Refeição Cultural
"Mas o desconhecido teve um assomo de raiva, que meteu medo ao pacato clérigo. Que podiam fazer ele e o preto, ambos velhos, contra qualquer agressão de um homem forte e louco? Enquanto esperava o auxílio policial, monsenhor Caldas desfazia-se em sorrisos e assentimentos de cabeça, espantava-se com ele, alegrava-se com ele, política útil com os loucos, as mulheres e os potentados." (p. 273)
Na sexta-feira à noite e início da madrugada, fiquei ouvindo músicas antigas e lendo a revista Carta Capital, cada notícia mais desanimadora que a outra. Ler enfileiradas as notícias de destruição do país é algo difícil de descrever. A última que li antes de dormir foi a matéria sobre a privatização dos Correios. Um escárnio, um crime de lesa-pátria, uma tortura a cada pessoa que não seja ignorante, canalha ou interessada no roubo.
No sábado pela manhã, peguei o livro organizado por John Gledson com os 50 contos de Machado de Assis e li o conto "A segunda vida", publicado primeiro na Gazeta Literária e depois no livro Histórias sem data, em 1884. A narrativa é muito doida e é sobre um doido (rsrs), como ficamos sabendo nas primeiras linhas do texto. José Maria diz ter morrido e reencarnado e está com o monsenhor Caldas naquele momento porque quer contar a ele algo que teria feito no dia anterior.
Esse conto eu não conhecia ainda. É uma narrativa envolvente e que prende a atenção do leitor.
Depois fui ler um pouco sobre Machado, no próprio livro porque John Gledson faz uma introdução sobre o autor e os contos escolhidos por ele. Gledson nos explica um pouco a questão da ironia nos textos de Machado de Assis. Teria sido entre os anos finais de 1870 e as publicações dos anos 1880 que nosso escritor maior desenvolveria sua predileção pela ironia, algo muito refinado em sua técnica literária.
Machado de Assis é um brasileiro. Um brasileiro que viveu no século XIX, o século do Segundo Reinado (D. Pedro II). Século do primeiro de uma série de golpes de Estado perpetrados pelos militares em conluio com a casa-grande (1889 e outros até o de 2016). Machado é um escritor mestiço, neto de escravos alforriados por parte de pai.
"jovem mestiço, de origem pobre, criado sob a proteção de uma família aristocrática dos subúrbios do Rio (...) Casara-se com uma moça acima de sua classe, uma mulher branca e portuguesa, Carolina Xavier de Novaes..." (Gledson, Introdução, p. 8 e 9)
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COMENTÁRIO
O Brasil não é para amadores! Esse é o ditado popular. O mestiço Machado de Assis conseguiu ser escritor no século cuja lei era a escravidão, sendo ele um negro ou mulato livre e casado com uma branca estrangeira, protegido por um escritor escravagista famoso, José de Alencar. "Tão Brasil!" diriam os poetas do Modernismo.
O Brasil é o país onde pessoas negras ou mestiças votam em racistas, onde mulheres votam em machistas e misóginos, onde líderes de igrejas pregam violência, armas e morte aos diferentes, onde servidores públicos votam em privatistas. "Tão Brasil!".
Nós somos isso tudo que está aí, essas coisas somos nós, brasileiros e brasileiras.
William
Bibliografia:
ASSIS, Machado de. 50 contos de Machado de Assis. Seleção, introdução e notas John Gledson. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 14ª reimpressão, 2015.
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