segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Teoria Literária II - Leitura Analítica, Leitura da Lírica (VI)


Cerejeira uspiana nas proximidades da Letras.

(Atualização em 21/10/19)

Refeição Cultural

Esta postagem se refere a anotações feitas por mim durante as aulas do Professor Ariovaldo Vital, da disciplina de Teoria Literária II, matéria na qual estamos estudando a leitura de poesias ao longo do semestre.

A interpretação dos ensinamentos, consubstanciada nestas anotações, é de minha inteira responsabilidade. Qualquer equívoco conceitual que eu tenha cometido pode ser sanado pelo(a) leitor(a) buscando-se outras fontes para esclarecer a dúvida ou informação conflitante.

Este é um espaço de compartilhamento gratuito de conhecimento, informações e opiniões, dentro do conceito Wiki (What I Know Is).

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Aula de 20/08/19 (Continuação)

Leitura do poema "Encomenda", de Cecília Meireles, poema que pertence à obra Vaga música (1942).

ENCOMENDA

Desejo uma fotografia
como esta - o senhor vê? - como esta:
em que para sempre me ria
com um vestido de eterna festa.

Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria.

Não meta fundos de floresta
nem de arbitrária fantasia...
Não... Neste espaço que ainda resta,
ponha uma cadeira vazia.

Cecília Meireles, Vaga música (1942)

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As leituras de poemas em sala de aula serão de introdução para que os alunos desenvolvam a capacidade da leitura crítica. O Professor terá pouco mais que uma aula por poema, de maneira que caberá ao aluno aprofundar a capacidade de percepção com os textos críticos e estudos pessoais.

O poema em questão traz muito da poética da autora. Ele é rimado e tem 3 estrofes. A tradição clássica pesou na obra poética de Cecília Meireles.

Vemos que o poema é moderno. Ele não seria do século XIX ou anterior. É do nosso tempo. É do período posterior à vanguarda modernista.

Por que ele não seria de outros períodos e séculos anteriores? A matéria que trata é do cotidiano, é corriqueira, é matéria prosaica. É alguém que vai encomendar uma fotografia.

O Professor nos diz que os românticos faziam isso, mas eles já eram modernos.

O prosaico da cena se completa com outro plano prosaico: o plano da linguagem. Temos aqui uma forma clássica numa linguagem e tema prosaicos.

O poema é muito sugestivo, algo característico nos poemas modernos. São versos simples dotados de sugestão; imagens com algo que vai além do prosaico.

Até o Modernismo, as imagens eram mais explícitas nos poemas. Depois das vanguardas e com as novas poéticas, passaram a ser mais sugestivas.

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O Professor cita como exemplo de imagens mais sugestivas o poema de Drummond "Cota Zero" do seu primeiro livro Alguma Poesia (1930).

"COTA ZERO

Stop.
A vida parou
ou foi o automóvel?"

COMENTÁRIO (meu, não do Professor): Ao situarmos esse poema de Drummond com o todo de Alguma Poesia, fica mais fácil compreendermos as temáticas que o poeta aborda na obra, poemas como "A rua diferente", "Poema que aconteceu", "Poema do jornal", "Sinal de apito", dentre outros, nos quais o poeta lida com a chegada do futuro que trouxe tecnologias que colocam em segundo plano os seres humanos, a velocidade das mudanças nas coisas do dia a dia, e a posição de um Eu lírico que não necessariamente exalte de forma positiva essa chegada do futuro como faziam os vanguardistas de sua época como, por exemplo, os futuristas.

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Voltando a Cecília Meireles...

O poema "Encomenda" contém 3 estrofes. E aí? A poetiza teria errado? Sentimos no poema que há algo fragmentado. O Eu lírico parece não ter esgotado o assunto. Ele poderia ter sido mais explícito após a 3ª estrofe.

Temos aqui outra característica interessante da modernidade. Os versos são rigorosos na forma, mas parecem ser parte de um todo que não está explícito ali. Marcas do tempo. Fragmentos. Esses são traços decisivos na poesia moderna.

IMPRESSÕES DOS ALUNOS

Após uma terceira leitura do poema em sala de aula, os alunos falam de suas impressões: temos a ideia de uma ausência, de uma falta ("uma cadeira vazia"). Existe uma certa tensão em relação ao tempo. A fotografia retém o tempo; o eu lírico não consegue reter o tempo. 

Vemos também no Eu lírico uma ambivalência em relação às marcas do tempo. Da mesma forma que o Eu lírico pede que o fotógrafo corrija a "testa sombria" pede também que "derrame luz na minha testa", vemos no Eu lírico o medo do artifício, do falso, e a busca de uma verdade. 

"Deixe a ruga" e "Não meta fundos de floresta/nem de arbitrária fantasia..."

Qual o tom do Eu lírico no poema? É importante tentar captar o sentimento.

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COMENTÁRIO: vou finalizar essa parte da aula e recomeçar depois. Como já disse em alguma postagem dessas sobre aulas, é difícil organizar anotações corridas em uma postagem minimamente coerente e inteligível. Cheguei num ponto das anotações no qual preciso parar para estudar alguns textos críticos para compreender algumas questões sobre figuras de linguagem e outras coisas. Sincero eu, né?

Enfim, a postagem segue depois...

William

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21/10/19, RETOMANDO A POSTAGEM DA AULA

Metáfora ou Metonímia? Quais figuras de linguagem aparecem no poema? O título "Encomenda" é metafórico ou metonímico?

Eu interrompi a postagem para estudar um texto que o professor Ariovaldo produziu para facilitar o nosso entendimento a respeito de algumas figuras de linguagem. Ele nos explica em seu texto Antítese, Oxímoro, Símile, Metáfora, Metonímia e Sinédoque.

O título

No poema de Cecília Meireles, "Encomenda" é um título metonímico, está no contexto do poema. De fato, no plano da linguagem literal temos um poema que aborda a encomenda de uma reprodução de fotografia. É um contexto prosaico e comercial. O Eu lírico vai até um estabelecimento comercial para encomendar uma fotografia e dá algumas instruções de como quer que a encomenda seja feita.

Quando o título é metafórico, o sentido está de forma alegórica, em outro plano da linguagem.

Atenção: o fato do título deste poema de Meireles ser "Encomenda" e não "Fotografia", por exemplo, já é outra coisa. Aqui já seria possível analisar e interpretar através de um estudo dos sentidos do poema.

O título é importante, ele concentra o sentido do todo. É interessante refletir e entender o título ao final da leitura do poema, mais que no início.

1ª estrofe

Desejo uma fotografia
como esta - o senhor vê? - como esta:
em que para sempre me ria
com um vestido de eterna festa.

A palavra "desejo" abre o poema, no 1º verso. Se lembrarmos a relação comercial entre um cliente e um estabelecimento, teremos essa expressão nela: o que a senhora deseja? Desejo...

Na poesia tudo pode ser ambíguo. A palavra atende à camada aparente, mas também a que está em outro plano da linguagem.

O Eu lírico está falando de algo profundo, a encomenda de algo que mexe com a sua subjetividade, o desejo implica dois planos:

- o comercial, de compra e venda de um produto;
- o metafórico, que se refere à interioridade do Eu lírico.

Planos de sentido

2º verso: "como esta - o senhor vê? - como esta"

Os poemas modernos, prosaicos, têm um plano de sentido para além daquele que está explícito na linguagem aparente.

Além da reprodução do cenário da foto em si, vemos aqui o desejo de reprodução de uma condição, de um contexto que está na foto, daquela felicidade que se vê nela.

Os versos vão adentrando no plano subjetivo, mas devemos ficar atentos também ao plano mais objetivo do texto, o comercial.

A foto de modelo passa uma ideia de tempo, foto antiga, meio apagada. No presente, o Eu lírico já não é propriamente jovem, essa seria a ideia. A festa teria sido recentemente? Não parece. Poderia ser uma foto da juventude ou da infância? Talvez.

O poema tem uma construção muito interessante. O plano aparente, o plano comercial, não é interrompido, ele vai até o fim do poema. Ao mesmo tempo, a cada verso, a cada estrofe, o Eu lírico vai apresentando o que quer e o que não quer daquele instante captado na foto e que se vai reproduzir. Vemos aqui a busca do sentimento de alegria e felicidade registrado naquele momento do passado.

O professor nos falou também sobre a sonoridade da 1ª estrofe.

2ª estrofe

Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria.


Em que sentido a 2ª estrofe amplia o sentido da 1ª?

O Eu lírico continua descrevendo ao fotógrafo como quer a fotografia. A condição atual do Eu lírico está presente na cena e não na foto antiga, que servirá de modelo.

TEMPOS VERBAIS: no 3º verso da 1ª estrofe temos o registro de um passado feliz - "em que para sempre me ria". O pretérito imperfeito dá o tom de felicidade continuada. Na 2ª estrofe temos o presente da enunciação. Os verbos são todos do presente, inclusive no imperativo, dando ordem: "derrame"; "deixe".

METONÍMIA: "testa sombria" - estranhamento. Testa está no lugar de outra palavra.

O professor nos explica que o sentido é metonímico quando se substitui um termo abstrato por um termo concreto. "testa sombria" = "olhar sombrio", "alma sombria", "pensamentos sombrios". Seria algo da interioridade do Eu lírico.

Na 2ª estrofe temos uma mudança em relação à 1ª. Nesta, sensação de eterna festa, alegria; naquela, sentimento mais sombrio, meio deprimido, contido.

SONORIDADE: "Comtenho a testa sombria" - "t" e "b" som explosivo, duro. Toda consoante nasal tem algo de fechado, interior: "m", "n", "m". A vogal "i" tônica é muito forte no final do verso, isso dá um contraste interessante.

"derrame luz na minha testa" - escolha verbal estranha. Derramar luz, algo cinestésico. Tem um sentido superior, como um batismo onde se derrama alga simbolizando o Espírito Santo.

Lembrar: quando um poema é prosaico, teremos algo de sentido superior, em outro plano de linguagem.

(segue depois...)

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