sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Teoria Literária II - Leitura Analítica, Leitura da Lírica (VII)



A rosa do povo (1945), Drummond.
(Atualizado em 20/10/19)

Refeição Cultural

Uma das disciplinas que estou cursando neste semestre na graduação em Letras na Universidade de São Paulo é Teoria Literária II. O programa da disciplina ensinada a nós pelo professor Ariovaldo Vidal tem por objetivo central "o exercício da leitura detalhada do poema, vendo o rigor da forma literária em alguns nomes da poesia brasileira moderna". Estamos estudando Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto e Cecília Meireles.

Para mim, cada aula sobre poesia é uma descoberta, mesmo já tendo este aluno que vos fala ultrapassado a metade de sua vida de estudos e busca de conhecimentos. Este blog não tem pretensões grandiloquentes de querer ditar normas ou regras de nada. É só lembrarmos que o objetivo dele é compartilhar reflexões literárias e filosóficas, e também aquilo que aprendo nas aulas que frequento. Não sou nenhum "caga-regras". Reafirmo essa condição aqui.

Os alunos terão que escolher um dos poemas sugeridos pelo professor para fazerem o trabalho de conclusão da disciplina. Eu escolhi o poema "Desfile" de Carlos Drummond de Andrade, contido no livro A rosa do povo, de 1945. Das sugestões dadas, escolhi o poeta ao qual tenho mais afinidade, mesmo sabendo que Drummond é um poeta que exige um bom conhecimento de seus leitores críticos.

Já ganhei muito em estar cursando a disciplina de Teoria Literária II cuja temática escolhida pelo professor foi "Leitura Analítica, Leitura da Lírica", assim como ganhei em estar cursando as outras disciplinas de línguas e literaturas que estou fazendo nesta volta à graduação em Letras para completar algumas matérias do bacharelado em Português e Espanhol. Quero aprender algo novo até completar minha outra metade da existência, que pode ser de um instante, como é a própria vida, um sopro, um suspiro.

Vou ficar nos próximos dias lendo o poema "Desfile", buscando compreendê-lo, analisando questões interessantes contidas nele, ficar refletindo sobre o poeta que tanto admiro e sobre o livro A rosa do povo, que me toca profundamente, pois é um livro tenso, dramático, característico de seu tempo, 1945. Independentemente de agradar ou não a análise final que farei para o nosso professor, cada volta ao poema será um ganho do leitor, deste leitor ao menos, e isso basta para mim.

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DESFILE

O rosto no travesseiro,
escuto o tempo fluindo
no mais completo silêncio.
Como remédio entornado
em camisa de doente;
como dedo na penugem
de braço de namorada;
como vento no cabelo,
fluindo: fiquei mais moço.
Já não tenho cicatriz.
Vejo-me noutra cidade.
Sem mar nem derivativo,
o corpo era bem pequeno
para tanta insubmissão.
E tento fazer poesia,
queimar casas, me esbaldar,
nada resolve: mas tudo
se resolveu em dez anos
(memórias do smoking preto).
O tempo fluindo: passos
de borracha no tapete,
lamber de língua de cão
na face: o tempo fluindo.
Tão frágil me sinto agora.
A montanha do colégio.
Colunas de ar fugiam
das bocas, na cerração.
Estou perdido na névoa,
na ausência, no ardor contido.
O mundo me chega em cartas.
A guerra, a gripe espanhola,
descoberta do dinheiro,
primeira calça comprida,
sulco de prata de Halley,
despenhadeiro da infância.
Mais longe, mais baixo, vejo
uma estátua de menino
ou um menino afogado.
Mais nada: o tempo fluiu.
No quarto em forma de túnel
a luz veio sub-reptícia.
Passo a mão na minha barba.
Cresceu. Tenho cicatriz.
E tenho mãos experientes.
Tenho calças experientes.
Tenho sinais combinados.
Se eu morrer, morre comigo
um certo modo de ver.
Tudo foi prêmio do tempo
e no tempo se converte.
Pressinto que ele ainda flui.
Como sangue; talvez água
de rio sem correnteza.
Como planta que se alonga
enquanto estamos dormindo.
Vinte anos ou pouco mais,
tudo estará terminado.
O tempo fluiu sem dor.
O rosto no travesseiro,
fecho os olhos, para ensaio.


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Gente, que poema maravilhoso! Confesso que já sinto por ele uma simpatia imensa. O Eu lírico nos convida a ver seu "Desfile", mais que isso, nos instiga a assistir a outros desfiles, o desfile do nosso Eu, por exemplo, quando vai do presente ao passado e volta para cá.

Relação produtiva teremos esse poema e eu nos próximos dias.

William, um leitor.


Bibliografia:

ANDRADE, Carlos Drummond. A rosa do povo. Rio de Janeiro: Record, 1998.

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CONTINUAÇÃO DA LEITURA

O professor nos ensina que a metodologia de leitura de um poema é composta de três etapas: comentário, análise e interpretação.

Na etapa de comentários, verificamos o léxico, buscamos informações que situem melhor o contexto do poema, obra, autor, história, dentre outros fatores que se fizerem interessantes para melhor análise e interpretação do poema.

No meu entendimento, porque por mais objetivos que devam ser os comentários, uma ótica subjetiva haverá: a ótica do próprio leitor do poema. Enfim, no meu entendimento, dados biográficos do autor vão ser importantes na interpretação desse poema.

COMENTÁRIOS RELEVANTES PARA A ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DO POEMA

Algumas informações serão relevantes para complementarem a leitura que pretendo fazer do poema, leitura baseada na materialidade do poema; informações que podem fortalecer os argumentos utilizados na hora da construção das hipóteses propostas na leitura.

DADOS BIOGRÁFICOS DO AUTOR, C. D. A.

Drummond estava com 43 anos quando publicou A rosa do povo, seu 5º livro de poesia. Antes, havia publicado Alguma poesia (1930), Brejo das almas (1934), Sentimento do mundo (1940) e Poesias, contendo o poema "José" (1942). Já li várias vezes os três primeiros livros e gosto muito deles.

Dados sobre infância e adolescência do autor podem nos interessar na interpretação do poema em análise. Drummond nasceu em 1902 em Itabira do Mato Dentro (MG). Aos 13 anos, trabalhou alguns meses como caixeiro na casa comercial de Randolfo Martins da Costa. Na "Cronologia de vida e Obra", contida na edição que tenho da Editora Record, uma informação chama a minha atenção ao dizer que a casa comercial "em retribuição a seus serviços, lhe oferece um corte de casimira".

A transição entre fases da vida parece marco importante na vida do Eu lírico, vemos um traço disso no verso 33: "primeira calça comprida".

Aos 14 anos, Drummond vira aluno interno do Colégio Arnaldo, da Congregação do Verbo Divino, em Belo Horizonte. Ele interrompe os estudos por problemas de saúde.

Aos 16 anos, ele está novamente enclausurado no Colégio Anchieta, da Companhia de Jesus, em Nova Friburgo (RJ). O jovem poeta parece ter uma natureza indômita, nada dócil, pois ao fim do ano letivo de 1919 (17 anos) é expulso do colégio "em consequência de incidente com o professor de Português".

No poema, o Eu lírico vai dizer nos versos 13 e 14: "o corpo era bem pequeno/para tanta insubmissão".

Drummond muda-se para a cidade do Rio de Janeiro, então capital da República, em 1934, como chefe de gabinete de Gustavo Capanema, novo ministro da Educação e Saúde Pública. Já era casado, já tinha perdido um filho, que viveu alguns instantes ao nascer, e tinha uma filha, Maria Julieta, nascida em 1928.

Finalizando esta parte do comentário sobre seus dados biográficos até a publicação de A rosa do povo, temos o poeta e escritor residindo na capital federal, a cidade do Rio; já era um poeta reconhecido aos 43 anos de idade; após publicar por conta própria seus primeiros livros, teve o livro Poesias, custeado e editado pela Editora José Olympio, em 1942.

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(seguimos depois...)

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