrejas estão bilionários roubando os miseráveis. 

As BETs dominaram tudo. Roubam dos miseráveis o que sobrar dos pastores das igrejas. 

A ditadura da Faria Lima (casa-grande) colocou um neto de ditador pra encher o rabo deles com o nosso orçamento público. Para encher o cu deles de grana tem que cortar no social.

A ditadura e a tortura não acabaram no Brasil. 

E eu comendo o veneno do agro! Vamos todos morrer de câncer, se outra morte não nos pegar antes. 

Todos morrendo pelas mãos da ditadura do capital e seus poderosos capitalistas. 

Uns caras mortais, uns merdas, e a gente deixa...

E o Gonet... o Bolsonaro é o sinal de que tá tudo liberado para eles.

Tô cansado! 

E a porra do nosso sindicato que não me deixou sequer falar do centenário da entidade? Que gente mais pequena, mesquinha... 

William 


quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Dom Quixote de La Mancha - Miguel de Cervantes (2)



Refeição Cultural

"En efecto, llevad la mira puesta a derribar la máquina mal fundada destos caballerescos libros, aborrecidos de tantos y alabados de muchos más; que si esto alcanzáredes, no habriades alcanzado poco." (Prólogo)


De novo cito o "contrato" entre autor do livro e leitores da obra: "El ingenioso caballero don Quijote de la Mancha", publicado em 1605, é uma narrativa criada por Miguel de Cervantes para denunciar "a máquina infundada dos livros de cavalarias" da época, que eram muito populares.

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CAPÍTULO 1

"Que trata de la condición y ejercicio del famoso hidalgo don Quijote de la Mancha"

A abertura da história e apresentação do fidalgo senhor Quijana que conheceremos como o famoso cavaleiro Dom Quixote é uma delícia!

"En un lugar de la Mancha, de cuyo nombre no quiero acordarme, no ha mucho tiempo que vivia un hidalgo..."

Em seguida há uma descrição da condição econômica do fidalgo. 

Depois os leitores conhecem a ama e a sobrinha do fidalgo:

"Tenía en su casa un ama que pasaba de los cuarenta, y una sobrina que no llegaba a los veinte, y un mozo de campo y plaza, que así ensillaba el rocín como tomaba la podadera..."

Após os leitores conhecerem a condição econômica bem mediana do fidalgo e as pessoas que viviam com ele, o narrador vai descrever o fidalgo:

"Frisaba la edad de nuestro hidalgo con los cincuenta años; era de complexión recia, seco de carnes, enjuto de rostro, gran madrugador y amigo de la caza..."

E então o narrador diz aos leitores que a história é baseada em fatos reais, que o importante é que a narrativa não vai se desviar da verdade. Vejam a técnica narrativa do romance ficcional de Cervantes, é muito inovadora.

"Quieren decir que tenía el sobrenombre de Quijada o Quesaba (que en esto hay alguna diferencia en los autores que deste caso escriben), aunque por conjeturas verosímiles se deja entender que se llamaba Quijana. Pero esto importa poco a nuestro cuento; basta que en la narración dél no se salga un punto de la verdad."

Outro personagem que conhecemos no início da história é o cura, com quem o senhor Quijana debatia as aventuras dos heróis dos livros de cavalarias:

"Tuvo muchas veces competencia con el cura de su lugar (que era hombre docto, graduado en Sigüenza)... (uma ironia de Cervantes)

E também conhecemos o barbeiro local:

"(...) mas maese Nicolás, barbero del mesmo pueblo, decía que ninguno llegaba al Caballero del Febo..."

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LEU TANTO SEM DORMIR QUE SEU CÉREBRO SECOU

O senhor Quijana lia tantos livros de cavalaria, de dia e de noite, que deixou de cuidar de seus afazeres e acabou ficando meio doido, o narrador diz que seu cérebro secou.

“En resolución, él se enfrascó tanto en su lectura, que se le pasaban las noches leyendo de claro en claro, y los días de turbio en turbio; y así, del poco dormir y del mucho leer se le secó el celebro, de manera que vino a perder el juicio.” (de “El ingenioso caballero don Quijote de la Mancha. Parte 1", Spanish Edition, Miguel de Cervantes)

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CORRER O MUNDO EM BUSCA DE AVENTURAS PARA SUA HONRA E PARA DESFAZER SITUAÇÕES AGRAVADAS

O fidalgo, já ancião para a época, se prepara para sair pelo mundo em busca de aventuras para honrar a si mesmo e para desfazer todo gênero de agravo que encontre.

“En efecto, rematado ya su juicio, vino a dar en el más extraño pensamiento que jamás dio loco en el mundo, y fue que le pareció convenible y necesario, así para el aumento de su honra, como para el servicio de su república, hacerse caballero andante, e irse por todo el mundo con sus armas y caballo a buscar las aventuras, y a ejercitarse en todo aquello que él había leído que los caballeros andantes se ejercitaban, deshaciendo todo género de agravio, y poniéndose en ocasiones y peligros, donde acabándolos, cobrase eterno nombre y fama.” (de “El ingenioso caballero don Quijote de la Mancha. Parte 1", Spanish Edition, Miguel de Cervantes)

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O CAVALO ROCÍN VIROU O FAMOSO ROCINANTE

Depois de quatro dias pensando que nome poderia dar ao seu cavalo, o fidalgo encontrou o nome ideal.

“y así, después de muchos nombres que formó, borró y quitó, añadió, deshizo y tornó a hacer en su memoria e imaginación, al fin le vino a llamar Rocinante, nombre, a su parecer, alto, sonoro y significativo de lo que había sido cuando fue rocín, antes de lo que ahora era, que era antes y primero de todos los rocines del mundo.” (de “El ingenioso caballero don Quijote de la Mancha. Parte 1", Spanish Edition, Miguel de Cervantes)

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DOM QUIXOTE... DE LA MANCHA

Após colocar nome em seu cavalo, o fidalgo levou mais oito dias pensando em um nome para si mesmo. Até que lhe veio o nome: Dom Quixote.

Para honrar sua linhagem e sua pátria, acrescentou o "de La Mancha" ao nome do cavaleiro andante.

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A DAMA AMADA PELO CAVALEIRO ANDANTE

Faltava ainda a escolha de uma amada a quem dirigir seus pensamentos, atos e bravuras. E lembrando que "el caballero andante sin amores era árbol sin hojas y sin frutos, y cuerpo sin alma".

Finalmente, escolheu sua doce amada entre as mulheres das cercanias. Uma lavradora chamada Aldonza Lorenzo. Ela seria a doce Dulcinea del Toboso.

“halló a quien dar nombre de su dama! Y fue, a lo que se cree, que en un lugar cerca del suyo había una moza labradora de muy buen parecer, de quien él un tiempo anduvo enamorado, aunque, según se entiende, ella jamás lo supo ni se dio cata dello. Llamábase Aldonza Lorenzo, y a ésta le pareció ser bien darle título de señora de sus pensamientos; y buscándole nombre que no desdijese mucho del suyo, y que tirase y se encaminase al de princesa y gran señora, vino a llamarla Dulcinea del Toboso, porque era natural del Toboso, nombre, a su parecer, músico y peregrino y significativo, como todos los demás que a él y a sus cosas había puesto.” (de “El ingenioso caballero don Quijote de la Mancha. Parte 1", Spanish Edition, Miguel de Cervantes)

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É isso! Temos aí tudo pronto para as primeiras aventuras de nosso cavaleiro andante Dom Quixote, seu cavalo Rocinante e tudo por honra de si mesmo e pela amada Dulcinea del Toboso.

William Mendes 

14/11/24


terça-feira, 12 de novembro de 2024

Leitura: Ainda estou aqui, de Marcelo Rubens Paiva (2)



Refeição Cultural 

"A suspeita se confirmou. Rubens foi preso. Rubens foi internado. Rubens estava na mira. Todos estavam. Era a ditadura. Já tinham prendido velhos intelectuais, editores, jornalistas, humoristas, professores, sindicalistas, deputados, militares, cantores, músicos, atores, diretores de teatro, de cinema, escritores, estudantes, padres, freiras, juristas, freis. Tinha escuta telefônica por todo lado. Interceptação de cartas e telegramas. O cerco estava apertado. Rubens caiu. Rubens foi internado." (p. 126)


A Parte 2 do livro de Marcelo Rubens Paiva é dura, são lembranças que o escritor compartilha com os leitores de momentos dramáticos na vida da família.

No capítulo "Merda de ditadura" o escritor faz um apanhado do golpe de Estado, antecedentes, atos institucionais, a fuga de Rubens Paiva num primeiro momento e a volta. História do Brasil!

No seguinte, "É a peste, Augustin - Perdão, tenho que morrer", os primeiros anos no Rio de Janeiro, após o golpe.

E no capítulo "O telefone tocou", Marcelo nos conta o sequestro de seu pai pelos "gorilas" em pleno feriado ensolarado da cidade. A descrição dos agentes da ditadura na casa da família é incrível...

REDE DA LEGALIDADE 

A família só descobriu em 2014, por causa da Comissão Nacional da Verdade, uma gravação nos arquivos da Rádio Nacional com a voz de Rubens Paiva em um discurso convidando outras rádios a aderirem ao movimento. (p. 97)

Que história! Nossa história, do povo que sempre lutou por um país mais justo, com distribuição de riqueza e que respeite todas as pessoas. 

Seguimos na leitura.

William Mendes 


Leitura: Ainda estou aqui, de Marcelo Rubens Paiva (1)



Refeição Cultural 

"A memória é uma mágica não desvendada. Um truque da vida. Uma memória não se acumula sobre a outra, mas do lado. A memória recente não é resgatada antes da milésima. Elas se embaralham..." (p. 18)


A MEMÓRIA É UMA MÁGICA 

Marcelo Rubens Paiva descreve com sensibilidade a questão da memória no começo do livro. Sua mãe, Eunice, está com Alzheimer no momento da enunciação do texto, por volta de 2014.

O escritor me pegou de jeito porque uma das coisas que mais temo é alguma doença ou evento que afete o que sou, um ser humano mortal com uma única vida vivida a partir das experiências de meu cérebro, esse organizador do que sou.

Na primeira sentada para ler, já se foram os primeiros três capítulos: "Onde é aqui?", "A água que não era mais do mar" e "Blá-blá-blá...". 

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CANHOTOS ERAM UMA ABERRAÇÃO 

"(...) ela me contou que na escola seu apelido era Italianinha, o que a deixava furiosa, e que davam reguadas na mão esquerda para forçá-la a escrever com a direita, quando o mundo pedagógico achava que canhotos eram uma aberração e que deveriam ser destros." (p. 46/47)

Cara, a mãe do autor, Eunice, passou pelo mesmo caso que eu! Canhotos que foram impedidos de serem sinistros (rsrs) por serem considerados aberrações...

Quem descobriu que eu era canhoto foi a Maria Luíza, colega do Banco do Brasil, em meados dos anos noventa, na agência Rua Clélia. Depois, ao indagar sobre a questão, minha mãe me contou que na época era comum a sociedade tentar endireitar um canhoto.

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A PAZ QUE NUNCA MAIS ENCONTREI

"Minha rotina era de uma paz que nunca mais encontrei." (p. 66)

Cara, que descrição de uma época da vida!

Na hora, vi a vida que vivi até os dez anos de idade no Rio Pequeno, em São Paulo... 

Acho que nunca mais encontrei a paz...

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ADOLESCÊNCIAS: DIVERSAS E ÚNICAS, MAS IGUAIS

Os dois capítulos que fecham a Parte 1 do livro - "Cometas da memória" e "Mãe-protocolo" - me lembraram a infância e adolescência. 

Marcelo Rubens Paiva conta a vida dele, de jovem da classe média alta, diria, mas sua história é um pouco o espelho da história de todos nós, independentemente da classe social.

Os amores platônicos da infância e adolescência. Quase toda memória terá dos seus: Valéria, Márcia, Marael, Simone, Eliane, Ione.

O autor foi detido pela polícia numa moto 125 CC sem habilitação em 1976. Eu fui detido numa CG 125 sem habilitação voltando do trabalho de madrugada, mais ou menos no final de 1987. Trabalhava na lanchonete New Dog. 

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CONHECENDO EUNICE E MARCELO

O leitor termina a leitura da Parte 1 conhecendo bem Eunice, mãe de Marcelo Rubens Paiva, um dos cinco filhos do casal.

O pai, Rubens Paiva, desapareceu quando o autor-narrador tinha onze anos (1971), a família teve mudanças radicais na vida até o momento em que Marcelo sofre um acidente e fica tetraplégico em 1979. 

Que leitura até aqui! Me fez reviver minhas lembranças enquanto conhecia as lembranças de Marcelo, e enquanto conhecia também sua mãe, Eunice.

Sigamos na leitura...

William 


segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Operação Cavalo de Tróia (15)



Refeição Cultural 

Li mais algumas páginas do livro de J. J. Benítez.

O Diário do Major, que estava disfarçado como Jasão entre Jesus e seus discípulos, finalizou a descrição daquele sábado, dia 1° de abril do ano 30.

O astronauta alegou suspeitar por que motivo Judas Iscariotes teria traído Jesus de Nazaré. Ele teria se sentido humilhado ao ser repreendido em público e seria uma forma de vingar-se do Mestre.

"(...) Judas Iscariotes havia caído em um impenetrável silêncio. Seus olhos assustavam-me. Destilavam um ódio surdo e contido. Era visível que havia tomado aquelas palavras de Jesus como reproche pessoal e, sem dúvida, havia se sentido ridicularizado diante de toda aquela gente..." (p. 144)

O reproche foi porque Judas não achou certo Maria, irmã de Simão, gastar um produto fino e caro nos cabelos e pés de Jesus. Achava ele que o produto seria melhor utilizado se fosse vendido para alimentar os pobres.

Jesus deu-lhe um chega pra lá ao dizer que os pobres estarão sempre aí para serem alimentados, enquanto ele próprio, Jesus, logo logo não estaria mais entre eles...

Estamos falando aqui de falso moralismo, né não?

Seguimos na leitura. 

William 


sábado, 9 de novembro de 2024

Dom Quixote de La Mancha - Miguel de Cervantes (1)



Refeição Cultural

Toda vez que pego um clássico da literatura mundial e o leio fico pensando na produção daquela criação humana, a condição em que ela foi feita, na pessoa que produziu aquela coisa, na época em que aquilo veio a público - ou não, só muito mais tarde -, tento imaginar o lugar do mundo onde aquilo foi produzido. Acreditem: um texto antigo tem muita história consigo, Alberto Manguel conta um pouco sobre essa história no livro "Uma história da leitura".

Quando li a história de Dom Quixote tinha pouco mais de trinta anos de idade. Havia acabado de entrar em uma faculdade de Letras e me atrevi a ler a obra em espanhol. Foi uma aventura marcante em minha vida de leitor. Eu ria, e chorava, e ficava puto, e depois inconformado, e ficava impressionado, surpreso com os ditados e sabedorias que lia, ria de novo, chorava, achava sacanagem alguns acontecimentos, outros achava inacreditáveis. Era como se não estivesse lendo uma obra ficcional. Foi uma aventura marcante a leitura do clássico de Miguel de Cervantes.

PRÓLOGO 

O prólogo da obra já é um acontecimento. A gente tenta imaginar as pessoas que sabiam ler e que tiveram acesso à leitura quatro séculos atrás lendo aquele prólogo "desocupado leitor...". 

O autor anuncia o que os leitores desocupados vão ler:

"y, pues, esta vuestra escritura no mira a más que a deshacer la autoridad y cabida que en el mundo y en el vulgo tienen los libros de caballerías..."

Cervantes faz o contrato com os leitores e avisa que a história é "una invectiva contra los libros de caballerías" e mesmo avisados de que a obra é feita para tirar um sarro daquelas histórias mirabolantes de cavaleiros da época, a gente não consegue ver de forma fria o personagem Dom Quixote e seu fiel escudeiro Sancho Pança. 

São apaixonantes demais essas duas figuras! Nos envolvemos com elas, não tem jeito. Nos apaixonamos por aquele senhor e seu servidor e amigo, mesmo sendo eles criações para se tirar sarro dos cavaleiros ficcionais da época.

"Procurad también que, leyendo vuestra historia, el melancólico se mueva a risa, el risueño la acreciente, el simple no se enfade, el discreto se admire de la invención, el grave no la desprecie, ni el prudente deje de alabarla."

Olha eu aí na descrição de Cervantes. Ou facetas de mim, num momento ou outro da vida. Como falei no início, quando li a obra posso ter sido o melancólico que riu ou o prudente que a louvou, pois era visto pelos conhecidos como pessoa sisuda e que quase não ria.

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CONCEIÇÃO EVARISTO ME DEIXOU PENSATIVO

Enfim, fiquei pensando nas obras literárias e autores e autoras ao ver ontem uma entrevista da querida Conceição Evaristo. 

Imaginem vocês que momento ímpar eu vivi na minha vida ao passar três horas conversando com ela num voo entre o Panamá e Cuba... Foi um acontecimento na minha vida de fã e leitor.

William Mendes

09/11/24


domingo, 3 de novembro de 2024

Serra da Bodoquena - Encontro de culturas, histórias, biomas e ecossistemas



Refeição Cultural 

Livro editado pelo Instituto das Águas da Serra da Bodoquena - IASB (2015)

Autores:

Franciéle Pereira Maragno

Jeferson Aparecido Almeida da Silva

Liliane Lacerda


Tive a oportunidade de visitar a região da Serra da Bodoquena duas vezes, com um intervalo de vinte anos. Fui a Bonito nos anos noventa e em 2018.

É um dos locais mais bonitos do Brasil, um paraíso de águas cristalinas em todos os rios da região. Ê um lugar de grande biodiversidade também. 

Em termos turísticos, dizemos que viajamos para a cidade de Bonito, Mato Grosso do Sul. 

Se estudarmos um pouco mais a ida a Bonito, veremos que os atrativos turísticos - os rios de águas cristalinas - estão situados em uma área do Planalto da Bodoquena, e os passeios se dão nos municípios de Bonito, Bodoquena, Jardim, Porto Murtinho e outros, dependendo da escolha da atividade.

Gruta do Lago Azul.
Foto: William Mendes.

São vários rios com passeios: Rio Formoso, Rio da Prata, Rio Sucuri, Rio Salobra, Rio Aquidabã, Rio Miranda - mais conhecido pela pesca -, dentre outros. Sem contar outras atrações da região, por exemplo, as grutas e cavernas como a "Gruta do Lago Azul" e dolinas como o "Buraco das Araras".

A leitura do livro "Serra da Bodoquena" e as duas aulas de Geografia do Brasil (que vi no ICL) sobre formação de relevos contribuíram muito para a minha compreensão sobre a riqueza daquele bioma e as ameaças à sua existência por parte dos humanos. 

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O AGRO VAI PRESERVAR O BIOMA DA SERRA DA BODOQUENA?

Tive a curiosidade de pesquisar os resultados das eleições municipais recentes (2024) nas cidades de Bodoquena, Bonito, Jardim e Porto Murtinho: 

Todas as cidades eram e seguirão governadas pela direita e extrema-direita e as câmaras de vereadores são compostas com praticamente todas as representações de partidos políticos do mesmo segmento. Vi uma representação de esquerda em Bonito (do PT) e uma em Porto Murtinho (do PT). Só. 

Vocês acham que os interesses que prevalecerão nessas cidades serão os dos preservacionistas ou os dos coronéis do agro, que plantam soja e põem gado em cada palmo de terra disponível?

Em 2018, uma das questões que mais preocupavam os guias turísticos eram ligadas ao assoreamento dos rios por causa das lavouras de soja, e a turbidez das águas por causa das plantações e destruição das matas ciliares.

Imaginem como não deve ter sido o efeito após quatro anos de bolsonarismo...

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Enfim, a leitura sobre a Serra da Bodoquena, um bioma espetacular, foi muito esclarecedora para mim. O conhecimento é fundamental para que possamos tomar as decisões mais adequadas na vida.

William 


quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Quincas Borba - Machado de Assis (2)



Refeição Cultural

"'A culpa foi minha!' suspirou ela consigo. 

A culpa eram as atenções especiais com o homem, carinhos, lembranças, obséquios familiares, e na véspera, aqueles olhos tão longamente pregados nele. Se não fosse isso... Ia-se assim perdendo em reflexões multiplicadas. Tudo a aborrecia, plantas, móveis, uma cigarra que cantava, um rumor de vozes, na rua, outro de pratos, em casa, o andar das escravas, e até um pobre preto velho que, em frente à casa dela, trepava com dificuldade um pedaço de morro. As cautelas do preto buliam-lhe com os nervos." (p. 68/69)


O cenário do romance é o Rio de Janeiro no ano de 1868. 

Sofia avalia consigo mesma o acontecimento da véspera: ela sofreu um assédio por parte de um amigo do casal. 

Na conversa com o marido, após o ocorrido, ele afirmou que a culpa foi dela, a vítima. 

Cristiano, na verdade, não quer cortar relações com o assediador, Rubião, porque lhe deve favores...

E aí? Alguém vai dizer que nunca viu caso parecido?

O tempo passa, o tempo voa, e a condição das mulheres pouco ou nada muda. 

A gente vê a luta das mulheres faz tempo, mas a sociedade machista prevalece. 

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ESCRAVIDÃO ANTIGA, ESCRAVIDÃO MODERNA

E a questão das pessoas escravizadas? (ou na mesma condição de exploração?)

A mesma cena que citei nos serve de reflexão para compreendermos o presente através do passado em nosso querido Brasil varonil.

Quando os governos do PT estabeleceram direitos para as empregadas domésticas, a tal "classe média", gente como a que me dá a honra da leitura no blog, talvez, precisou pôr a mão no bolso para pagar algum direito básico para as pessoas que lavavam nossa privada... parte da classe média ajudou a derrubar aquele governo "corrupto" etc.

Aí o Temer e o Bolsonaro acabaram com praticamente todos os direitos da classe trabalhadora e as empregadas domésticas voltaram a lavar nossas privadas por quase nada... A classe média não derrubou Temer nem Bolsonaro, provavelmente por achar que eles não eram "corruptos".

Aff! 

Sigamos lendo Machado de Assis. A prática da leitura faz a gente pensar tanta coisa, viu!

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Só para terminar a reflexão sobre o excerto citado acima: faz tempo que li Quincas Borba, não me lembro mais da estória. Aquela frase de Sofia ficou martelando na minha cabeça... "aqueles olhos tão longamente pregados nele"... 

Machado sempre surpreende leitoras e leitores, apronta das suas em seus contos e romances. Vamos ver se esse olhar longo de Sofia vai dar em algo ou não no correr do romance. 

William 


segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Quincas Borba - Machado de Assis (1)



Refeição Cultural 

"(...) mas filosofia é uma cousa, e morrer de verdade é outra..." (p. 5)


Machado de Assis publicou este romance em 1891. É um dos grandes clássicos do Bruxo do Cosme Velho. 

O personagem principal, Quincas Borba, apareceu no romance Memórias póstumas de Brás Cubas, de 1881.

Quincas é o célebre criador da doutrina filosófica Humanitismo. A famosa frase "Ao vencedor, as batatas" vem dessa doutrina. 

Eu diria que Machado brinca um pouco com as novidades científicas da época através do personagem Quincas e o Humanitismo ao fazer coro com a teoria da evolução das espécies, de Charles Darwin. 

No romance, temos como personagens Quincas Borba, Rubião, Maria da Piedade, Cristiano Palha e Sofia. E o cão Quincas Borba. Depois vão aparecendo personagens secundários como o Freitas e o Carlos Maria e outros.

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ENREDO

Em breve sumário, podemos perceber o seguinte nos primeiros capítulos:

Rubião está no Rio de Janeiro, no ano de 1868, sede da Corte. Reside na Praia de Botafogo. Ele era professor e agora é "capitalista". Está bem de vida por ser o herdeiro dos bens de Quincas Borba, que não tinha família quando morreu. Quincas, por sinal, foi uma pessoa sem posses até que recebeu herança de um parente. Sabemos do passado de Quincas porque Machado nos remete ao outro romance, o Memórias Póstumas de Brás Cubas, quando ele dormia nas escadarias da igreja e teve contatos com o Cubas. Quincas foi viver em Barbacena, se enamorou de Maria da Piedade, irmã de Rubião, mas não casaram, pois ela morreu antes. Rubião deu um jeito de ser o herdeiro do Quincas. Ele agora tem um novo casal de amigos, Cristiano e Sofia. Rubião cuida do cão Quincas Borba.

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DIÁLOGO COM OS LEITORES

Machado falando com as leitoras e leitores é muito legal:

"Este Quincas Borba, se acaso me fizeste o favor de ler as Memórias Póstumas de Brás Cubas, é aquele mesmo náufrago da existência, que ali aparece, mendigo, herdeiro inopinado, e inventor de uma filosofia. Aqui o tens agora em Barbacena. Logo que chegou, enamorou-se de uma viúva, senhora de condição mediana e parcos meios de vida; mas, tão acanhada que os suspiros no namorado ficavam sem eco. Chamava-se Maria da Piedade. Um irmão dela, que é o presente Rubião, fez todo o possível para casá-los. Piedade resistiu, um pleuris a levou." (p. 3/4 do capítulo IV)

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O NOME DO CÃO QUINCAS BORBA

"Rubião achou um rival no coração de Quincas Borba, - um cão, um bonito cão, meio tamanho, pêlo cor de chumbo, malhado de preto..." (p. 5)

E o filósofo explica por que colocou no cão seu próprio nome:

"- Esse agora é o motivo participar. Se eu morrer antes, como presumo, sobreviverei no nome do meu bom cachorro..." 

O motivo doutrinário para nomear o cachorro com o nome do dono é que o princípio da vida, "Humanitas", reside em toda parte, estando também no animal, que pode ter assim nome de gente. 

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QUINCAS, O MAIOR HOMEM DO MUNDO 

"(...) Crê-me, o Humanitismo é o remate das cousas; e eu, que o formulei, sou o maior homem do mundo. Olha, vês como o meu bom Quincas Borba está olhando para mim? Não é ele, é Humanitas..." (p. 8)

E para finalizar o capítulo seis, Quincas lança sua teoria de "ao vencedor, as batatas".

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AO VENCEDOR, AS BATATAS

"(...) Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz nesse caso é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas." (p. 9)

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FALECIMENTO DE QUINCAS BORBA 

Neste romance, o autor mantém uma relação interessante com o romance anterior, do personagem Brás cubas. 

Rubião recebeu carta de Brás Cubas dando notícias da morte de Quincas, que estava hospedado em sua casa no Rio de Janeiro. 

Machado de Assis inovou em tudo na literatura brasileira. 

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A BELA SOFIA

"(...) Ia muita vez ao teatro sem gostar dele, e a bailes, em que se divertia um pouco, - mas ia menos por si que para aparecer com os olhos da mulher, os olhos e os seios. Tinha essa vaidade singular; decotava a mulher sempre que podia, e até onde não podia, para mostrar aos outros as suas venturas particulares. Era assim um rei Candaules, mais restrito por um lado, e, por outro, mais público." (p. 41/42, Cap. XXXV)

Lendo a respeito da personagem Sofia, de 1891, me lembrei do clássico "A mulher de trinta anos", de Balzac. Não sei se Machado leu Balzac, mas pode ser que tenha lido seus livros. 

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Enfim, que delícia ler Machado de Assis!

Sigamos!

William Mendes 


sábado, 12 de outubro de 2024

Nada mais será como antes - Miguel Nicolelis (10)



Refeição Cultural 

"(...) Para elas, e para a maioria dos adultos, não haverá mais forma alguma de dizer o que é real e o que é falso. Imagine o quão assustador seria para alguém, criado desde o nascimento ou infância num paraíso virtual, de repente acordar, no meio da sarjeta, cercado de lixo e ratos famintos, sem abrigo, comida, ou meios de sobreviver por si mesmo?" (p. 161)


O ano é 2036. O desemprego no Brasil e no mundo é de mais de 80%. O número de pessoas em situação de rua em São Paulo é de mais de 150 mil homens, mulheres e crianças. 

No Largo do Arouche, centenas de pessoas andam a esmo trombando umas nas outras. São como zumbis digitais. São vítimas de um experimento de controle da mente chamado de Projeto Nirvana.

A necessidade de energia elétrica chegou a um ponto impossível de se suprir com as formas tradicionais que conhecíamos no início do século. Boa parte do consumo de energia é gasto para resfriar milhões de computadores das plataformas digitais que dominaram o mundo.

Esse é o cenário do romance Nada mais será como antes, do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis. 

Foi no contexto descrito no romance que os Overlords e seus aliados, os neurocratas e os bankgsters, pensaram no Projeto Nirvana: capturar bioeletricidade de uma espécie animal abundante no mundo: o homo digital...

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Seguimos na leitura! Estou curioso para saber como vai terminar esta ficção distópica.

William 

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Operação Cavalo de Tróia (12)



Refeição Cultural 

Lendo algumas páginas do livro de J. J. Benítez, fico pensando a respeito do momento atual: a Palestina tomada pela guerra sionista contra os outros povos que habitam a região há séculos... que dureza!

Os homens sempre se mataram justificando as eliminações dos outros através de religiões e deuses. E, no fundo, o extermínio do outro é só porque o homem é um ser que mata seu semelhante por motivos banais.

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No enredo do livro, Jasão amanheceu no dia 31 de março do ano 30 na casa do ressuscitado Lázaro, amigo de Jesus. Tomou seu café composto por leite de cabra, fatias de pão tostado, e generosas porções de queijo e mel. (p. 124)

A casa de Lázaro está agitada naquela manhã. Anunciam que Jesus vem chegando. Ele está a menos de 2 Km de Betânia (a uns dez estádios).

Vejam o que o Major diz em seu Diário:

"Posso jurar que, apesar de minha intensa preparação, dos longos anos de treinamento e da minha condição de cético, a família de Lázaro conseguiu contagiar-me com sua excitação. Sem poder evitá-lo, um calafrio percorreu-me a coluna vertebral..." (p. 126)

E, então, nosso personagem do século vinte, viajante no tempo até os dias de Jesus de Nazaré, nos descreve o primeiro contato visual com o homem, que chamará de "gigante".

"Sua extraordinária compleição - no primeiro momento calculei-lhe a altura em um metro e oitenta centímetros - fazia-o, ao lado da quase totalidade dos circunstantes, um gigante. Vestia um manto de cor bordô que lhe cingia o tórax e cujas extremidades envolviam o pescoço e caíam sobre os ombros largos e poderosos. Uma longa túnica branca, de amplas mangas, cobria-o quase até os tornozelos. Não vi faixa ou cinto algum. Na fronte trazia enrolado um lenço branco que lhe caía sobre os cabelos do lado direito." (p. 127)

Emocionante, não é? Até para um cético!

Seguimos na releitura. 

William 


domingo, 29 de setembro de 2024

Os miseráveis - Victor Hugo (XVIII)



Refeição Cultural 

Osasco, 29 de setembro de 2024. Domingo. 


INTRODUÇÃO 

"Ai! O que ele queria expulsar, havia entrado; o que ele queria cegar, olhava para ele. Era sua consciência. 

Sua consciência, quer dizer, Deus." (p. 265)


A leitura de hoje do clássico "Os miseráveis" (1862) foi de muita reflexão. 

O Livro VII da primeira parte - Fantine - faz um longo ensaio sobre a consciência e o remorso, sobre decisões a se tomar pensando não só as consequências pessoais quanto as coletivas, que impactam a vida de outras pessoas no ambiente onde se vive.

Jean Valjean, condenado às galés no passado por roubar uma côdea de pão para seus sobrinhos, sobreviveu à pena e retomou sua vida anos depois. 

Ele agora é um homem respeitado, conhecido como senhor Madeleine, e prefeito de Montreuil-sur-Mer. 

Ao saber que vão julgar outro homem por roubos e por se parecer com o condenado Jean Valjean, o verdadeiro Valjean se pega num dilema de difícil solução: se entregar e salvar o outro e voltar às galês, e condenar a coletividade que ajuda em Montreuil-sur-Mer, inclusive a jovem Fantine e Cosette, ou não?

Que dureza!

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Frases que sintetizam ideias do narrador, em tese, de Victor Hugo:

* (...) o fundo comum de ignorância da aldeia e do claustro é uma preparação completa, e nivela imediatamente o camponês ao monge. Mais amplidão ao avental e está pronta a batina." (p. 255)

* "Mentir é o absoluto do mal. Não é possível mentir pouco; quem mente, mente a mentira toda; mentir é a própria face do demônio. Satanás tem dois nomes, chama-se Satanás e chama-se Mentira." (p. 256)

* "O olhar do espírito não pode encontrar, em lugar algum, mais deslumbramentos e mais trevas do que no homem; nem fixar-se em nada mais temível, complicado, misterioso e infinito. Há um espetáculo mais grandioso que o mar, é o céu; há outro mais grandioso que o céu, é o interior da alma." (p. 262)

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Tenho lido muitos livros ao mesmo tempo. 

De romance, estou lendo três autores: Victor Hugo, Machado de Assis e Miguel Nicolelis. Autores de textos refinados.

Pensei em ler mais hoje, mas não deu. Estou curioso para saber a decisão que vai tomar Jean Valjean. 

Abraços, amig@s leitores!

William 


sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Memorial de Aires - Machado de Assis (5)



Refeição Cultural 

"8 de abril

Papel, amigo papel, não recolhas tudo o que escrever esta pena vadia. Querendo servir-me, acabarás desservindo-me, porque se acontecer que eu me vá desta vida, sem tempo de te reduzir a cinzas, os que me lerem depois da missa de sétimo dia, ou antes, ou ainda antes do enterro, podem cuidar que te confio cuidados de amor." (p. 28)


Amigas e amigos leitores do blog, sou um fã e admirador de Machado de Assis. Como é gostoso ler textos do mestre! A construção das frases, a ironia dos personagens... tudo é encantador em Machado. 

Este romance é organizado em forma de diário, o diário do Conselheiro Aires, um diplomata aposentado. 

Podemos dizer que Machado esboça através do personagem e do enredo a sociedade da época na qual a história é ambientada, o Brasil de 1888 e 1889.

Além das confissões de Aires para seu diário, que "vazaram" para nós leitores, como vemos na citação acima, preocupado ele que alguém ache que ele está amando, duas passagens me chamaram a atenção:

Uma é pelo cenário que o narrador nos apresenta do dia 13 de maio, achei muito interessante. (Páginas 31 e 32 da minha edição)

Outra passagem delicada, lendo o romance ambientado em 1888, publicado em 1908 e lido em 2024, é sobre a condição das mulheres. A opinião do personagem é machista e misógina e temos que refletir com sabedoria sobre isso.

"Maria Rita, já pela minha carta, já pelas notícias de hoje, correu a ter comigo. Senhoras não deviam escrever cartas; raras dizem tudo e claro; muitas têm a linguagem escassa ou escura..." (p. 34)

Quem está falando para si mesmo de forma honesta e espontânea é um diplomata educado do Império do Brasil de 1888. Percebem?

Como leitor em 2024 de um romance de Machado de Assis de 1908, ambientado em 1888, preciso ter noções sobre essa questão. O que acabamos de ler é em linhas gerais o pensamento de época. 

Seria um exagero e até uma ilação se eu começasse aqui a julgar o autor Machado por aquilo que acabamos de ler. Não tenho como julgá-lo por essa passagem de um de seus romances em relação ao que pensava ou não sobre as mulheres.

É isso. Sigamos lendo o mestre Machado de Assis. 

William 


domingo, 22 de setembro de 2024

Marília de Dirceu - Tomás Antônio Gonzaga



Refeição Cultural 

"Não vês aquele velho respeitável

          Que à muleta encostado

Apenas mal se move e mal se arrasta?

Oh! quanto estrago não lhe fez o tempo!

          O tempo arrebatado,

          Que o mesmo bronze gasta.


Enrugaram-se as faces, e perderam

          Seus olhos a viveza;

Voltou-se o seu cabelo em branca neve;

Já lhe treme a cabeça, a mão, o queixo;

          Nem tem uma beleza 

          Das belezas, que teve.

Assim também serei, minha Marília, 

          Daqui a poucos anos, 

Que o ímpio tempo para todos corre:

Os dentes cairão e os meus cabelos. 

          Ah! sentirei os danos

          Que evita só quem morre." (Lira XVIII, Parte 1)


Que lira fantástica!

Ao ler me identifiquei com o eu-lírico e me vi também como o objeto em estudo. Me vi adiante sob o implacável efeito do tempo.

Enquanto passava o dia na estrada, indo de São Paulo a Uberlândia, fiz o download (é de domínio público) do clássico "Marília de Dirceu", publicado em Lisboa em 1792.

O poema é dividido em três partes, sendo a primeira com 33 liras, a segunda com 38 liras e a terceira com 9 liras e 13 sonetos. 

Terminei a primeira parte.

Ao chegar à casa dos pais em Minas Gerais, o tempo do ócio inexistiu. Foram só tensões e doenças na família...

Sigamos na leitura quando possível for.

William 


sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Memorial de Aires - Machado de Assis (4)



Refeição Cultural 

"Diferença de vocações: o casal Aguiar morre por filhos, eu nunca pensei neles, nem lhes sinto a falta, apesar de só. Alguns há que os quiseram, que os tiveram e não souberam guardá-los." (p. 21)


Quem falou acima? O personagem Conselheiro Aires? O escritor por trás do personagem Aires?

Essas são algumas das elucubrações que deliciam os leitores dos grandes autores da literatura universal. 

Machado de Assis e Carolina Augusta não tiveram filhos. Carolina faleceu em 1904 e Machado nunca superou a perda de sua esposa, amiga e cara-metade.

Este romance de 1908 é, na minha leitura, muito autobiográfico. Vejo o autor o tempo todo por trás do intelectual aposentado, o Conselheiro Aires.

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E eu, o leitor do Machado e do Aires?

Bateu uma identificação forte com o Machado de 1908 e com o retirado Conselheiro Aires...

...

William 


segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Memorial de Aires - Machado de Assis (3)



Refeição Cultural 

"(...) Nada há pior que gente vadia, - ou aposentada, que é a mesma cousa; o tempo cresce e sobra, e se a pessoa pega a escrever, não há papel que baste." (p. 21)


O personagem Conselheiro Aires faz consigo mesmo uma ironia ao escrever em seu diário o pensamento acima. Ele queria escrever "meia dúzia de linhas" sobre uma reflexão e acabou se alongando por mais de uma página. 

Imaginem vocês, amigas e amigos leitores, essa citação ficcional dos diários de um personagem machadiano do início do século passado sendo lida e interpretada de forma descontextualizada por gente de qualquer matriz ideológica nos rápidos tempos de internet e redes sociais do século vigente...

IRONIA VAI MORRENDO

A redução da capacidade intelectual e interpretativa está tão grande nas últimas décadas que autores e escritores que se atrevem a fazer ironias se protegem com a já tradicional advertência "atenção, contém ironia".

A mais leve bobagem que ouviríamos do pensamento do personagem Aires seria dizer que o mestre Machado de Assis estaria chamando aposentados de vadios.

Dureza! Desalentador.

Perseverar é necessário, seguiremos lendo, estudando e compartilhando conhecimento de forma gratuita aqui nesta página de diário (blog). Seguiremos com ou sem ironias. 

Só o conhecimento liberta, já nos ensinava José Martí. 

William 


domingo, 8 de setembro de 2024

Memorial de Aires - Machado de Assis (2)



Refeição Cultural 

"(...) Mas agora é tarde para transcrever o que ele disse, fica para depois, um dia, quando houver passado a impressão, e só me ficar de memória o que valer a pena guardar." (p. 14)


A cada página do derradeiro romance machadiano, mais me identifico com o personagem retirado da vida política, Conselheiro Aires. Tudo tem um tom melancólico e de despedida no cotidiano. 

Antes mesmo de pensar em memórias que valeriam a pena guardar, acabei escrevendo memórias que se impuseram sobre mim, boas ou ruins, algumas bem ruins, dolorosas, que me matam.

Me sinto um velho sem ser necessariamente um velho do ponto de vista biológico. 

Estou velhíssimo. Carrego no peito milhares de anos de vida. As dores e limitações da idade cronológica não deveriam ter vindo tão cedo, se valessem as estatísticas para o meu grupo social. 

Neste domingo até respirar fundo dói no peito. Fora o ombro, o quadril e a lombar. Ha ha ha, tô fodido! Tô pior aos 55 anos do século 21 que o Conselheiro Aires no seu século 19!

Aff...

William 

 

sábado, 7 de setembro de 2024

Os miseráveis - Victor Hugo (XVI)



Refeição Cultural 

Osasco, 7 de setembro de 2024. Sábado.


INTRODUÇÃO 

Os últimos capítulos do Livro V - "A decadência" - foram emocionantes. 

A podre Fantine é presa injustamente por Javert, que a condena a seis meses de prisão. No momento da condenação, aparece na delegacia o prefeito Madeleine. 

Javert e Madeleine, cada um com sua autoridade, vão decidir a respeito da vida de Fantine e, consequentemente, sobre o futuro da pequena Cosette.

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PRIMEIRA PARTE - FANTINE 

LIVRO V - A DECADÊNCIA 

XI. Christus nos liberavit

Neste curto capítulo, o narrador põe a nu o capitalismo, ao explicar o benefício para os burgueses de situações como a de Fantine, colocada sob miséria absoluta pelo sistema vigente.

"O que é essa história de Fantine? É a sociedade comprando uma escrava. 

De quem? Da miséria. 

Da fome, do frio, do isolamento, do abandono, da privação. Dolorosa negociação. Uma alma por um pedaço de pão. A miséria oferece, a sociedade aceita." (p. 229)

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XII. A ociosidade do senhor Bamatabois

O senhor em questão é um burguês inútil que ficou humilhando a pobre Fantine até ela reagir às provocações do fdp.

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XIII. Solução de algumas questões de polícia municipal 

"O senhor Madeleine enxugou o rosto e disse:

- Inspetor Javert, ponha essa mulher em liberdade. 

Javert sentiu-se a um passo de enlouquecer. Naquele instante, experimentava, uma após a outra, e quase todas misturadas, as emoções mais violentas que já havia sentido na vida. Ver uma mulher de rua cuspir no rosto de um prefeito era uma coisa tão monstruosa que, em suas suposições mais medonhas, teria considerado um sacrilégio só imaginar essa possibilidade. Por outro lado, no fundo de seu pensamento, fazia confusamente uma aproximação pavorosa entre o que era aquela mulher e o que podia ser aquele prefeito, e entrevia então com horror algo de muito simples naquele prodigioso atentado. Quando viu, porém, aquele prefeito, aquele magistrado, limpar o rosto tranquilamente e dizer: ponha essa mulher em liberdade, teve uma espécie de vertigem de espanto; falharam-lhe igualmente o pensamento e as palavras; tinha ultrapassado os limites do espanto possível. Ficou mudo." (p. 235)

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COMENTÁRIO FINAL 

O desfecho do embate de autoridades entre Javert e Madeleine é empolgante. 

Fantine é salva. A cena é tocante. Vale a leitura!

William 


Post Scriptum: o comentário anterior sobre a leitura pode ser lido aqui.


quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Operação Cavalo de Tróia (7)



Refeição Cultural 

Benítez está lendo o Diário do Major da aeronáutica dos Estados Unidos. São diversas explicações científicas sobre descobertas que permitiriam a "Operação Cavalo de Tróia" viajar no tempo. 

Cito abaixo as três opções de datas e locais de viagem no tempo que o projeto teria avaliado fazer no início dos anos setenta (10 de março de 1971, segundo o autor).

"Os três objetivos em questão foram os seguintes:

1° - Março-abril do ano de 30 de nossa era. Justamente os últimos dias da paixão e morte de Jesus de Nazaré. 

2° - O ano de 1478. Local: Ilha da Madeira. Objetivo: averiguar se Cristóvão Colombo pôde receber alguma informação confidencial, da parte de algum pré-descobridor da América, sobre a existência de novas terras, assim como sobre a rota a seguir para alcançá-las.

3° - Março de 1861. Local: os Estados Unidos da América do Norte, propriamente. Objetivo: conhecer com exatidão os antecedentes da Guerra de Secessão e o pensamento do recém-eleito presidente Abraham Lincoln." (p. 69)

E aí?

Pensem que legal seria qualquer das três opções de investigação histórica...

Já sabemos que escolheram a primeira opção e vamos saber de Jesus Cristo e seus últimos dias na Terra.

Ler é uma das melhores coisas do mundo, na minha opinião de leitor. 

William 


quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Memorial de Aires - Machado de Assis (1)



Refeição Cultural 

"(...) Certamente ainda me lembram cousas e pessoas de longe, diversões, paisagens, costumes, mas não morro de saudades por nada. Aqui estou, aqui vivo, aqui morrerei."


Assim começa o diário do Conselheiro Aires, personagem com o qual Machado de Assis se despede dos romances e, pouco depois, da vida.

Li o último romance do Bruxo do Cosme Velho em janeiro de 2017. Morava em Brasília à época. 

Machado e Drummond sempre foram companheiros para mim, pois as ideias e sentimentos de seus eu-líricos e personagens me inspiravam, me punham a pensar e me fortaleciam.

O enredo de Memorial de Aires, de alguma forma, ficou registrado em meus pensamentos como referência de alguém retirado da vida que levou e se preparando para o fim ou outro tipo de vida, não melhor que aquela que tinha.

Acho que a minha identificação com esse romance machadiano se deu desde o fim de meu período em Brasília, no Banco do Brasil e no movimento político ao qual fiz parte por décadas, como Aires, retirado da diplomacia no exterior, após trinta e tantos anos...

Enfim, Machado e Drummond são minhas cachaças...

William