Refeição Cultural
Terminei o capítulo 15 de Ulysses arrepiado. Foi esquisito porque estava esgotado pela leitura de 200 páginas feita em dois dias; bunda quadrada por ficar horas sentado envolvido com as alucinações joyceanas.
A técnica do capítulo foi a "Alucinação", segundo Joyce. E realmente foi foda transitar pelas alucinações do capítulo, que se passa em um prostíbulo, já na madrugada de 17 de junho, pós meia-noite na Dublin de 1904.
A cena que me arrepiei foi a cena da alucinação de Bloom, que viu seu filho morto (morreu aos 11 dias de vida) e que estaria com 11 anos de idade naquele dia. Bloom está na rua, ao lado de Stephen Dedalus, bêbado, meio desacordado no chão após levar um murro na cara por discutir com um policial que também estava se divertindo no prostíbulo.
"BLOOM
(Comunga com a noite) O rosto me lembra o da coitada da mãe...
(silente, pensativo, alerta monta guarda, dedos nos lábios na atitude do mestre secreto. Contra a parede escura uma figura surge lenta, um menino encantado de onze anos, um bebê trocado, raptado, vestindo um terno de Eton com sapatos de cristal e um pequeno elmo de bronze, segurando um livro. Ele lê da direta para a esquerda, inaudivelmente, sorrindo, beijando a página)
BLOOM
(maravilhado, chama inaudivelmente) Rudy!" (p. 863)
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O CAPÍTULO 15 - ALGUNS MOMENTOS
O capítulo mescla uma miscelânea incrível de coisas. Apesar de ler pela segunda vez, e ter um aproveitamento muito melhor desta vez, diria que é impossível ler as duas centenas de páginas sem se pegar... como diria... da mesma forma que os personagens, alucinado, perdido, sem saber o que está acontecendo... sei lá o que mais eles consumiram além de Absinto, mas tudo é doido, dos personagens no prostíbulo se vai para personagens imaginários e deles para as falas e cenas dessas coisas imaginárias, coisas falam, intervêm nas cenas. A gente vai junto... mesmo sem saber o que é e o que não é... creio que alucinação deve ser assim mesmo.
Vejam alguns exemplos de momentos do capítulo. A parte com letras maiúsculas é a personagem que fala ou pensa, na escrita sem itálico. A parte em itálico é a descrição da cena ou da situação. Como são grandes alguns textos, coloco (...) pra dizer que só citei um pedaço do texto e deixei pra trás um trecho. Só reticências no fim é sinal que o texto continua.
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"SENHORA BREEN
(Ansiosamente) Sim, sim, sim, sim, sim, sim, sim.
(Ela some ao lado dele. Seguido pelo cão choramingas ele caminha na direção das portas do inferno. Em uma arcada uma mulher de pé, dobrada para a frente, pés separados, mija vacalmente..." (p. 688)
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Bloom resolve seguir Stephen noite afora, pois aparenta alguma preocupação com ele. Eles já saíram da taverna meio bêbados.
"BLOOM
(...) O segundo drinque é que deixa assim. Um já basta. Pra que é que eu estou seguindo ele? Ainda assim ele é o melhor daquela turma..." (p. 690)
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Como eu disse, até as coisas e os animais se manifestam no capítulo.
"BLOOM
(Gagueja) Eu estou fazendo o bem pros outros.
(Uma revoada de gaivotas, trintarréis, eleva-se faminta do lodo do Liffey com bolos nos bicos.)
AS GAIVOTAS
Qá qé qais qolo." (p. 692)
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Agora o defunto enterrado pela manhã se manifesta:
"PADDY DIGNAM
(Com franqueza) Outrora estive empregado junto ao senhor J. H. Menton, advogado, comissionado para juramentos e declarações juramentadas, de 27 Bachelor's Walk. Agora estou defunto, hipertrofiada a parede do coração. Maus bocados. A coitada da patroa sofreu horrores. Como é que ela está aguentando? Não deixem ela ficar muito amiga daquela garrafa de xerez..." (p. 715)
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Joyce não economizou na linguagem chula. Imaginem na época da publicação!
"BLOOM
(Pondo a mão direita nos testículos, jura) Que consoantemente trate-me o criador. Tudo isso prometo fazer." (p. 714)
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Neste capítulo, vemos a expressão "homem feminil" que Kiberd atribui ao herói grego Odisseu (Ulisses), no ensaio introdutório da edição que estou lendo.
"DOUTOR DIXON
(Lê um atestado de saúde) O professor Bloom é um exemplo acabado do novo homem feminil. Sua natureza moral é simples e cativante. Muitos descobriram ser um homem querido, uma pessoa querida. Trata-se de um camarada bem esquisito no todo, retraído ainda que não fraco mentalmente no sentido médico..." (p. 737)
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Circe é o nome do capítulo. Stephen cita Circe num texto complexo e quase incompreensível (para mim). Na Odisseia de Homero, Ulisses e sua tripulação desembarcam na ilha onde vive Circe. Ela é uma feiticeira e transforma a tripulação em porcos. Após Ulisses derrotá-la com suas artimanhas, ela devolve a tripulação do herói e lhe dá instruções para eles atravessarem a ilha das sereias.
"STEPHEN
(...) Ela aceita nodos e modos tão divergentes quanto sacerdotes circundando o altar de Davi ou seja Circe ou onde é que eu estou com a cabeça altar de Ceres e a dica preciosa de Davi para seu fagotista principal sobre sua todopoderosidade..." (p. 748)
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Joyce parafraseando o personagem Hamlet, de Shakespeare, que na tragédia diz "Fragilidade, teu nome é mulher" ao observar sua mãe e seu tio. (Citei de lembrança)
"BLOOM
(...) Deveras, que sempre assim foi. Fragilidade, teu nome é casamento." (p. 796)
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E pra fechar, mais umas obscenidades do capítulo:
"O REVERENDO SENHOR HAINES LOVE
(Ergue bem alto por trás a anágua do celebrante, revelando suas nádegas peludas grisalhas e nuas entre as quais está enfiada uma cenoura) Meu corpo." (p. 853)
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COMENTÁRIO FINAL
Terminei a parte II do livro. Faltam agora 3 capítulos para terminar a epopeia de um dia comum na vida do cidadão comum Leopold Bloom pela Dublin de 1904.
Esse capítulo foi bem difícil. Mas consegui superá-lo. De certa forma, os últimos capítulos foram mais complexos que os anteriores. Faz parte. A postagem da leitura do capítulo 14 pode ser lida clicando aqui.
É isso. Seguimos lendo, exercitando o cérebro e buscando novos conhecimentos e novas culturas.
William
Bibliografia:
JOYCE, James. Ulysses. Tradução de Caetano W. Galindo. 1ª ed. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2012.
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