terça-feira, 29 de outubro de 2019

291019 - Diário e reflexões (Fluxo de pensamento)



Veredas verdejantes... e o jacarandá.

Refeição Cultural

Ainda bem que não vou registrar tudo o que pensei por quase uma hora de caminhada pela manhã, após a aula de Teoria Literária sobre análise de poemas. Eu ia muito mal pelas ruas e calçadas e paisagem verdejante da Universidade de São Paulo. Ia mals.

Terminada a aula, eu estava juntando as coisas para ir embora. Uma aluna tirava dúvidas com o professor e os alunos se retiravam. Cheguei até a porta e já ia saindo. Voltei um pouco e fiquei como que esperando terminar a consulta da aluna com o professor para falar com ele em seguida. Como demorou mais um pouco, virei e saí. A aluna e o professor disseram que esperasse pois estavam terminando. Só agradeci e fui embora. Sei lá se eu iria tirar uma das dúvidas que tinha ou se iria dizer ao professor que na verdade estava muito grato pelo quanto de informação nova havia recebido em suas aulas a respeito da leitura de poesias. Nós temos que tirar o chapéu para o professor porque ele é muito bom, tem didática e ao falar do universo complicado e complexo e impenetrável da linguagem poética para os simples mortais ele nos mostra o quanto há de sentidos por trás de um poema, de uma estrofe, de um verso, pasmem, de uma palavra ou nos fonemas dela. Me lembro da mesma sensação de espanto que sentia sobre o quanto há de sentidos por trás de um poema da outra vez que estive fazendo as matérias de literatura anos atrás na mesma graduação em Letras. Ao lermos um texto do Antonio Candido ou do Alfredo Bosi analisando um poema, vemos o mesmo rigor na extração de sentidos que o professor nos ensinou neste semestre. Sei lá de novo. Acho que iria dizer a ele que não estava em condições de entregar o trabalho de análise de um poema para a próxima semana - quero dizer que não me sinto capacitado para fazer um trabalho de análise decente -, mas que estava grato pela bagagem nova que ele nos deu. A leitura crítica de poesia necessita mesmo de prática de leitura, de técnica e de ouvido afinado. Enfim, eu não sei se quero fazer o trabalho, que era para estar pronto hoje, caso o professor não tivesse prorrogado o prazo para a próxima semana por querer dar mais uma aula com conteúdo. Saí do prédio da FFLCH sem rumo, a esmo... deixando os pés escolherem o caminho de volta. A cabeça pesada, pensando na minha vida toda. Buscava algum sentido para tudo na minha vida. Assim cheguei a minha casa.

De tudo que passou pela minha cabeça, a busca de um sentido para a minha existência foi uma das coisas que mais se repetiram; a volta ao passado para tentar compreender os porquês de eu não ter sido isso ou aquilo, de ter chegado até aqui da forma como cheguei. Se algo valeu a pena ou não. Na verdade, acho que busco justificativas ou desculpas para aceitar ou ao menos lidar com os fatos, com a realidade que se impõe sobre mim, sobre cada um de nós. Quando eu olhava para o passado, me via nas veredas que surgiam e que não me levaram aonde eu poderia ter ido. Em alguns momentos na vida, a gente se sente derrotado, perdido, fracassado. Isso não é motivo para querer encerrar uma caminhada, porque essas coisas acontecem. Aliás, se pensei em morrer por muitos e muitos anos na vida, por muitos e muitos anos fui turrão, birrento, não morri. Por falar em birra, estou lá no meio dos jovens da Universidade por ser inconformado ainda hoje por minha vida não ter se encaminhado como poderia cada vez que entrei por uma vereda. Que saco, isso! 

Entrei na Universidade de São Paulo em 2001 como uma alternativa de realização pessoal após uma década de vida brigada de bancário do Banco do Brasil do governo FHC; poderia me tornar um professor e sair daquela desgraça de vida de assédio e sofrimento ao ver colegas bancários sendo perseguidos, transferidos, demitidos e vivermos um período de muitos suicídios em um banco público que vinha sendo preparado para a privatização por um governo neoliberal. Cara, minha vida inteira foi assim. Nem bem começo a faculdade, entro para o movimento sindical em 2002 e o curso fica em segundo plano. Os caminhos interrompidos e as oportunidades perdidas para ser alguma coisa foram acontecendo a vida toda: mas trabalhar e sobreviver é sempre a prioridade na vida do pobre. Eu já estava no segundo ano de faculdade de Educação Física em 1998 quando precisei parar por falta de condições de pagar a mensalidade como caixa executivo do Banco do Brasil. O salário mal dava para passar o mês. Eu só tirava notas altas e poderia ter sido um excelente profissional da área do esporte e saúde. Que frustração senti ao parar, que derrota! Segui olhando para trás. Quando me formei em Ciências Contábeis, em 1994, tive propostas na época para trabalhar e ser sócio em empresas dessa área de administração de negócios. Me lembro do Sr. Luís, cliente do BB, que insistiu um tempão para eu ir trabalhar com ele. Eu me lembro que dinheiro nunca foi meu objetivo, meu foco na vida. Quis ficar no banco. Eu gostava de trabalhar em empresa pública e servir bem as pessoas, ser servidor e ser útil para a sociedade. Ao olhar mais para trás, fui me vendo e buscando compreender por que a gente é como é. Eu era adolescente em Uberlândia quando fazia o ensino fundamental e médio. O povo brasileiro passava muita dificuldade nos anos oitenta. Meus pais e familiares não eram diferentes do povão que não é elite, que não era da antiga "classe média". Eu queria estudar, ler, tinha curiosidade filosófica e desejo de ser "letrado" ou algo parecido, mas o trabalho infantil, mal remunerado, sem carteira assinada e, na maioria das vezes, braçal deixava a gente esgotado para estudar de noite; me lembro que as greves dos professores, que lutavam por salários e pela educação, duravam semanas e a gente nunca ia longe nos conteúdos dos livros didáticos. Talvez venha daí minha deficiência em gramática, em poesia, e outras matérias básicas que fui estudar por conta própria quando adulto. Enfim, a classe trabalhadora e seus filhos sempre tiveram dificuldades e falta de oportunidades para estudar e mudar de vida porque a vida sempre foi só para sobrevivência e não para a completude da vida e do ser.

Eu pensei muita coisa enquanto caminhava para casa, de volta da minha aula sobre poesia. Eu pensei no movimento sindical e pensei na entidade de autogestão em saúde dos trabalhadores do Banco do Brasil. Quando tento achar algo de útil que tenha feito na vida social, para a sociedade e para as pessoas, acho que poderia dizer que o período em que servi aos meus colegas de profissão, os bancários, pode ter sido o período em que tenha feito algo de bom para a coletividade. Mesmo assim, é complicado afirmar isso, eu sei, porque não existe reconhecimento coletivo algum e nem gratidão nas lutas sindicais; era o que me diziam os mais velhos do movimento; os trabalhadores não têm memória e uma vida de dedicação não vale quase nada além do momento presente que os trabalhadores enfrentam. Pode ser isso mesmo, mas o fato é que me dediquei de corpo e alma, com ética e disciplina, por mais de uma década, às lutas dos bancários do Banco do Brasil, entre 2002 e 2014; e, para terminar uma vida de representação, fui ser dirigente eleito de uma entidade de saúde por 4 anos. Nossa, eu juro a vocês que nunca me esforcei tanto para fazer algo tão complexo e com o melhor de minha inteligência e energia quanto foi defender os direitos em saúde dos colegas do banco, além de defender uma entidade apaixonante e um modelo de saúde revolucionário. Quando saí em 2018, já previa que a vida seria completamente diferente dali adiante, por diversos motivos. E foi mesmo. Tudo mudou. Mas essa é outra história, não é para o momento.

Estou me esforçando para encontrar um sentido, senão da vida que vivi, que passei junto com uma categoria profissional ao longo de quase três décadas de bancário, em um mundo que agora desmorona com o Brasil tomado por uma demência coletiva, ao menos um sentido para estar estudando aos 50 anos de idade para completar uma grade curricular de um curso de Letras. Mas o sentido não vem fácil, não. Eu aprendi as matérias de exatas para galgar uma profissão e uma vida melhor quando fiz Contábeis. Aprendi as áreas médicas e biológicas quando fiz dois anos de Educação Física, pois queria mudar de vida, de condição de subsistência. Queria ser professor. Aprendi tudo que pude sobre o movimento sindical, sobre a organização das lutas da classe trabalhadora, sobre os direitos e as instituições dos trabalhadores. E usei o conhecimento para fazer mandatos combativos e contribuir para conquistas da classe e para resistir aos ataques do capital. Depois aprendi sobre gestão em saúde; para mim, foi o melhor trabalho de representação que fiz, pois além de político era técnico. E confesso que da forma como tudo terminou deixou-me um amargo na boca, pois sofri perseguição e assédio moral internamente, e o mandato não teve o reconhecimento dos associados e dos grupos para os quais atuamos. Sendo assim, qual o sentido da birra em concluir umas matérias na Letras? Colar grau em duas habilitações, pra quê?

Me alonguei demais nessa reflexão. Mas meu tempo agora é só para isso, não estou em nenhuma frente de batalha como estive por tanto tempo. É isso.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

281019 - Diário e reflexões



Brasil...

Refeição Cultural

PARABÉNS, COMPANHEIRO LULA!

No dia de ontem, dia 27 de outubro, o companheiro Lula completou 74 anos de vida. Ele está sequestrado numa masmorra em Curitiba, preso político porque seria uma possibilidade de soberania do povo brasileiro e do país após a 2ª eleição de Dilma Rousseff em 2014. Os inimigos sabiam que ele poderia manter a conciliação de classes que favorecia também aos pobres e classe trabalhadora. Lula faz política, Lula concilia. 

E tínhamos o pré-sal e a Petrobras para substituir a dependência das commodities e bens de pouco valor agregado que o país exportava para a China e demais parceiros. Tínhamos a destinação do pré-sal para a independência na educação e saúde. Daí a Lava Jato. Daí o Golpe de Estado e o impeachment. Daí as invenções para prender Lula. Daí dos bilionários apostarem em qualquer coisa, inclusive no miliciano fascista.

Feliz aniversário, Presidente Lula! Você não está governando o Brasil por causa da trama internacional que montaram com a elite tupiniquim, elite chinfrim, canalha e lesa-pátria; complô montado para recolonizar o território de exploração secular.

HÁ UM ANO, A MAIOR INFÂMIA DA HISTÓRIA

Há um ano, nesta data, 28 de outubro, o povo brasileiro cometia a maior infâmia de sua história. Foi um ato vil, sórdido, baixo; foi um ato demente votar em um miliciano fascista, que defende publicamente tortura, assassinato; um sujeito que despreza mulheres e povos negros; que não respeita a opinião dos outros; que não sabe fazer outra coisa a não ser mentir e odiar o nosso país; um lixo humano que só sabe lamber as botas do presidente dos Estados Unidos. Há um ano, o povo brasileiro cometia suicídio coletivo.

AS COISAS SEGUEM MUDANDO, COMO SEMPRE

Os dias seguem de completa mudança. Assim como são as coisas no mundo, mudanças o tempo todo. Tudo muda o tempo todo. Nada volta, nada é como antes, só se parece, quando parece. Lidar com as mudanças é coisa da vida, coisa de quem está vivo para ver as mudanças, ou para senti-las; quiçá refletir a respeito delas. Mudanças. Mudar...

As relações de família mudaram, dos ditos laços de família. As relações não são mais as mesmas. Não adianta achar que vamos continuar mantendo as tradições porque os tempos não são de tradições. Aliás, assim como tínhamos tradições positivas, tínhamos tradições terríveis. Os tempos são de mudanças. Os tempos são outros. Difícil prever aonde vamos todos chegar, nós animais humanos num mundo desumano. Mudar... mudando!

FIM DA CONCILIAÇÃO DE CLASSES

Com a destruição da política, da sociabilidade, do amor e da solidariedade, com o fim da tolerância e da paciência, tenho uma leitura triste do amanhã em relação ao querido ser humano Luiz Inácio Lula da Silva e as instituições dos movimentos populares do país (enfraquecidas, quase extintas). 

Não acho que o Brasil e o povo brasileiro, e as instituições políticas, ainda estejam abertos à conciliação de classes (as duas, os capitalistas e os explorados), foco da política do Lula, do PT, da CUT e de setores do movimento social organizado e que foram hegemônicos no país após o ciclo de lutas contra a ditadura civil-militar entre os anos sessenta e oitenta.

O momento histórico no Brasil e no mundo é de radicalismo, é de rupturas, é de guerras. Guerras diferentes e talvez tradicionais. Lembro que disse acima que as coisas mudam, não se repetem. 

Precisamos de movimentos radicais do campo popular para enfrentar os movimentos radicais dos donos do capital e seus representantes (radicais e armados com as forças do Estado tomado). 

Não há dó, não há compaixão, não há peso de consciência nos capitalistas. Eles não ligam para as pessoas. Se a esquerda e as pessoas, os 99%, não perceberem isso, seguirão sendo oprimidos, explorados, eliminados, após qualquer utilidade anterior de exploração.

Não há mais chance de conciliação, somos nós 99% ou eles 1%. De onde virão aquel@s que compreendem isso? Não sei. Não sei nem se virão de algum lugar. Ou se virá só a nossa eliminação.

William

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

231019 - Diário e reflexões (Fluxo de pensamento)



Brasil se acabando...

Refeição Cultural

Sessenta desgraçados finalizaram o fim da aposentadoria para o povo brasileiro. Sessenta animais com o poder de destruir o futuro de dezenas de milhões de seres humanos. Sessenta! Quase que cabem em um ônibus. Tão pouca gente com tanto poder, poder sobre-humano de destruição em massa. Esses animais são como uma bomba atômica detonada em solo pátrio. O país chamado Brasil segue com sua agenda de destruição acelerada; agenda acelerada ou destruição acelerada? Aceleração total rumo ao fim de tudo, ao fim do mundo, do nosso mundo. Primeiro a devastação das florestas por incêndios iniciados num mesmo período, vai ver foi deus que mandou uns mil raios localizados nas áreas onde estavam os latifundiários que queriam se ver livres de índios árvores bichos e beleza ecológica para terem ali nelori nelori nelori soja soja soja veneno veneno muito veneno. Agora, toneladas de petróleo-óleo-lixo-tóxico seguem flutuando nas costas brasileiras e destruindo toda a fauna e flora e beleza ecológica daquele povo "paraíba" que não gosta dos milicianos que chegaram ao poder do Estado via golpe de Estado com apoio de toda a mídia comercial dos bilionários da casa grande tupiniquim. Quéde o exército que mata pobres pretos estudantes em forças-tarefas? Quéde a marinha que patrulha a costa brasileira? Quéde alguém que nos ajude? Milhões de nordestinos terão suas vidas alteradas para pior pela destruição de seu litoral e pela destruição da previdência social. Os mais de cinco mil municípios brasileiros estão ferrados com a destruição da aposentadoria sustentadora de todo o comércio local. Falei cinco mil e não somente os do Nordeste. Todos os brasileiros incluindo os apoiadores dos destruidores do Brasil se ferraram; de verdade, se foderam! E eles nem noção disso têm! Povo ignorante! Os ministros da Corte (Corte?) estão julgando nesse instante uma invenção inconstitucional que inventaram para corroborar com o golpe de Estado e estão decidindo se o 5º Artigo da Constituição é constituído mesmo de poder ou se aquelas palavras nem tão velhas naquela Constituição nem tão velha devem ser desconsideradas pela suprema Corte suprema. Se os desgraçados bomba atômica que destruíram as garantias constitucionais do povo brasileiro cabiam quase num ônibus, esses outros animais cabem numa van, numa van e com poder incomensurável. E nem foram eleitos pelo povo. Povo? Que povo? Esse que sai pras ruas pra reivindicar seus direitos históricos? Que povo? A Globo e os adestradores de circo não chamaram povo nenhum pra ir pra rua. E no meio disso tudo, eu tenho um trabalho de conclusão de uma disciplina da graduação em Letras para entregar em poucos dias. Eu não consigo fazer porque essa porcaria dessa cabeça minha é só deprê com tudo isso (pusilanimidade, na verdade. Tô igual a música do MPB4: "pois é, pra quê?"). Desistir? Por que não desistir? Qual o sentido disso? De tudo isso? Tudo o que ajudei a construir em duas décadas de dedicação diária na representação política da classe trabalhadora foi e está sendo destruído no silêncio humilhante das ruas, no silêncio dos WhatsApp, no espalhafatoso barulho da expulsão de demônios e do barulho ensurdecedor das moedas caindo nas sacolas cofres contas dos "pastores" de deus que dizem para suas ovelhas béééhhh o que elas devem fazer. Por que não desistir? Me lembro que Sancho Pança resolvia suas más aventuras e dores e fomes e azares dormindo, ele deitava e dormia e assim não pensava não sentia não ouvia a barriga roendo. Dormia. Se prestarmos atenção, veremos que o povo brasileiro dorme, dorme, dormiu, tá dormindo, tá dormindo com o inimigo, dorme. A Cuca vem pegar, mas que importa pra esse povo que tem "as verdades" que lhe interessam chegando pelo WhatsApp... dorme nenê, que a Cuca vem pegar... mas pelo menos tiramos o PT... o Lula tá preso, babaca...

William

domingo, 20 de outubro de 2019

Frases em Senhora, de J. Alencar: reflexões sobre a condição da mulher no Brasil bolsonarista




Senhora, de Alencar: fico pensando
pra onde vamos com o bolsonarismo.

Refeição Cultural

Separei alguns momentos do romance Senhora (1875), de José de Alencar, para ilustrar o que pode voltar a ser a vida das pessoas, dos seres humanos, das mulheres, caso todas as pautas e ideias reacionárias (ideologia) do bolsonarismo e de parte dos donos de empresas evangélicas chamadas de "igrejas" se estabeleçam na cultura dessa eterna colônia miserável.

Os retrocessos propostos por esses machos brancos reacionários e em posse de um poder excessivo, conquistado por fraudes múltiplas e por golpe de Estado, estão sendo pregados através de púlpitos, ministérios, redes de ensino tomadas por seus seguidores, enfim, retrocessos pregados diuturnamente por seus instrumentos de manipulação da consciência dos brasileiros e brasileiras deste começo do século XXI.

Além da famiglia que colocaram no poder, tem um "bispo" bilionário, dono de uma das maiores redes de televisão do país, que prega que lugar de mulher é em casa, sem estudar, sem se formar, obedecendo seu marido-dono e, claro, obedecendo a esse destino feminino definido pelo próprio deus.

Seguem abaixo, frases interessantes que destaquei da primeira parte do romance, chamada "O preço". Vejam o que acham, amig@s leitores. Os subtítulos são de minha autoria.

(e pensar que os bolsonaristas não teriam sido eleitos sem o voto de parte das mulheres brasileiras...)

William

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Mercado matrimonial: o arranjo patrimonial do modo de produção capitalista (um caso curioso em Senhora)

"Por isso mesmo considerava ela o ouro um vil metal que rebaixava os homens; e no íntimo sentia-se profundamente humilhada pensando que para toda essa gente que a cercava, ela, a sua pessoa, não merecia uma só das bajulações que tributavam a cada um de seus mil contos de réis."

(...)

"Convencida de que todos os seus inúmeros apaixonados, sem exceção de um, a pretendiam unicamente pela riqueza; Aurélia reagia contra essa afronta, aplicando a esses indivíduos o mesmo estalão.
   Assim costumava ela indicar o merecimento relativo de cada um dos pretendentes, dando-lhes certo valor monetário..." (Cap. I, pág. 15)

O machismo brasileiro captado na fala do narrador do romance de Alencar

"Era uma expressão fria, pausada, inflexível, que jaspeava sua beleza, dando-lhe quase a gelidez da estátua. Mas no lampejo de seus grandes olhos pardos brilhavam as irradiações da inteligência. Operava-se nela uma revolução. O princípio vital da mulher abandonava seu foco natural, o coração, para concentrar-se no cérebro, onde residem as faculdades especulativas do homem." (Cap. IV, pág. 22)

Aurélia Camargo, a subversão à lógica da sociedade do macho branco capitalista da casa grande

"- Esquece que desses dezenove anos, dezoito os vivi na extrema pobreza e um no seio da riqueza para onde fui transportada de repente. Tenho as duas grandes lições do mundo; a da miséria e a da opulência. Conheci outrora o dinheiro como um tirano; hoje o conheço como um cativo submisso. Por conseguinte devo ser mais velha do que o senhor que nunca foi nem tão pobre, como eu fui, nem tão rico, como eu sou." (Cap. IV, pág. 24)

O narrador do romance, com seu linguajar cheio de pompa, nos apresenta sua visão da imprensa do século XIX

"Depois de lavar o rosto e enfiar o chambre viera à sala buscar na porta que dava para a escada os jornais do dia; pois era ele dos que se consideram em jejum e ficam de cabeça oca, se ao acordarem não espreguiçam o espírito por essas toalhas de papel com que a civilização enxuga a cara ao público todas as manhãs." (Cap. V, pág. 29)

Mulher que não arrumasse casamento era uma monstruosidade social ("aleijão")

"Nicota, mais moça e também mais linda, ainda estava na flor da idade; mas já tocava aos vinte anos, e com a vida concentrada que tinha a família, não era fácil que aparecessem pretendentes à mão de uma menina pobre e sem proteções. Por isso cresciam as inquietações e tristezas da boa mãe, ao pensar que também esta filha estaria condenada à mesquinha sorte do aleijão social, que se chama celibato." (Cap. VI, pág. 33)

O que é esta vida senão uma quitanda?

"(...) Queria que me dissessem os senhores moralistas o que é esta vida senão uma quitanda? Desde que nasce um pobre-diabo até que o leva a breca não faz outra coisa senão comprar e vender? Para nascer é preciso dinheiro, e para morrer ainda mais dinheiro. Os ricos alugam os seus capitais; os pobres alugam-se a si, enquanto não se vendem de uma vez, salvo o direito do estelionato." (Cap. VIII, pág. 39)


Bibliografia:

ALENCAR, José de. Senhora. Coleção O Estado de São Paulo, Klick Editora. São Paulo, 1997.


Post Scriptum:

Leia aqui a postagem anterior sobre o porquê de refazer a leitura deste romance de José de Alencar, que li na adolescência e depois reli duas décadas atrás.

sábado, 19 de outubro de 2019

191019 - Diário e reflexões (Fluxo de pensamento)




E então soube agora pela manhã que o óleopetróleolixotóxico chegou à praia de corais de Porto de Galinhas onde busco refúgio por alguns dias há anos. Soube que a "justiça" esperou por anos a prescrição de prazo dos processos criminais do bandido mór dos bispos do brasil. Soube que o Lula se engraçou com a desgraçada da Marta sugerindo que a traidora seria bem-vinda ao partido e ao projeto que traiu. Soube de mais um país sul-americano onde a população se revolta e vai pra rua e enfrenta o governo anti-popular e honra a cor do sangue que tem nas veias e essa população não é a brasileira (que mistura de ódio e melancolia de pertencer a essa raça vagabunda frouxa pusilânime e com sanguedeáguasalobra!). Já sabia que a Lava Jato era um projeto de destruição das lideranças populares do Brasil, do Partido dos Trabalhadores; de destruição da economia do país e dos avanços que o povo miserável tinha recebido (e não conquistado, pois que povo que não luta não conquista...); de destruição da maior empresa brasileira, a Petrobras, e a recém descoberta do pré-sal (mina de ouro em país subdesenvolvido e com povo chinfrim sem autoestima sem caráter e com sanguedeáguasalobra que não luta por nada). Já sabia do golpe de Estado; já sabia da chegada do novo regime baseado em fraudes; já sabia do papel dos endinheirados na chegada do novo regime; já sabia das milícias; já sabia já sabia... a gente acaba que o coração arrebenta, senão o fígado, senão as veias e artérias, senão estômago e intestinos de tanto sofrer por saber como as coisas são. Nossa! E em meio a tanto saber que adoece, eu não sabia das figuras de linguagem que andei lendo pela manhã; eu não sabia de alguns poemas que li do Drummond; eu não sabia da história da Língua Portuguesa que li na gramática do Bechara. A gente não sabe de quase nada que poderia nos dar sentido em acreditar nas produções boas do ser humano. Que merda, só coisa desgraçada dos seres humanos nos chegam a todo instante, destruição e destruição e destruição de tudo. Sinceramente, pra ver o ser humano destruir tudo, preferiria que um cataclismo acabasse com todos nós humanos, e rápido! Chega!

William
Que sabe que não sabe de nada...

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Teoria Literária II - Leitura Analítica, Leitura da Lírica (VII)



A rosa do povo (1945), Drummond.
(Atualizado em 20/10/19)

Refeição Cultural

Uma das disciplinas que estou cursando neste semestre na graduação em Letras na Universidade de São Paulo é Teoria Literária II. O programa da disciplina ensinada a nós pelo professor Ariovaldo Vidal tem por objetivo central "o exercício da leitura detalhada do poema, vendo o rigor da forma literária em alguns nomes da poesia brasileira moderna". Estamos estudando Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto e Cecília Meireles.

Para mim, cada aula sobre poesia é uma descoberta, mesmo já tendo este aluno que vos fala ultrapassado a metade de sua vida de estudos e busca de conhecimentos. Este blog não tem pretensões grandiloquentes de querer ditar normas ou regras de nada. É só lembrarmos que o objetivo dele é compartilhar reflexões literárias e filosóficas, e também aquilo que aprendo nas aulas que frequento. Não sou nenhum "caga-regras". Reafirmo essa condição aqui.

Os alunos terão que escolher um dos poemas sugeridos pelo professor para fazerem o trabalho de conclusão da disciplina. Eu escolhi o poema "Desfile" de Carlos Drummond de Andrade, contido no livro A rosa do povo, de 1945. Das sugestões dadas, escolhi o poeta ao qual tenho mais afinidade, mesmo sabendo que Drummond é um poeta que exige um bom conhecimento de seus leitores críticos.

Já ganhei muito em estar cursando a disciplina de Teoria Literária II cuja temática escolhida pelo professor foi "Leitura Analítica, Leitura da Lírica", assim como ganhei em estar cursando as outras disciplinas de línguas e literaturas que estou fazendo nesta volta à graduação em Letras para completar algumas matérias do bacharelado em Português e Espanhol. Quero aprender algo novo até completar minha outra metade da existência, que pode ser de um instante, como é a própria vida, um sopro, um suspiro.

Vou ficar nos próximos dias lendo o poema "Desfile", buscando compreendê-lo, analisando questões interessantes contidas nele, ficar refletindo sobre o poeta que tanto admiro e sobre o livro A rosa do povo, que me toca profundamente, pois é um livro tenso, dramático, característico de seu tempo, 1945. Independentemente de agradar ou não a análise final que farei para o nosso professor, cada volta ao poema será um ganho do leitor, deste leitor ao menos, e isso basta para mim.

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DESFILE

O rosto no travesseiro,
escuto o tempo fluindo
no mais completo silêncio.
Como remédio entornado
em camisa de doente;
como dedo na penugem
de braço de namorada;
como vento no cabelo,
fluindo: fiquei mais moço.
Já não tenho cicatriz.
Vejo-me noutra cidade.
Sem mar nem derivativo,
o corpo era bem pequeno
para tanta insubmissão.
E tento fazer poesia,
queimar casas, me esbaldar,
nada resolve: mas tudo
se resolveu em dez anos
(memórias do smoking preto).
O tempo fluindo: passos
de borracha no tapete,
lamber de língua de cão
na face: o tempo fluindo.
Tão frágil me sinto agora.
A montanha do colégio.
Colunas de ar fugiam
das bocas, na cerração.
Estou perdido na névoa,
na ausência, no ardor contido.
O mundo me chega em cartas.
A guerra, a gripe espanhola,
descoberta do dinheiro,
primeira calça comprida,
sulco de prata de Halley,
despenhadeiro da infância.
Mais longe, mais baixo, vejo
uma estátua de menino
ou um menino afogado.
Mais nada: o tempo fluiu.
No quarto em forma de túnel
a luz veio sub-reptícia.
Passo a mão na minha barba.
Cresceu. Tenho cicatriz.
E tenho mãos experientes.
Tenho calças experientes.
Tenho sinais combinados.
Se eu morrer, morre comigo
um certo modo de ver.
Tudo foi prêmio do tempo
e no tempo se converte.
Pressinto que ele ainda flui.
Como sangue; talvez água
de rio sem correnteza.
Como planta que se alonga
enquanto estamos dormindo.
Vinte anos ou pouco mais,
tudo estará terminado.
O tempo fluiu sem dor.
O rosto no travesseiro,
fecho os olhos, para ensaio.


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Gente, que poema maravilhoso! Confesso que já sinto por ele uma simpatia imensa. O Eu lírico nos convida a ver seu "Desfile", mais que isso, nos instiga a assistir a outros desfiles, o desfile do nosso Eu, por exemplo, quando vai do presente ao passado e volta para cá.

Relação produtiva teremos esse poema e eu nos próximos dias.

William, um leitor.


Bibliografia:

ANDRADE, Carlos Drummond. A rosa do povo. Rio de Janeiro: Record, 1998.

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CONTINUAÇÃO DA LEITURA

O professor nos ensina que a metodologia de leitura de um poema é composta de três etapas: comentário, análise e interpretação.

Na etapa de comentários, verificamos o léxico, buscamos informações que situem melhor o contexto do poema, obra, autor, história, dentre outros fatores que se fizerem interessantes para melhor análise e interpretação do poema.

No meu entendimento, porque por mais objetivos que devam ser os comentários, uma ótica subjetiva haverá: a ótica do próprio leitor do poema. Enfim, no meu entendimento, dados biográficos do autor vão ser importantes na interpretação desse poema.

COMENTÁRIOS RELEVANTES PARA A ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DO POEMA

Algumas informações serão relevantes para complementarem a leitura que pretendo fazer do poema, leitura baseada na materialidade do poema; informações que podem fortalecer os argumentos utilizados na hora da construção das hipóteses propostas na leitura.

DADOS BIOGRÁFICOS DO AUTOR, C. D. A.

Drummond estava com 43 anos quando publicou A rosa do povo, seu 5º livro de poesia. Antes, havia publicado Alguma poesia (1930), Brejo das almas (1934), Sentimento do mundo (1940) e Poesias, contendo o poema "José" (1942). Já li várias vezes os três primeiros livros e gosto muito deles.

Dados sobre infância e adolescência do autor podem nos interessar na interpretação do poema em análise. Drummond nasceu em 1902 em Itabira do Mato Dentro (MG). Aos 13 anos, trabalhou alguns meses como caixeiro na casa comercial de Randolfo Martins da Costa. Na "Cronologia de vida e Obra", contida na edição que tenho da Editora Record, uma informação chama a minha atenção ao dizer que a casa comercial "em retribuição a seus serviços, lhe oferece um corte de casimira".

A transição entre fases da vida parece marco importante na vida do Eu lírico, vemos um traço disso no verso 33: "primeira calça comprida".

Aos 14 anos, Drummond vira aluno interno do Colégio Arnaldo, da Congregação do Verbo Divino, em Belo Horizonte. Ele interrompe os estudos por problemas de saúde.

Aos 16 anos, ele está novamente enclausurado no Colégio Anchieta, da Companhia de Jesus, em Nova Friburgo (RJ). O jovem poeta parece ter uma natureza indômita, nada dócil, pois ao fim do ano letivo de 1919 (17 anos) é expulso do colégio "em consequência de incidente com o professor de Português".

No poema, o Eu lírico vai dizer nos versos 13 e 14: "o corpo era bem pequeno/para tanta insubmissão".

Drummond muda-se para a cidade do Rio de Janeiro, então capital da República, em 1934, como chefe de gabinete de Gustavo Capanema, novo ministro da Educação e Saúde Pública. Já era casado, já tinha perdido um filho, que viveu alguns instantes ao nascer, e tinha uma filha, Maria Julieta, nascida em 1928.

Finalizando esta parte do comentário sobre seus dados biográficos até a publicação de A rosa do povo, temos o poeta e escritor residindo na capital federal, a cidade do Rio; já era um poeta reconhecido aos 43 anos de idade; após publicar por conta própria seus primeiros livros, teve o livro Poesias, custeado e editado pela Editora José Olympio, em 1942.

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(seguimos depois...)

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

171019 - Diário e reflexões (Fluxo de pensamento)



As democracias resistem ao desequilíbrio
das máquinas de mentiras do Capital?

Refeição Cultural

Fim da democracia representativa

Com a chegada das tecnologias de desinformação em massa e manipulação de comportamentos dos seres humanos, estaríamos caminhando para o fim da política, da democracia representativa, da convivência pacífica regulada pela mediação das instituições dos estados burgueses como tivemos nos últimos dois séculos? Não sei se a humanidade conseguirá reverter a corrosão acelerada da sociabilidade mediada por instituições sociais, da forma como convivemos na sociedade ocidental no atual período da existência humana. Sei não. (Sem inocência, tá? Eu sei que o conceito de "convivência pacífica" que disse acima é uma construção ideológica capitalista, que quer dizer os donos do poder terem direitos de manterem tudo para si e o restante ter alguma migalha do todo, de acordo com os avanços e lutas de cada grupamento chamado de nome A ou B, um nome de Estado, de cidade etc.)

Estou procrastinando para começar a fazer o trabalho de conclusão de uma disciplina da graduação da faculdade de Letras porque tenho a consciência que meu conhecimento é menor do que eu gostaria para realizar a tarefa com a exigência que sempre cobrei de mim mesmo para qualquer coisa que me dispus a fazer nessa vida. Meu conhecimento inadequado não é por falta de capacidade para chegar ao nível que eu exigiria de mim mesmo, não é isso. A questão é outra. Estou empenhado nas tarefas acadêmicas de forma incompleta porque só parte de mim cumpre com as obrigações de aquisição de novos conhecimentos. Outra parte me bloqueia, me suga para o redemoinho que tem levado a sociedade humana e todas as suas instituições políticas para o buraco. Foi do espaço da política que vim, que vivi a vida toda, da busca da igualdade e de uma vida mais justa a partir das mudanças pela política, pela democracia. A consciência política é um caminho sem volta. A gente morre todo dia ao ver matarem a política, e com ela matarem a sociabilidade possível para o animal humano. A outra alternativa é a dos animais em geral, é o estado de natureza como nos ensinou Hobbes. Nele vale tudo. Eu gosto da alegoria dos filmes distópicos de humanos infectados com vírus de raiva que os fazem zumbis que caçam e destroem aqueles que ainda são humanos. Estamos caminhando para isso? Zumbis infectados com ódio mordendo e eliminando o outro? grr grrhum.

Os animais grotescos e incivilizados (humanos?) que invadiram os espaços de política no Brasil após o golpe de Estado em 2016 são consequência de um processo de destruição da política que se acelerou na última década no mundo todo. Vários documentários estão disponíveis para qualquer pessoa que queira entender o que se passou neste início de século 21 com as redes sociais que foram disponibilizadas para os bilhões de seres humanos e que depois se tornaram espaços de experimentos de manipulação de comportamentos em massas com alta tecnologia de algoritmos. Muita coisa mudou com as novas tecnologias, menos uma: tem mais capacidade de manipular quem tem mais capacidade de recursos, e isso pode nos levar a níveis insuportáveis ou insustentáveis de manutenção da vida social como tivemos até agora.

Daqui três dias ocorrem as eleições presidenciais na Bolívia. O candidato favorito é o índio Evo Morales, líder popular e atual mandatário do país. As notícias que nos chegam é que começam nesse momento os ataques maquinais de fake news para buscarem alterar completamente as prováveis tendências dos sentimentos da população boliviana. Durante um prazo calculado, zilhões de mensagens destruidoras invadem todas as redes sociais de toda a população causando uma total catarse nos sentimentos normais das pessoas. Evo Morales teria contas no exterior com bilhões de dinheiros roubados do Estado. Ele seria estuprador e teria filhos com moças menores de idade. A Bolívia seria destruída pela miséria se ele for eleito. São overdoses ininterruptas de mentiras antes que as pessoas saiam de suas casas para se dirigirem às urnas. Essas ferramentas vêm sendo experimentadas há mais de uma década e o nível de aperfeiçoamento já inviabilizou a democracia representativa como a sociedade ocidental se organizou por mais de um século.

No Brasil, os seres grotescos que invadiram os parlamentos e os executivos, pessoas nunca vistas nos espaços de representação política que organizavam com acertos e erros a nossa jovem democracia, são consequência de processos idênticos ao que citei acima. Os desvios da representação real da sociedade já aconteciam, é verdade, porque de forma irresponsável os meios tradicionais de informação, as mídias comerciais monopolizadas, já deturpam a democracia representativa porque são veículos de comunicação cujos donos são os próprios endinheirados ou porque os veículos são sustentados pelos donos dos recursos que lhes cobram o apoio nos processos eleitorais. Mas a deturpação da representatividade social com os mecanismos de destruição massiva de reputações manuseados por máquinas que chegam a cada eleitor, ininterruptamente, com as mentiras mais absurdas em momentos episódicos como dias anteriores a processos eleitorais matou a democracia. Não há antídoto para o efeito das fake news em processos eleitorais, justamente porque eleições são processos episódicos, que se dão em determinado tempo e acabou-se, já era! Não tem volta!

Que fazer? O cérebro não para de matutar em busca de uma solução para o mundo (que coisa grandiosa, heim?). Depois desse processo de destruição da democracia representativa, perdi até a fé em processos eleitorais nos quais temos direitos e obrigações como cidadãos que pertencemos a determinados grupos sociais como, por exemplo, o local geográfico em que vivemos no mundo e as comunidades corporativas e de afinidades às quais pertencemos. Minha última experiência como dirigente eleito num espaço de representação social foi muito dura. As experiências que citei acima já vinham ganhando escala nos últimos anos quando inventaram processos de destruição de minha história e de minha reputação. Felizmente, só me atingiram na esfera eleitoral, não na esfera cível e trabalhista, pois as mentiras eram infundadas e fizeram parte da má política desenvolvida por adversários políticos, com o uso da máquina burocrática do espaço onde atuei: lawfare. No entanto, as possibilidades de ataques e destruição de adversários avança de forma geométrica como mostram as novidades tecnológicas que estão por vir, principalmente quando se tratam de processos de mentiras com objetivos eleitorais, marcados no tempo e episódicos como disse. As deepfakes terão capacidades infinitamente maiores que as fake news que conhecemos. Os aplicativos e a Inteligência Artificial possibilitarão áudios e vídeos montados com imagem, voz e características das pessoas a serem atingidas. Como viveremos em sociedade assim? Como? Pior: sem órgãos de justiça para recorrer, pois eles estão sendo dominados pelos mesmos grupos que aplicam os processos descritos acima...

Chega de matutar por hoje!

William

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Teoria Literária II - Leitura Analítica, Leitura da Lírica (VI)


Cerejeira uspiana nas proximidades da Letras.

(Atualização em 21/10/19)

Refeição Cultural

Esta postagem se refere a anotações feitas por mim durante as aulas do Professor Ariovaldo Vital, da disciplina de Teoria Literária II, matéria na qual estamos estudando a leitura de poesias ao longo do semestre.

A interpretação dos ensinamentos, consubstanciada nestas anotações, é de minha inteira responsabilidade. Qualquer equívoco conceitual que eu tenha cometido pode ser sanado pelo(a) leitor(a) buscando-se outras fontes para esclarecer a dúvida ou informação conflitante.

Este é um espaço de compartilhamento gratuito de conhecimento, informações e opiniões, dentro do conceito Wiki (What I Know Is).

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Aula de 20/08/19 (Continuação)

Leitura do poema "Encomenda", de Cecília Meireles, poema que pertence à obra Vaga música (1942).

ENCOMENDA

Desejo uma fotografia
como esta - o senhor vê? - como esta:
em que para sempre me ria
com um vestido de eterna festa.

Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria.

Não meta fundos de floresta
nem de arbitrária fantasia...
Não... Neste espaço que ainda resta,
ponha uma cadeira vazia.

Cecília Meireles, Vaga música (1942)

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As leituras de poemas em sala de aula serão de introdução para que os alunos desenvolvam a capacidade da leitura crítica. O Professor terá pouco mais que uma aula por poema, de maneira que caberá ao aluno aprofundar a capacidade de percepção com os textos críticos e estudos pessoais.

O poema em questão traz muito da poética da autora. Ele é rimado e tem 3 estrofes. A tradição clássica pesou na obra poética de Cecília Meireles.

Vemos que o poema é moderno. Ele não seria do século XIX ou anterior. É do nosso tempo. É do período posterior à vanguarda modernista.

Por que ele não seria de outros períodos e séculos anteriores? A matéria que trata é do cotidiano, é corriqueira, é matéria prosaica. É alguém que vai encomendar uma fotografia.

O Professor nos diz que os românticos faziam isso, mas eles já eram modernos.

O prosaico da cena se completa com outro plano prosaico: o plano da linguagem. Temos aqui uma forma clássica numa linguagem e tema prosaicos.

O poema é muito sugestivo, algo característico nos poemas modernos. São versos simples dotados de sugestão; imagens com algo que vai além do prosaico.

Até o Modernismo, as imagens eram mais explícitas nos poemas. Depois das vanguardas e com as novas poéticas, passaram a ser mais sugestivas.

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O Professor cita como exemplo de imagens mais sugestivas o poema de Drummond "Cota Zero" do seu primeiro livro Alguma Poesia (1930).

"COTA ZERO

Stop.
A vida parou
ou foi o automóvel?"

COMENTÁRIO (meu, não do Professor): Ao situarmos esse poema de Drummond com o todo de Alguma Poesia, fica mais fácil compreendermos as temáticas que o poeta aborda na obra, poemas como "A rua diferente", "Poema que aconteceu", "Poema do jornal", "Sinal de apito", dentre outros, nos quais o poeta lida com a chegada do futuro que trouxe tecnologias que colocam em segundo plano os seres humanos, a velocidade das mudanças nas coisas do dia a dia, e a posição de um Eu lírico que não necessariamente exalte de forma positiva essa chegada do futuro como faziam os vanguardistas de sua época como, por exemplo, os futuristas.

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Voltando a Cecília Meireles...

O poema "Encomenda" contém 3 estrofes. E aí? A poetiza teria errado? Sentimos no poema que há algo fragmentado. O Eu lírico parece não ter esgotado o assunto. Ele poderia ter sido mais explícito após a 3ª estrofe.

Temos aqui outra característica interessante da modernidade. Os versos são rigorosos na forma, mas parecem ser parte de um todo que não está explícito ali. Marcas do tempo. Fragmentos. Esses são traços decisivos na poesia moderna.

IMPRESSÕES DOS ALUNOS

Após uma terceira leitura do poema em sala de aula, os alunos falam de suas impressões: temos a ideia de uma ausência, de uma falta ("uma cadeira vazia"). Existe uma certa tensão em relação ao tempo. A fotografia retém o tempo; o eu lírico não consegue reter o tempo. 

Vemos também no Eu lírico uma ambivalência em relação às marcas do tempo. Da mesma forma que o Eu lírico pede que o fotógrafo corrija a "testa sombria" pede também que "derrame luz na minha testa", vemos no Eu lírico o medo do artifício, do falso, e a busca de uma verdade. 

"Deixe a ruga" e "Não meta fundos de floresta/nem de arbitrária fantasia..."

Qual o tom do Eu lírico no poema? É importante tentar captar o sentimento.

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COMENTÁRIO: vou finalizar essa parte da aula e recomeçar depois. Como já disse em alguma postagem dessas sobre aulas, é difícil organizar anotações corridas em uma postagem minimamente coerente e inteligível. Cheguei num ponto das anotações no qual preciso parar para estudar alguns textos críticos para compreender algumas questões sobre figuras de linguagem e outras coisas. Sincero eu, né?

Enfim, a postagem segue depois...

William

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21/10/19, RETOMANDO A POSTAGEM DA AULA

Metáfora ou Metonímia? Quais figuras de linguagem aparecem no poema? O título "Encomenda" é metafórico ou metonímico?

Eu interrompi a postagem para estudar um texto que o professor Ariovaldo produziu para facilitar o nosso entendimento a respeito de algumas figuras de linguagem. Ele nos explica em seu texto Antítese, Oxímoro, Símile, Metáfora, Metonímia e Sinédoque.

O título

No poema de Cecília Meireles, "Encomenda" é um título metonímico, está no contexto do poema. De fato, no plano da linguagem literal temos um poema que aborda a encomenda de uma reprodução de fotografia. É um contexto prosaico e comercial. O Eu lírico vai até um estabelecimento comercial para encomendar uma fotografia e dá algumas instruções de como quer que a encomenda seja feita.

Quando o título é metafórico, o sentido está de forma alegórica, em outro plano da linguagem.

Atenção: o fato do título deste poema de Meireles ser "Encomenda" e não "Fotografia", por exemplo, já é outra coisa. Aqui já seria possível analisar e interpretar através de um estudo dos sentidos do poema.

O título é importante, ele concentra o sentido do todo. É interessante refletir e entender o título ao final da leitura do poema, mais que no início.

1ª estrofe

Desejo uma fotografia
como esta - o senhor vê? - como esta:
em que para sempre me ria
com um vestido de eterna festa.

A palavra "desejo" abre o poema, no 1º verso. Se lembrarmos a relação comercial entre um cliente e um estabelecimento, teremos essa expressão nela: o que a senhora deseja? Desejo...

Na poesia tudo pode ser ambíguo. A palavra atende à camada aparente, mas também a que está em outro plano da linguagem.

O Eu lírico está falando de algo profundo, a encomenda de algo que mexe com a sua subjetividade, o desejo implica dois planos:

- o comercial, de compra e venda de um produto;
- o metafórico, que se refere à interioridade do Eu lírico.

Planos de sentido

2º verso: "como esta - o senhor vê? - como esta"

Os poemas modernos, prosaicos, têm um plano de sentido para além daquele que está explícito na linguagem aparente.

Além da reprodução do cenário da foto em si, vemos aqui o desejo de reprodução de uma condição, de um contexto que está na foto, daquela felicidade que se vê nela.

Os versos vão adentrando no plano subjetivo, mas devemos ficar atentos também ao plano mais objetivo do texto, o comercial.

A foto de modelo passa uma ideia de tempo, foto antiga, meio apagada. No presente, o Eu lírico já não é propriamente jovem, essa seria a ideia. A festa teria sido recentemente? Não parece. Poderia ser uma foto da juventude ou da infância? Talvez.

O poema tem uma construção muito interessante. O plano aparente, o plano comercial, não é interrompido, ele vai até o fim do poema. Ao mesmo tempo, a cada verso, a cada estrofe, o Eu lírico vai apresentando o que quer e o que não quer daquele instante captado na foto e que se vai reproduzir. Vemos aqui a busca do sentimento de alegria e felicidade registrado naquele momento do passado.

O professor nos falou também sobre a sonoridade da 1ª estrofe.

2ª estrofe

Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria.


Em que sentido a 2ª estrofe amplia o sentido da 1ª?

O Eu lírico continua descrevendo ao fotógrafo como quer a fotografia. A condição atual do Eu lírico está presente na cena e não na foto antiga, que servirá de modelo.

TEMPOS VERBAIS: no 3º verso da 1ª estrofe temos o registro de um passado feliz - "em que para sempre me ria". O pretérito imperfeito dá o tom de felicidade continuada. Na 2ª estrofe temos o presente da enunciação. Os verbos são todos do presente, inclusive no imperativo, dando ordem: "derrame"; "deixe".

METONÍMIA: "testa sombria" - estranhamento. Testa está no lugar de outra palavra.

O professor nos explica que o sentido é metonímico quando se substitui um termo abstrato por um termo concreto. "testa sombria" = "olhar sombrio", "alma sombria", "pensamentos sombrios". Seria algo da interioridade do Eu lírico.

Na 2ª estrofe temos uma mudança em relação à 1ª. Nesta, sensação de eterna festa, alegria; naquela, sentimento mais sombrio, meio deprimido, contido.

SONORIDADE: "Comtenho a testa sombria" - "t" e "b" som explosivo, duro. Toda consoante nasal tem algo de fechado, interior: "m", "n", "m". A vogal "i" tônica é muito forte no final do verso, isso dá um contraste interessante.

"derrame luz na minha testa" - escolha verbal estranha. Derramar luz, algo cinestésico. Tem um sentido superior, como um batismo onde se derrama alga simbolizando o Espírito Santo.

Lembrar: quando um poema é prosaico, teremos algo de sentido superior, em outro plano de linguagem.

(segue depois...)

Teoria Literária II - Leitura Analítica, Leitura da Lírica (V)


Cerejeiras na avenida da FFLCH-USP.


Refeição Cultural

Esta postagem se refere a anotações feitas por mim durante as aulas do Professor Ariovaldo Vital, da disciplina de "Teoria Literária II", matéria na qual estamos estudando a leitura de poesias ao longo do semestre.

A interpretação dos ensinamentos, consubstanciada nestas anotações, é de minha inteira responsabilidade. Qualquer equívoco conceitual que eu tenha cometido pode ser sanado pelo(a) leitor(a) buscando-se outras fontes para esclarecer a dúvida ou informação conflitante.

Este é um espaço de compartilhamento gratuito de conhecimento, informações e opiniões, dentro do conceito Wiki (What I Know Is).

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Aula de 20/08/19

Leitura do poema "Encomenda", de Cecília Meireles, poema que pertence à obra Vaga música (1942).

Antes de entrarmos na leitura do poema, o professor continuou as explicações que vinha fazendo na aula anterior a respeito da metodologia de leitura de poemas.

Relembrando: o(a) leitor(a) que pretende interpretar o poema lido para além do prazer da leitura, deve seguir procedimentos e metodologia adequados.

- Comentário
- Análise
- Interpretação

COMENTÁRIO

É um esclarecimento do texto, ele deve ser o mais objetivo possível. É prévio. É o início de tudo após as primeiras leituras de contato com o poema.

Antes de mais nada, devemos ir ao léxico e consultar um dicionário para saber os sentidos das palavras que tenhamos dúvidas ou que não conheçamos.

Referências históricas ou biográficas podem ser importantes na leitura do poema ou mesmo do livro em que o poema está contido.

ANÁLISE

É o momento seguinte ao comentário. É compreender o objeto e suas partes e a função que elas desempenham na estrutura do poema. Momento de detalhar o poema.

"O poema é feito de pequenos nadas" (o Professor nos disse que essa expressão seria de Manuel Bandeira)

Na análise já começa a existir a subjetividade do leitor crítico.

INTERPRETAÇÃO

A interpretação é o que há de mais subjetivo na leitura do poema. Interpretar é dar sentido ao poema.

No entanto, a interpretação não é uma viagem desconectada de tudo. Ela deve se basear na análise e nos comentários relativos ao poema.

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A análise é o momento das partes; a interpretação é o momento do todo. Uma obra pode ter várias leituras, mas a leitura tem que ter unidade.
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O leitor que vai analisar o poema será uma espécie de anatomista do poema.

ANÁLISE-COMENTÁRIO - é um comentário mais ligado à estrutura do verso como, por exemplo, o verso conter "x" sílabas poéticas, com acento tônico em tais e tais sílabas etc.

ANÁLISE-INTERPRETATIVA - já é um passo adiante. É uma leitura concatenando os versos e as estrofes com uma ideia do todo.

Identificar uma rima é uma análise-comentário; ver o sentido da rima é uma análise-interpretativa.

FUNÇÃO POÉTICA DA LINGUAGEM - o Professor cita Roman Jakobson sobre as diferentes funções da linguagem. A função poética tem um eixo da similaridade que se projeta no eixo da contiguidade.

O discurso da poesia é feito de equivalências que formam sequências. Ou seja, o poeta diz várias vezes o que está querendo dizer. Uma palavra, uma imagem, um verso vão se repetindo ao longo do poema. As palavras e imagens vão sendo retomadas.

É um discurso circular.

A leitura de um poema é muito baseada em compreender as suas tensões.

Na próxima postagem vamos entrar na leitura em classe do primeiro poema: "Encomenda", de Cecília Meireles.

William

Teoria Literária II - Leitura Analítica, Leitura da Lírica (IV)


Relva florida na USP. 

(Atualização em 14/10/19)

Refeição Cultural

Esta postagem se refere a anotações feitas por mim durante as aulas do Professor Ariovaldo Vital, da disciplina de "Teoria Literária II", matéria na qual estamos estudando a leitura de poesias ao longo do semestre.

A interpretação dos ensinamentos, consubstanciada nestas anotações, é de minha inteira responsabilidade. Qualquer equívoco conceitual que eu tenha cometido pode ser sanado pelo(a) leitor(a) buscando-se outras fontes para esclarecer a dúvida ou informação conflitante.

Este é um espaço de compartilhamento gratuito de conhecimento, informações e opiniões, dentro do conceito Wiki (What I Know Is).


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Aula de 08/10/19 (Continuação II)

Para ver a primeira parte dessa postagem clique aqui, e para a segunda parte, aqui.

Metro e Rima

Metro e rima são duas questões que caminham juntas nos poemas, uma depende da outra.

O que é metro? É medida.

Por que falamos de metro? Há uma diferença básica entre prosa e verso. Diferentemente da prosa, o verso tem um metro, uma medida que contribui para o ritmo.

A prosa é contínua, não para, vai embora. É um movimento ininterrupto. 

O verso não. Ele é marcado. Ele tem medida, tem um metro. Isso favorece o ritmo.

Não é que a prosa não tenha ritmo, mas ele é menos expressivo por ser menos notado.

Na construção civil, o metro serve para medir espaço. Na poesia, serve para medir o tempo.

Ritmo

O que é ritmo? É o modo como se dá o movimento. 

Ritmo pressupõe movimento. Mas não é o movimento. Entendemos o ritmo em função do movimento.

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O ritmo é uma consciência do movimento.
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Ao dizer "o jogo é eletrizante" estamos qualificando o movimento. O ritmo é uma qualificação do movimento.

Poderíamos dizer que onde não houver ritmo, não há vida, pois não há movimento.

O Professor Antonio Candido diz que o ritmo é vital, é a alma do verso. Um verso sem ritmo é morto.

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VERSOS LIVRES: um poema em versos livres tem que ser bem lido, caso contrário o leitor tira todo o sentido dos versos e do poema.
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Não há movimento que não seja alternado, a não ser que seja um movimento maquinal, mecânico.

Sem alternância, nós não perceberíamos o ritmo. A alternância gera o ritmo do poema.

Tem ritmo em quase tudo: na natureza, nos jogos, na música. A música e a poesia são artes temporais. Pintura, escultura, arquitetura são artes espaciais.

Ao ficar em dúvida sobre esses conceitos acima, achei na internet uma explicação interessante no site Estudante de Filosofia:

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"Classificação das Artes

(...)

(1) Artes espaciais. Incluir-se-iam entre as artes espaciais todas as artes plásticas. Seria proveitoso, neste ponto, distinguir as bidimensionais, como o desenho e a pintura, e as tridimensionais, como a escultura e a arquitetura. Características definidoras dessas artes seriam sua situação espacial, sua atemporalidade - não implicam um desenvolvimento no tempo -, e o fato de que o sentido mais importante para sua apreciação estética é a visão, motivo por que também foram chamadas "artes visuais".

(2) Artes temporais. Seriam temporais todas as artes que implicam um processo no tempo. Costumam distinguir-se as artes sonoras, como a música instrumental - que, além disso, é intermitente, isto é, só existe como tal quando é executada - e as artes verbais, que compreenderiam gêneros literários como a poesia e o romance.

(3) Artes mistas. Consideram-se na área das artes mistas as disciplinas artísticas em que intervêm, combinados, elementos pertencentes aos dois grupos anteriores. O teatro, por exemplo, ainda que seja um gênero literário, inclui a representação espacial; a dança é ao mesmo tempo espacial e temporal; e a ópera compreende, além disso, componentes literários, assim como o cinema." (site Estudante de Filosofia)
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Em nenhuma dessas artes, o ritmo é o mesmo. As linguagens se diferenciam, cada uma delas tem a sua própria linguagem.

PROSÓDIA

O que se alterna no verso para criar o ritmo? As sílabas tônicas em relação às átonas. Vejamos o exemplo abaixo:

"absolutamente" = ab/so/lu/ta/men/te

De início, toda palavra (advérbio) terminada em "mente" tem a sílaba tônica em "men", é uma paroxítona.

ab/so/lu/ta/men/te

Só que ninguém pronuncia uma palavra com 4 sílabas átonas antes da tônica sem intervir de alguma forma na prosódia dela. Nós acabamos por colocar mais acentos tônicos, acentos prosódicos (secundários), para darmos ritmo à pronúncia da palavra.

O segundo acento ou demais acentos pressupõem subjetividade. Nessa palavra, em geral teríamos:

ab/so/lu/ta/men/te (palavra de origem: ab/so/lu/to)

Mas conforme o contexto ou dialeto, o falante coloca um acento tônico até no início da palavra:

ab/so/lu/ta/men/te

Há casos, inclusive, de cacoépia, onde o falante pronuncia de forma não prevista na norma padrão em relação ao acento tônico.

a/bi/so/lu/ta/men/te

É preciso tonicizar as sílabas mesmo onde não há tônicas. Vamos analisar outra palavra:

"jacarandá" = ja/ca/ran/

Onde colocaríamos o segundo acento tônico? Dificilmente seria na sílaba "ran" porque duas sílabas tônicas não ficariam juntas na palavra. 

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IMPORTANTE PARA O RITMO - O ideal de pronúncia de uma palavra da língua portuguesa seria alternância entre sílabas tônicas e átonas. 
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As sílabas tônicas até aparecem juntas em frases e versos, mas o falante tem que resolver isso.

A POESIA é um fato da língua, mas a poesia organiza o ritmo da língua.

Enfim, quando houver 2 átonas, dá pra aceitar; 3 átonas, deve-se criar acentos secundários; 4 átonas, jamais.

Um exemplo de tônicas e a solução de acentos secundários em um verso de Augusto dos Anjos. Segundo o professor, o poeta era muito respeitado pelos modernistas.

"misericordiosíssimo carneiro"

mi/se/ri/cor/dio//ssi/mo/ car/nei/ro (11) = 10
 1 / 2/ 3/ 4/  5/  6/  7/  8/   9/   10

É um verso chamado de decassílabo heroico, com 10 sílabas poéticas e tônicas na 6ª e 10ª sílabas.

Como fica a questão de haver 5 sílabas átonas anteriores à sílaba "sí"? Não dá, né!

Temos que colocar acentos secundários. Vamos colocá-los entre parênteses. 

Etimologia da palavra = misericórdia

2ª etimologia da palavra = miria

Então, teríamos:

mi/se/ri/cor/dio//ssi/mo/ car/nei/ro
     (2)      (4)         6         (8)          10

AGORA SIM, demos ritmo à pronúncia das palavras e ao verso ao colocarmos os acentos secundários. Essa é a forma como preparamos uma leitura adequada de um verso e de poemas.

E assim terminamos a postagem da aula sobre metro e ritmo.

William

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Na próxima aula, vamos começar a leitura de poemas em sala. Vamos ler "Encomenda", de Cecília Meireles, de Vaga música (1942). Acesso aqui.