Refeição Cultural
Artigo: Kraken capitalista e destinos da economia mundial - Fábio Antonio de Campos. Professor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do Centro de Estudos do Desenvolvimento Econômico - CEDE, do Núcleo de História Econômica - NIHE do IE/UNICAMP e do Instituto de Estudos Contemporâneos Brasileiros - IBEC
Leitura para reflexão antes de uma aula sobre o tema.
Objetivo: textos de apoio para o curso de extensão "Como impedir o fim do mundo: colapso ambiental e alternativas", ministrado pela Unesp e demais parcerias
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A postagem é uma espécie de fichamento feito pelo autor do blog. Qualquer interpretação divergente do texto original é de responsabilidade deste leitor que comenta o texto.
Abaixo algumas palavras-chave ou ideias que gostei no referido texto.
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- O autor começa explicando o que seria Kraken, monstro conhecido na cultura medieval:
"Inspirado nos escritos gregos de 2500 anos atrás de Homero, quando em A Odisseia, o poeta mostra a criatura Cila como um animal de seis cabeças, Kraken é uma versão medieval e de origem escandinava para alertar os navegadores sobre os perigos de um monstro que vive no mar. Além de devorar a fauna marítima, seus tentáculos gigantes são capazes de esmagar barcos, colocando em risco a sobrevivência humana nos oceanos" (p. 92)
- O Kraken capitalista, o capital financeiro e seus tentáculos, "além de parasitar o excedente gerado pela exploração da força de trabalho e da natureza, fazem naufragar os horizontes do futuro da humanidade" (p. 93)
- Esse ser destruidor, o capital financeiro: "A força deste ser oligárquico que comanda as dimensões industriais, comerciais, agrominerais, computacionais e militares do capital, se revela na conjuntura da economia mundial pelas redes de poder financeiro que, ao socializarem a produção capitalista em um patamar inédito, se apropriam privadamente dos frutos desta valorização" (p. 93)
- Na lista acima de concentração do poder financeiro oligárquico, eu incluiria a dimensão das comunicações, são tudo os mesmos donos
- O autor fará uma análise da questão do Kraken capitalista sob três dimensões: conjuntura, estrutura e superestrutura
CONJUNTURA
- O comércio mundial cresce menos; cada dia menos corporações dominam todos os mercados; os CEOs das corporações exercem poderes em várias delas; com mercados em baixa, sobram oportunidades para os cassinos financeiros; só uns poucos recebem as informações privilegiadas sobre tudo no sistema
- "Em estudo recente (PHILLIPS, 2024), as 10 maiores empresas de gestão de ativos no mundo, com US$ 50 trilhões em 2022 (quase 50% do PIB do planeta), apresentam 117 indivíduos que, como diretores em posições cruzadas, atuam nos conselhos executivos combinando estratégias oligopolistas." (p. 95)
- Os tentáculos do monstro... "É possível vislumbrar tal poder na imagem recente da posse presidencial de Trump, quando os principais membros das big techs estavam ao seu lado, pagando milionárias contribuições para sua campanha. A GAFAM (Google, Apple, Facebook, Amazon, Microsoft) são abastecidas por participação acionária destes 10 Titãs do capital financeiro, assim como na big pharma, e em outros conglomerados." (p. 96)
- "Em síntese, o que estes dados mostram é que há na economia mundial um aumento do endividamento de corporações, famílias e governos, em que o capital excedente assume majoritariamente a forma fictícia. Decisões de gasto, investimento, crédito, gestão financeira, têm como eixo a preservação e a valorização da riqueza abstrata (monetária), o que relativiza o gasto e acumulação na dimensão produtiva do capital." (p. 96)
- Em consequência desse Kraken capitalista, cada vez menos os governos nacionais conseguem implementar políticas econômicas autônomas e independentes desses capitais piratas
- O autor, Fábio Campos, faz uma boa síntese das questões colocadas em relação à emergência climática
- A China capitalista... "A China está promovendo uma reconfiguração econômica, política e social em escala global. Em suma, diferentemente das economias periféricas, e inclusive da Europa Ocidental, e economia chinesa preservou sua autonomia estratégia e institucional mesmo estando inserida na ordem global, que agora busca remodelar em seu favor. Como afirma Bürbaumer (2024), a China ao tornar-se capitalista minou a 'Globalização'." (p. 101)
- O que temos pela frente na disputa de hegemonia global? "Guerra comercial tende a tornar-se militar, quando uma dimensão do capital financeiro, a economia de guerra se apresenta como um meio de valorização em si mesmo, ao mesmo tempo que define um fim, um alvo a ser atingido, como ensinou Rosa Luxemburgo (1985)." (102)
- Como estamos de ogivas nucleares no mundo, atualmente? Estamos bem!!! Podemos destruir a vida na Terra dezenas de vezes...
"Os países com os maiores arsenais nucleares no mundo são liderados pela Rússia, com aproximadamente 6.375 ogivas nucleares, seguida pelos Estados Unidos, com cerca de 5.800 ogivas. A China ocupa o terceiro lugar, com cerca de 500 ogivas, enquanto a França possui cerca de 290 ogivas nucleares. O Reino Unido possui aproximadamente 225 ogivas. O Paquistão tem cerca de 170 ogivas, enquanto a Índia segue de perto com cerca de 160. Israel, embora não tenha confirmado oficialmente, é estimado a ter cerca de 90 ogivas nucleares, e a Coreia do Norte possui uma estimativa de 50 ogivas nucleares (ICAN, 2025)." (p. 103)
- A concentração dos donos do mundo da comunicação e conexão global, que inclui as tais "nuvens" onde o mundo inteiro acha que guarda suas produções de conteúdo:
"Temos uma oligarquia digital, em um mercado computacional e de dados, que apresenta uma concentração econômica espantosa das chamadas big techs: em 2023, a Amazon detinha 39%, a Microsoft 23%, o Google 8,2%, o Alibaba 7,9%, a Huawei 4,3%; em um total de 82,4% do mercado global de nuvem (AMADEU, 2024)" (p. 104)
- O autor conclui a dimensão Conjuntura assim: "A incompatibilidade entre a vida terrestre e o sistema mostra os limites deste modo de produção capitalista. Temos uma crise civilizacional, onde o capitalismo para criar suas formas modernas de autoexpansão deve destruir as condições básicas de existência humana. Estamos, portanto, diante de uma crise estrutural do capital." (p. 104)
ESTRUTURA
- "Como afirmou Marx (1982), no capitalismo toda crise é uma crise de superprodução de capital, e não de subconsumo – visto que este modo de produção priva a maioria das pessoas do consumo" (p. 104)
- "Segundo Marx (2013), a crise também está incrustada na própria forma mercadoria. Isso porque o sistema se organiza em torno da produção de valores de troca, e não de valores de uso voltados às necessidades da reprodução social da humanidade." (p. 105)
- Um fator positivo nas crises capitalistas é que podemos fazer disso uma revolução: "A crise não seria o fim do sistema econômico, mas, potencialmente, teria condições de engendrar luta de classes capazes de organizar a revolução para sua superação." (p. 105)
- As tecnologias das últimas décadas e o aumento exponencial da produtividade transformaram as crises cíclicas em crise permanente do capital
"A tecnologia da máquina programável com a microeletrônica, internet e IA impôs um aumento de produtividade, em termos relativos jamais vista, que retirou o elemento cíclico das crises que era vital para a reprodução ampliada do capital. A crise se tornou contínua, constante, uma crise estrutural." (p. 105)
- O 4º órgão... "Segundo Bacchi (2020), nos anos 1960 foi introduzido o quarto órgão daquela máquina que Marx (2013) descrevera no cap. 13 do Livro I de O Capital. Além do motor, a transmissão e a máquina ferramenta do século XIX, surge o 'quarto órgão de controle' que introduz 'a máquina programável' e, com ela, o que determinou a crise estrutural" (p. 106)
- Em seguida vemos a citação de Bacchi, que desvenda a crise atual do capital:
"como tudo na natureza depende de um limite, quando a taxa de lucro baixa a determinado ponto diferente de zero, mas razoavelmente baixo, na verdade, o capital já não pode suportar, pois a reprodução ampliada se interrompe e o sistema entra em crise que não é cíclica, senão que uma crise generalizada do sistema. Com isto queremos dizer que o capitalismo, a partir deste momento, está condenado a uma decadência constante e irreversível, tal como descreve Marx em suas obras. E o capital como um todo já não consegue conter mais as novas forças produtivas em seu seio (BACCHI, 2020, p.35)." (citado na p. 106 do texto de Fábio Campos)
- A crise estrutural do capital se estabelece por três eixos: a transnacionalização inviabilizou os Estados nacionais e suas políticas econômicas e de gestão social; o fim da sociedade do trabalho, pois a classe trabalhadora não consegue mais pressionar o capital nas relações de produção; o colapso ambiental, pois é impossível ao capital não destruir a natureza
- O imperialismo foi revitalizado pela crise estrutural, colocando o capital financeiro no centro do poder de apropriação de valor
- Formas de opressão do capital: "Uma maneira imperial de circunscrever aqueles que não pertencem ao reino da mercadoria, ou se subordinam de maneira superexplorada, é por meio da racialização como expropriação (FANON, 1961). Ao intensificar as formas econômicas de opressão, políticas e ambientais, a crise estrutural recoloca o racismo, tanto nas periferias quanto nos centros, como instrumento indispensável para a manutenção do trabalho precário, o acesso a terras e aos recursos naturais (FRASER, 2024)." (109)
- Santos finaliza a dimensão Estrutura assim: "Em síntese, o capitalismo em sua crise sujeita as infraestruturas, comportamentos, ecossistemas, capacidades estatais, e, sobretudo, a consciência ao seu regime de valorização e expropriação, cujo resultado é a desestruturação sociopolítica do ser humano (FEDERECI, 2017; 2022; FRASER, 2024)."(p. 110)
SUPERESTRUTURA
- Marx em 1859 abordou a questão da superestrutura jurídica e política do capital:
"Assim, a produção da vida determinada por certas relações, apresenta uma estrutura econômica que se assenta em uma reprodução material e que sustenta, como ensinou Marx em 1859, uma superestrutura jurídica e política expressa por formas sociais da consciência (Marx, 2012)." (p. 110)
- O esgotamento do liberalismo traz como alternativas autoritarismos como o nazifascismo:
"(...) o nazifascismo no século XX teria sido já a maturação deste modelo contrarrevolucionário para lidar com o esgotamento do liberalismo, ainda mais com guerras totais, primeiras genuinamente capitalistas, e em meio a exitosa Revolução da Rússia em 1917 e a Crise de 1929 (LUKÁCS, 2020; MAYER, 1981). Aquilo que gestou no século XIX como uma exceção para lidar com as contradições do capitalismo em sua dominação política, consolida-se como prática usual no século XX. Essa contrarrevolução na ascensão do nazifascismo também era um instrumento de modernização, projeção do futuro, do progresso para aqueles escolhidos para usufruir do bem-estar..." (p. 111)
- Líderes carismáticos como Hitler e Mussolini conseguiram mobilizar por manipulação dos sentimentos classes populares e trabalhadoras, desviando a revolta delas de um processo revolucionário
"Não se trata de uma doutrina apenas, uma ideologia a serviço da contrarrevolução, mas de uma prática que tem por objetivo atacar e desmoralizar as instituições liberais vigentes, sem, necessariamente, excluir a cooperação com elas. Por isso, excitam as camadas populares contra o sistema, sem transformá-los em rebeldes, e, por isso, utilizam dos mais avançados meios de comunicação de massa, uma modernização dirigida, para instrumentalizar o sensacionalismo em causa própria." (p. 112)
- Na citação acima, vemos um retrato da realidade atual na qual líderes de extrema-direita manipulam massas gigantes de vítimas da crise capitalista - miseráveis e pessoas sem perspectivas - a apoiarem políticas que só vão prejudicá-las mais ainda
- Contrarrevolução preventiva: na segunda metade do século XX, a manipulação das massas mundiais proletárias e miseráveis seguiu com a liderança dos EUA e sua indústria cultural e militar, a Guerra Fria
"Como mostramos em artigo recente, a contrarrevolução preventiva, e, sobretudo, permanente, conseguiu desmantelar pautas tipicamente revolucionárias, anticapitalistas e universais, transformando-as em agendas 'progressistas', 'cidadãs', de reparações históricas e ganhos incrementais. Como as questões identitárias que não se associam à luta de classes; ou ainda, instaurando programas sociais de gestão e de monitoramento da barbárie, como os do Banco Mundial, os de combate focalizado à pobreza, 'empoderamento' nas favelas, empreendedorismo popular etc. (LIMA FILHO; GENNARI; CAMPOS, 2021)." (p. 113)
- O neoliberalismo é uma forma de contrarrevolução permanente
- Surge um novo ser com as burocracias do capital, o empreendedor de si
- O autor afirma "O que chamamos de extrema direita hoje constitui a nova geração da contrarrevolução na crise estrutural do capital, uma face da superestrutura de nosso tempo." (p. 113)
- Uma característica comum aos extremistas de direita: "Para se salvar do apocalipse que se avizinha, resta, pois, os escolhidos por obra divina, reinventar o passado, reencantar o mundo. As diferentes variantes da extrema direita ao redor do globo têm algo em comum que é o tradicionalismo para a preservação da essência espiritual e cultural antiga, se opondo à modernidade." (p. 114)
- Fábio Antonio Campos conclui seu texto:
"Concluindo, a extrema direita atual, embora com suas particularidades, representa a continuidade da contrarrevolução no interior da crise estrutural do capital. No passado, sua utopia de progresso legitimava a dominação; hoje, com a interdição da ideia de futuro, é a própria administração do colapso social que a orienta. Não há, portanto, monstruosidade ou anomalia nesse fenômeno — apenas a expressão ideológica do Kraken capitalista em decadência. Diante disso, impõe-se a necessidade de resgatar o horizonte da transformação radical nas lutas sociais, a fim de abolir o fatalismo que naturaliza a violência como destino na economia mundial." (p. 115)
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Texto excelente! Profundo e necessário!
Leitura feita por
William Mendes
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