Refeição Cultural
"- Um lobo em pele de cordeiro, o cidadão falou. Isso é que ele é. Virag da Hungria! Ahas Verus é o meu nome pra ele. Amaldiçoado por Deus." (p. 541)
Lido mais um capítulo de Ulysses, de James Joyce. Capítulo longo, umas 70 páginas. Os acontecimentos se passam no final da tarde de 16 de junho de 1904, por volta de 17 horas. Diversos personagens estão reunidos na taverna, entre eles Leopold Bloom. Todos bebem, menos Bloom, que aceita um charuto no lugar da bebida.
Em linhas gerais, resumiria o capítulo assim: os caras estão bebendo e falando um monte de porcarias sobre várias coisas. Há uma predominância no final a falar mal de judeus e a falar mal de Bloom, que é judeu. Falam mal dele principalmente quando ele dá uma saída rápida da taverna. Eles acham que ele foi apostar numa corrida de cavalo, à escondida, para não dividir o prêmio com ninguém.
PRECONCEITO A JUDEUS
"Aí eles começaram a falar da pena capital e é claro que o Bloom me aparece com o por quê e o pra quê e toda a peixemortice do negócio todo e o cachorro velho cheirando a perna dele o tempo todo dizem que esses judeuzinhos têm lá um tipo de cheiro estranho pros cachorros que sai deles sobre sei lá qual efeito inibitório e por aí vai." (p. 495)
Leopold Bloom é considerado pelos demais um metido a besta, "Senhor sabetudo" (p. 509). Ele começa a explicar o que acontece quando alguém é enforcado, a questão do pênis duro etc.
CERVEJA, A PRAGA DA IRLANDA
Joyce aproveita para tecer suas críticas a respeito dos costumes irlandeses. A cerveja, por exemplo, é chamada de "a praga da Irlanda" num certo momento do capítulo (p. 504).
A DOS "SEIOS GENEROSOS"
Outro tema que não escapa aos personagens bebendo na taverna é a esposa de Bloom, Molly. Assim como já vimos nos capítulos anteriores, as falas pelas costas dele são as piores possíveis. Um exemplo do que pensam dela, seja falando, seja em fluxo de consciência dos personagens: "Casta esposa de Leopold é ela: Marion dos seios generosos." (p. 516)
BLOOM, O SÁBIO
"- Tem gente, o Bloom falou, que repara no cisco no olho dos outros mas não consegue ver a trave que está no seu próprio olho." (p. 524)
O PAI NOSSO DOS MARINHEIROS BRITÂNICOS AÇOITADOS
"Creem em Dê os Paus, todolaceroso, criador do inferno na terra e em Marujo Tristo, esse filho da luta, que foi concebido pelo escândalo tanto, nasceu da viagem marinha, padeceu o serviço completo, foi cicatrizado, exposto e bem sovado, gritou como um danado, e no terceiro dia relevantou da cama, voltou aos seus, está sentado a boreste de seu país de onde há de vir penar na vida e a postos." (p. 529)
AMOR, A VIDA DE VERDADE
"- Mas não adianta, ele falou. Força, ódio, história, isso tudo. Isso não é vida pros homens e mulheres, ódio e xingamento. E todo mundo sabe que é exatamente o contrário disso que é a vida de verdade.
- O quê? o Alf falou.
- Amor, o Bloom falou. Ou seja, o contrário do ódio." (p. 534)
AHAS VERUS
Deixei para o final da postagem, uma questão que me deixou impressionado, uma coincidência danada o que aconteceu comigo, coisas que só acontecem com quem lê, com leitores.
Dias atrás, decidi ler mais um livro de poesia em voz alta, como fiz ano passado com A rosa do povo, de Drummond. Defino quantos poemas vou ler por dia e quantos dias pra ler o livro. A cada dia, escolho um dos lidos e gravo a leitura em vídeo.
Fui até a estante e escolhi a esmo o autor que iria ler. Escolhi Castro Alves e o livro Espumas flutuantes, de 1870, uma edição velha velha que tenho. O livro está se desfazendo ao ler. Comecei a leitura dia 10 de agosto e termino o livro amanhã, dia 20.
Num dos dias, escolhi para gravar o poema "Ahasverus e o gênio" (ver aqui). Como o livro tem notas explicativas, tomei conhecimento sobre a personagem. Cito a nota da minha edição do livro:
Ahasverus: "um dos diversos nomes pelos quais é conhecido o judeu errante, condenado a errar pelo mundo, sem lugar para descansar, por ter negado descanso a Jesus na porta de sua casa, quando este caminhava ao Calvário." (ALVES, 1997, p. 163)
Ao ler dias depois um dos desafetos de Leopold Bloom chamando ele de Ahas Verus, fiquei impressionado com a coincidência! Tanto meu entendimento foi perfeito na leitura de Ulysses, quanto ficou melhor meu entendimento do poema de Castro Alves.
Fiquei muito feliz pela coincidência. A leitura nos traz conhecimento! Isso já aconteceu comigo inúmeras vezes durante as leituras.
É isso! Seguimos sobrevivendo à pandemia, à destruição trágica do Brasil após o golpe e aprendendo algo novo todos os dias, tentando ser uma pessoa melhor em todos os sentidos.
William
ALVES, Castro. Espumas Flutuantes. O Estado de São Paulo/Klick Editora, 1997.
JOYCE, James. Ulysses. Tradução de Caetano W. Galindo. 1ª ed. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2012.
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