quarta-feira, 9 de outubro de 2019

091019 - Diário e reflexões (Fluxo de pensamento)



Meu fígado, num momento
de extremo estresse...

Refeição Cultural

E o tempo passa. Passa a cada segundo. E não volta mais. O coração batendo do jeito que pode. Não sabemos se as artérias e veias estão nos seus perfeitos estados de dutos que transportam as matérias necessárias a nossa vida a todos os pontos do corpo que alimentam: células das mais diversas funções. Ter estudado por quase dois anos as matérias teóricas e práticas das áreas biológicas de um curso de graduação de Educação Física foi algo revelador a respeito da natureza humana para este ser animal que reflete neste instante. Muito do que sou foi forjado naquele período de experiência prática da vivência diária. Quando as aulas começaram, eu não me lembrava de absolutamente nada dos velhos estudos de ciências do colegial. Já estava com vinte e sete anos e trabalhava como bancário. Havia me formado em Ciências Contábeis. Ao ouvir uma aula sobre célula fiquei perdido. Mas o ser humano é capaz de fazeres espetaculares. Qualquer ser humano. Eu busquei em casa um livro antigo daqueles de biologia para o 2º grau e li as centenas de páginas como se fosse um livro de ficção científica, um romance literário. Em poucos dias, eu já estava acompanhando as aulas no mesmo nível ou melhor um pouco em relação aos meus colegas de classe, a maioria na faixa etária dos vinte anos. Mitocôndrias, núcleo da célula, ribossomos, lisossomos e elementos do tipo já não eram bichos estranhos para mim. Depois fui conhecer o corpo humano, aprender de verdade sobre a vida de um ser animal humano. Foi algo modificador do que eu era até aquele instante. Eu me lembro da primeira vez que entramos no laboratório de anatomia. O professor fez um discurso inicial para nós, e havia um cadáver em cima de uma mesa. Estava coberto com um plástico e não dava para vê-lo. O professor nos disse que teríamos que ter muito respeito pelo corpo que ali estava. Aquele corpo havia sido uma pessoa que viveu como qualquer um de nós e que era necessário muito respeito ao estudarmos nele para conhecer o corpo humano. O professor retirou o plástico e nos deixou à vontade durante aquela primeira aula prática para tocarmos o corpo, para nos acostumarmos com aquele ambiente onde passaríamos o ano estudando anatomia humana. Quando eu olho para trás, acho que aqueles momentos foram marcantes para mim em relação a me modificar como ser humano. Eu não fazia parte ainda do movimento sindical de forma orgânica e nas aulas de Educação Física comecei a me humanizar mais que antes daquela experiência. Eu era muito duro, muito rude, como a vida havia me feito. Quanto tempo! Já se passaram mais de duas décadas. Diversas mudanças de rotas fizeram parte da minha jornada. Diversas mudanças de rotas fizeram parte da jornada do Brasil e dos brasileiros. Diversas mudanças de rotas estão a caminho de minha vida e da vida do país e do povo deste país. E isso tudo não é nada para a grandeza do planeta que habitamos, para a grandeza do tempo, para a grandeza do Universo. Tudo isso é um nada. Mas eu estou aqui. Ainda estou aqui. O sangue circula nas minhas artérias e veias. É provável que esteja mais espesso. Não sei como andam minhas células, o número de mitocôndrias nelas. Meu coração bate umas sessenta e cinco vezes por minuto. A gente diz que o coração está triste, mas na verdade esse sentimento vem de outros órgãos. Mas também é verdade que esse e outros sentimentos afetam o bater do coração e as condições das artérias e veias que transportam os materiais necessários ao funcionamento do corpo que nos mantém como seres vivos. Essa reflexão foi um pouco parecida com o fluxo de pensamento que alguns escritores diferenciados produzem com seus personagens em obras fantásticas de ficção. James Joyce fez isso em Ulisses (1922), quando Molly Bloom, a esposa de Leopold Bloom, colocou-se a pensar por quase cinquenta páginas em algo nunca visto numa obra literária. Agora estou lendo o mesmo procedimento noutra obra de um autor também diferenciado, Roberto Bolaño. Lá se vão mais de cinquenta páginas de fluxo de pensamento de um personagem na obra Nocturno de Chile (2000). Sebastián Urrutia Lacroix está refletindo sem parar, buscando lembranças e explicações nos cantos da memória ("rebuscaré en el rincón de los recuerdos aquellos actos que me justifican..."). Enfim, o sangue circula, ainda que mais espesso, circula porque o coração bate, ainda que mais triste. Estou vivo! E aprendendo ainda... quiçá buscando justificativas nos rincões da memória...

William

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