sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Leitura: Casa à venda: Turismo, mercado de imóveis e transformação sócio-espacial em Havana - Aline Marcondes Miglioli



Refeição Cultural

Artigo: Casa à venda: Turismo, mercado de imóveis e transformação sócio-espacial em Havana - Aline Marcondes Miglioli

Leitura para reflexão antes de uma aula sobre o tema (em 23/08/25)

Aula V (manhã) - Cidade neoliberal, reforma urbana e a questão ambiental

Objetivo: textos de apoio para o curso de extensão "Como impedir o fim do mundo: colapso ambiental e alternativas", organizado e ministrado por IBEC, Unesp e demais parcerias

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A postagem é uma espécie de fichamento feito pelo autor do blog. Qualquer interpretação divergente do texto original é de responsabilidade deste leitor que comenta o texto.

Abaixo algumas palavras-chave ou ideias que gostei no referido texto.

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- Ao ler a introdução do texto, já fiquei com vontade de adquirir o livro, que é fruto de uma pesquisa acadêmica para tese de doutorado que estudou a questão habitacional em Havana, Cuba. Estive na Ilha socialista nos últimos dois anos, em 2023 e 2024 e as experiências foram inesquecíveis. A leitura do trabalho de Aline Marcondes Miglioli me permitirá compreender bem melhor o que vi e conheci em Cuba

A TEORIA DA RENDA DA TERRA EM MARX E SUA APLICAÇÃO NO ESPAÇO URBANO

- O início do capítulo 6 já explica bastante a teoria marxista sobre o tema:

"A teoria da renda da terra (TRT), tal como foi desenvolvida por Marx em O Capital (2017), pretendia interpretar o papel da renda da terra no modo de produção capitalista, portanto, levava em conta a existência da Lei do Valor e das classes sociais capitalistas: os capitalistas, os trabalhadores e os proprietários fundiários. Nesse modo de produção, os primeiros são proprietários dos meios de produção; os segundos, da força de trabalho; e os proprietários fundiários detêm a propriedade da terra, e por isso podem cobrar dos capitalistas e trabalhadores um preço sobre ela."

- Para diferenciar resultados diferentes de produções em terras de mesmo tamanho e com o mesmo uso de capital e trabalho, lucro maior que o lucro médio de outros produtores, Marx aponta características específicas da terra como, por exemplo, fertilidade e localização

- A autora diz que, em geral, no capitalismo, o capitalista não detém a propriedade da terra, ele arrenda ela do proprietário fundiário. Ao saber das qualidades de solos mais férteis, seus donos cobram aluguéis maiores, se apropriando de parte do sobrelucro dos capitalistas, é a renda da terra

- Marx explica isso: "Por tratar-se de uma renda originada pelo diferencial de produtividade, Marx a denomina de renda da terra diferencial de tipo 1, pois ela depende da produtividade natural dos terrenos."

- Na renda da terra diferencial de tipo 2, há mais questões além das qualidades originais da terra, pois serão avaliados investimentos consecutivos e respectivos resultados adquiridos

- Temos ainda a renda fundiária absoluta, para aquelas terras que não têm o diferencial de produtividade, mas que não são gratuitas:

"Marx responde essa pergunta através da renda fundiária absoluta, a qual corresponde ao rendimento cobrado pelo proprietário fundiário para que ele coloque seu lote à disposição da produção capitalista. A cobrança da renda absoluta garante que em nenhuma situação o preço da terra seja igual a zero, pois existirá sempre um preço que corresponderá ao preço de integrar a terra à produção capitalista."

- Ainda temos a expressão da renda da terra de proprietário fundiário monopolista (no exemplo, uma vinícola):

"O proprietário fundiário pode cobrar do capitalista parte desse lucro extraordinário através da renda da terra. Nesse caso, a renda não guarda relação alguma com a fertilidade da terra, e resulta tão somente do preço de monopólio daquele vinho (Marx, 2017)."

- Em resumo, a renda da terra é contraditória no capitalismo, mas:

"A renda da terra ocupa, assim, uma posição contraditória no capitalismo, pois ao mesmo tempo que a propriedade privada da terra é necessária ao capitalismo, ela representa barreiras ao capital em sua esfera produtiva (Harvey, 2001)."

- Aline explica as adaptações necessárias para interpretar a realidade presente na questão da renda da terra interpretada por Marx no passado e no contexto urbano atual:

"pois diferentemente dos bens agrícolas, os bens urbanos são consumidos no mesmo local em que são produzidos, e sendo construções, tratam-se de bens de consumo de longa duração. Ademais, enquanto na terra agrícola a renda é extraída no momento de realização da produção, nas cidades a renda da terra aparece em dois momentos: quando a produção urbana se realiza, por exemplo, na venda de um imóvel; e quando comercializa-se valores de uso do solo — o residencial, comercial e industrial (Jaramillo, 2003) —, transformando as possibilidades e formas de obtenção de lucro-excedente em cada espaço."

- A autora nos explica o conceito de "construibilidade", que equivale a renda diferencial do tipo 1, pois importa as características do terreno para estabelecer os custos de produção

- A renda diferencial do tipo 2 teria relação com a verticalização nos centros urbanos. A cada pavimento superior, aumentam-se os custos de produção, em linhas gerais

- A renda absoluta nas cidades teria a mesma característica que na produção agrícola ao incorporar-se a produção no espaço urbano

- Por fim, sobre a renda monopolista, Aline nos explica que:

"No que diz respeito à renda monopolista, no espaço urbano encontramos preços de monopólio nas construções localizadas em bairros prestigiados pela burguesia, as quais são vendidas por preços superiores aos de mercado e de produção com o objetivo de restringir o acesso do restante da população àquele imóvel."

- Comércio não gera valor, nos explica Marx. Vejamos a nota da autora:

"De acordo com Marx, o comércio não produz valor, pois não gera-se mais-valia. O que torna-se o lucro comercial nesse caso é a captura, por parte dos capitalistas comerciais, de parte da mais-valia produzida nos setores produtivos. Ainda assim, apesar do comércio não gerar mais-valor, na medida em que contribuem para a abreviação do tempo de circulação das mercadorias, ele pode contribuir para aumentar o mais-valor gerado pelo capital industrial, o que lhes garante o direito a uma parcela do mais-valor gerado pelo capital industrial (Marx, 2017)."

- Aline conclui nesta parte o seguinte:

"Por fim, destacamos que três aspectos da concepção de renda da terra de Marx serão fundamentais para o debate sobre o mercado de imóveis cubano: a necessidade de existir propriedade privada dos meios de produção para garantir o direito de apropriação da renda da terra por uma classe social; a conceitualização da renda da terra enquanto uma parte do sobrelucro gerado em uma atividade produtiva; e a existência da renda da terra no meio urbano em duas formas, pelos diferenciais de “construibilidade” e pelo valor de uso do espaço."

RENDA DA TERRA NO MERCADO DE IMÓVEIS CUBANO

- A autora começa a seção explicando que muitos estudos já foram realizados em relação às possibilidades de haver ou não os efeitos da Teoria da Renda da Terra nas sociedades em transição para o socialismo como URSS, China e outros países

- "Sendo assim, investigar a existência da renda da terra em Cuba significa responder a um conjunto de perguntas: existe um sobrelucro sendo apropriado enquanto renda da terra? De que forma ele é apropriado? Quem o recebe? Qual o seu uso econômico, ou seja, qual seu papel na organização da produção na transição socialista? Qual a consequência da apropriação de sobrelucro sob a forma de renda da terra? Nesta seção buscaremos responder essas perguntas nos baseando na dinâmica do mercado de imóveis havaneiro exposta no Capítulo 5."

- Aline explica que há mais-valia ou mais-valor nas sociedades em transição do capitalismo para outra forma de produção. No caso, caberia ao Estado se apropriar desse valor e distribui-lo:

"Nesse período, ainda que indesejavelmente, segue vigente a produção de mais-valor, mesmo nos casos em que ela se realiza de forma coletiva através da estatização dos meios de produção. Logo, cabe ao Estado apropriar-se desse mais-valor e distribuí-lo “a cada qual segundo seu aporte”."

- O parágrafo seguinte é importante destacar aqui na resenha, pois explica bem o que compreendi nas duas vezes em que estive em Cuba e conversei com os cubanos:

"Vimos também que é teoricamente possível admitir a propriedade privada dos meios de produção durante a transição socialista, desde que a produção seja centralmente planejada e socialmente distribuída. Em Cuba, a propriedade dos meios de produção esteve historicamente concentrada no Estado, no entanto, nas últimas três décadas houve uma desconcentração para a propriedade privada na tentativa de recuperar e estimular determinados setores econômicos. Ainda assim, o controle sobre a produção do setor privado é realizado de maneira indireta pelo Estado, seja através de seu monopólio sobre as licenças para o trabalho autônomo e privado, ou da reapropriação de parte da produção privada através dos impostos, com os quais busca-se estatizar parte do mais-valor gerado privadamente para distribuí-lo socialmente na forma de bens e serviços públicos."

- A autora também considera a existência do sobrelucro nas relações de produção social em Cuba

- Quem são os agentes proprietários dos meios de produção no setor de turismo em Cuba?

"o Estado cubano; as empresas internacionais, que operam em associação com o Estado; e os trabalhadores cuentapropia, que praticam as mesmas atividades dos outros dois agentes de forma privada e autônoma."

- Os cubanos que trabalham por conta própria são os TCP, na descrição do texto

- Esses três agentes possuem a propriedade privada dos meios de produção: o Estado possui os imóveis e as autorizações onde se instalam os hotéis, os hotéis possuem a marca e a técnica da hotelaria e os cubanos possuem suas casas-negócio, carros, instrumentos musicais etc

- A explicação seguinte de Aline é muito esclarecedora para compreender a economia cubana: quando fico na casa de um cubano, fico lá por motivos turísticos, localização e outras benesses que o local vai me oferecer. Então, não estão todos os cubanos em condições igualitárias para aquele processo de produção social:

"No caso cubano, se analisarmos o mercado de imóveis, não iremos encontrar a exclusividade da propriedade da terra, uma vez que os terrenos são públicos e não há cubanos excluídos do direito a uma moradia. No entanto, a indústria do turismo é uma atividade econômica cuja principal fonte de rendimento é o próprio consumo do espaço. Sendo assim, por mais que todos os cubanos possuam uma moradia, nem todos possuem uma moradia que cumpre o papel de um meio de produção, como fazem as moradias em localização turística. Concluímos, portanto, que frente à propriedade privada das casas-negócio é que emerge a possibilidade de apropriação da renda da terra."

- No caso da instalação do negócio "hotel" o local exótico pesa nesse processo de produção. "Traduzindo para os termos cunhados por Marx, trata-se da captura de um sobrelucro que deriva do monopólio de uma característica específica do espaço, ou seja, da renda da terra de monopólio (Harvey, 2013; Silva, 2010)."

- Aline explica muito claramente as relações de produção na Cuba atual que tive a oportunidade de conhecer. Ao ficarmos numa boa casa-negócio em Havana, entende-se perfeitamente a processo de "renda da terra de monopólio"

- Seguindo com as explicações que Aline fornece aos leitores, fica bem mais fácil entender processos sociais na República Socialista de Cuba como, por exemplo, a canasta básica fornecida pelo Estado ao conjunto da população. Quem financia esse direito social ao alimento na Ilha? Os impostos nas suas diversas formas de arrecadação:

"Com relação à disputa pelo excedente entre o Estado e os TCP, como disposto no Capítulo 4, inicialmente o trabalho autônomo era uma forma provisória de prestação dos serviços não atendidos pelo Estado. Aos poucos, o segmento foi ganhando espaço e protagonismo em outros setores econômicos, e a política tributária passou a servir como limite à acumulação de capital e como forma de recuperar parte dos rendimentos gerados pelos trabalhadores autônomos para distribuí-los socialmente. Com o fortalecimento econômico dessa categoria, Cuba está deixando o modelo de organização econômica no qual o Estado promove diretamente a produção e distribuição do produto social, e avançando para um modelo em que o Estado reúne as contribuições sociais através dos impostos e as distribui socialmente atendendo ao critério da equidade."

- No avançar do texto, a autora nos apresenta as movimentações na última década, entre 2011 e 2021, dos investidores internacionais, no que diz respeito ao interesse de adquirir propriedade na Ilha e obterem lucros com a atividade econômica do turismo

- Fica clara a importância do setor de turismo em Cuba para a manutenção da economia e para a capacidade do Estado de realizar a redistribuição dos recursos econômicos na forma de benefícios sociais ao conjunto da população da ilha caribenha

- Como resumo desta parte do capítulo seis, temos:

"Em suma, o que demonstrou-se no trecho anterior é a emergência de dois fenômenos. Primeiro, evidenciou-se que a forma primária de disputa pelo excedente em Cuba se dá através dos impostos. É no campo da legislação tributária que o Estado controla sua participação nos lucros das empresas internacionais e nos rendimentos dos trabalhos autônomos. Essa conclusão condiz com o novo modelo de socialismo cubano, que pretende financiar as políticas sociais através dos rendimentos da atividade estatal produtiva e de parte das atividades privadas, que é apropriada pelo Estado na forma de imposto.

e

"Em segundo lugar, evidenciou-se que parte desses rendimentos é atualmente apropriada na forma de renda da terra, o que leva à disputa por parte desses sobrelucros através do mercado de imóveis e da tributação. Internamente, o Estado e os proprietários de casas-negócio disputam parte dessa renda através dos impostos: enquanto o primeiro aumenta a quantidade de impostos incidentes sobre as operações de compra e venda, os segundos ampliam e diversificam as formas de evasão fiscal. Destacamos que, apesar do fenômeno apresentar-se como uma disputa, esta não ocorre entre classes sociais, pois se dá internamente na classe de trabalhadores, opondo os trabalhadores proprietários de casas-negócio ao Estado proletário. Trata-se de uma disputa entre estratos de classe: o estatal, representando todos os trabalhadores, inclusive os autônomos, em oposição aos trabalhadores cuentapropia e proprietários de imóveis."

- A seguir, temos um resumo de Aline concluindo a seção em análise:

"Em resumo, retomando as perguntas feitas no início desta seção: 

• Existe um sobrelucro sendo apropriado no mercado de imóveis? Sim, trata-se do sobrelucro correspondente à atividade cuentapropia relacionada ao turismo; 

• De que forma ele é apropriado? Os rendimentos da atividade turística podem ser apropriados primariamente por três agentes: os capitalistas estrangeiros, o Estado e os trabalhadores autônomos. Ao longo do capítulo identificou-se uma apropriação secundária do sobrelucro recebido pelos TCP para os proprietários de casas-negócio através da renda da terra, no momento de venda dos imóveis; 

• Quais as consequências dessa redistribuição de renda para a transição socialista? Ao longo da seção, exploramos a relação contraditória entre a distribuição e redistribuição dos rendimentos do turismo e os propósitos da Revolução. Por um lado, a redistribuição de renda garante a inserção de outros estratos de classe na atividade turística; por outro lado, cria disputas por esses rendimentos entre os estratos de classe. Por fim, também constatamos que a partir da redistribuição secundária desses rendimentos na forma de renda da terra há um novo estrato capaz de ascender socialmente — os proprietários de casas-negócio. Ao mesmo tempo, conforma-se um novo modelo de organização da distribuição dos rendimentos da atividade econômica, baseado na apropriação privada em alguns setores e posterior tributação desses valores."

CONSEQUÊNCIAS URBANAS E HABITACIONAIS

- Um dos problemas antigos em Cuba é o déficit habitacional, fazendo com que muitas vezes resida no mesmo imóvel mais de um núcleo familiar. Com a questão do turismo e as oportunidades de um imóvel residencial se tornar meio de produção de valores, a situação se agrava

- Sobre as migrações internas no país, Aline nos conta que nos primeiros 30 anos da Revolução, não havia migrações importantes do interior para a capital Havana. Na atualidade, há, por causa das oportunidades de trabalho, seja como TCP ou a serviço das empresas que operam na região

- Durante o período especial, nos anos noventa, houve mais controle do governo. Já após os anos dois mil, as migrações das regiões orientais - Santiago de Cuba, Granma e Guantánamo - rumo a Havana aumentaram consideravelmente

- Achei bem interessante conhecer as movimentações migratórias em Cuba, em especial em Havana. Conhecendo um pouco a cidade e a região, é possível visualizar o que a autora nos explica:

"Em suma, apesar das tentativas de manter a população local no Centro Histórico e recuperar as construções históricas sem mudar a função do bairro, inevitavelmente há um processo de remoção dos moradores, os quais são deslocados para os bairros onde encontram-se os principais conjuntos habitacionais estatais. Não é possível conhecer o volume da população deslocada, no entanto, de acordo com o Censo de 2012, havia naquele ano 4.775 moradias temporárias, o que corresponde a 1% do total de moradias da cidade (ONEI, 2012)."

- As consequências do turismo nas partes centrais de Havana, principalmente La Habana Vieja e Centro Habana, no centro histórico da cidade, são as dificuldades para os moradores locais sobreviverem ali, pensando a inflação da região pelo acesso e demanda dos turistas:

"No que diz respeito aos motivos para saída de moradores do Centro Histórico, Gonzales (2019) cita o encarecimento dos produtos nas lojas de produtos importados; a diminuição das lojas estatais de distribuição de alimentos, chamadas de bodegas; e a diminuição dos espaços culturais e esportivos em relação aos espaços comerciais e turísticos."

- A autora informa até que há suspeitas do fenômeno da gentrificação como causa das migrações de cubanos para fora do casco histórico de Havana, onde é maior o fluxo de turistas

- Por outro lado, parte da população, inclusive local, entende que é necessário o processo de reforma e investimento na recuperação dos imóveis locais para favorecer o turismo que, por sinal, é central para a economia e para que o governo possa realizar as ações sociais como distribuição da canasta básica, educação e saúde públicas, lazer e emprego

- Enfim, seria um processo de gentrificação o que acontece em Cuba? A autora diz:

"A partir dessa sucinta explanação sobre o processo de gentrificação tal como foi desenvolvido para explicar o fenômeno em países do capitalismo central, e considerando as diversas especificidades da sociedade cubana, seria possível nomear o fenômeno urbano em Cuba de gentrificação? Para responder essa pergunta é preciso, em primeiro lugar, avaliar as razões da deterioração das moradias cubanas. Vimos no Capítulo 1 que ela é resultado de um plano econômico e social que por um longo período priorizou investir no campo — principalmente para o desenvolvimento da indústria sucroalcooleira — e em políticas sociais universais. Sendo assim, a ausência de investimentos estatais para habitação não corresponde à lógica capitalista de acumulação de capital, e sim à dificuldade cubana de superar o subdesenvolvimento, o que impôs a priorização de outros gastos frente à manutenção e reforma das moradias."

- E tem mais, Aline afirma que:

"Ao contrário, ela vem do Estado e, como argumentamos anteriormente, parece que a possibilidade de incluir trabalhadores autônomos e proprietários de imóveis nesse circuito de renda representa uma tentativa de contornar a falta de postos de emprego estatais, apresentando-se como um instrumento indireto de distribuição de renda. Sendo assim, diferentemente do que acontece nos países capitalistas, em Cuba, a apropriação do rent-gap pelo Estado tem um destino claro: fomentar as políticas sociais da Revolução Cubana, e um objetivo secundário de incluir nesse circuito de renda novos agentes sociais."

- Após Aline deixar claro que não ocorreu em Cuba o processo de gentrificação que ocorre nos países capitalistas, algumas consequências inevitáveis acabam ocorrendo:

"Apesar das diferenças entre a definição de gentrificação — tal como foi elaborada para descrever os processos nos países capitalistas centrais — e o fenômeno que observou-se neste trabalho, é possível dizer que o último compartilha de alguns dos efeitos típicos da gentrificação capitalista. Por exemplo, na atuação da OHCH, apesar da sua preocupação com a preservação da população local, podemos considerar que devido à necessidade de liberar espaço para empreendimentos turísticos, ocorre o deslocamento da população local e a atração de outros grupos sociais para o território — majoritariamente os trabalhadores autônomos. Ademais, após a autorização para a compra e venda de moradias, podemos assumir a existência de rent-gaps, considerando que parte do preço dos imóveis nessas regiões corresponde ao potencial de ganho com a conversão de seu uso residencial para o comercial. Ou seja, apesar das diversas particularidades do caso cubano, existe rent-gap e ocorrem deslocamentos, inclusive com a saída da população local dos bairros reformados para abrigar o turismo."

- Caminhando para as conclusões do estudo, a autora diz que é melhor avaliar o processo urbano e social em Cuba considerando o histórico e estudo que ela apresentou nos capítulos iniciais do livro e não baseado no processo de gentrificação frequente nos sistemas urbanos capitalistas

- Uma das conclusões que Aline apresenta é o efeito real no imaginário das pessoas derivado dos preconceitos e situações sociais em Cuba anteriores à Revolução de 1959, das décadas iniciais do século XX:

"A primeira camada, e mais profunda, é a das estruturas herdadas do sistema anterior, ou seja, as desigualdades territoriais próprias do capitalismo dependente cubano anterior a 1959. Nessa camada encontram-se, por exemplo, as diferentes apreciações sobre o espaço urbano, as impressões e as valorações dos bairros no imaginário coletivo, ou seja, os elementos que ocupam o campo das subjetividades e que tornam os antigos bairros burgueses imageticamente mais aprazíveis e os antigos bairros de trabalhadores os menos desejados."

- Como a capacidade de consumo determina os processos de ascensão social na Ilha, os espaços geográficos pesam nessa questão. Aline explica isso como uma segunda camada em suas conclusões:

"Em resumo, foi sobreposto à estrutura universal de educação e de saúde uma camada de acessos desiguais ao consumo através das diferentes possibilidades de emprego em cada bairro ou município. Essa seria a segunda camada das desigualdades territoriais, em que o território condiciona as possibilidades de mobilidade social."

- Milton Santos criou metáfora usada por Iñiguez para descrever o fenômeno em Cuba como "bairros luminosos" e "bairros opacos", os que oferecem e os que não oferecem oportunidades aos moradores cubanos:

"Estudando esse processo, Luisa Iñiguez (2014) emprega a metáfora criada por Milton Santos (2006) para diferenciar os dois perfis de bairros que emergiram após o Período Especial: os luminosos são aqueles onde instalaram-se os novos empreendimentos turísticos e neles os moradores podem ascender socialmente através do emprego no turismo ou no setor privado; os territórios opacos são aqueles que comportam majoritariamente o setor estatal e que têm pouca capacidade de atender às demandas de emprego e consumo de seus moradores."

- Por fim, a autora cita uma terceira camada de desigualdades em Cuba:

"A terceira camada de desigualdades do território, e a mais recente, foi inaugurada com a abertura do mercado de imóveis, evento que, como expressado anteriormente, marca um novo padrão de mobilidade da população, que reforça os fluxos migratórios e aprofunda a especialização produtiva baseada nos diferentes usos do solo de cada região da cidade. Nesse novo cenário, que iniciou-se em 2011, o perfil de renda e de ocupação dos cubanos passou a determinar o bairro ou município em que se localizariam. Ou seja, pela primeira vez desde a Revolução, o espaço está se reorganizando de acordo com as possibilidades de ascensão social dos seus moradores. O preço dos imóveis é uma evidência dessa nova etapa, pois ele restringe o uso de alguns imóveis — e, portanto, do espaço — a alguns estratos específicos."

- Efeitos da legislação de 2011 que criou o mercado de imóveis em Cuba: realocação da população de acordo com subgrupos sociais:

"Nesse aspecto, identificamos duas tendências: a concentração de TCP no centro de Havana e dos trabalhadores estatais na periferia, composta por municípios com padrões de ocupação e capacidade de consumo semelhantes. Consideramos o mercado de imóveis como responsável por esse fenômeno, pois em primeiro lugar permitiu que os grupos sociais se reorganizassem pela cidade através da compra e venda de moradias e, em seguida, que os preços desses imóveis se transformassem em sinalizadores — e barreiras — para a ocupação de certas localizações por outros estratos de classe."

- Sobre o poder político em Cuba é importante reforçar o que a autora nos demonstra: 

"Cuba possui um sistema de representação política que não corresponde à hierarquia da estratificação socioclassista. Ou seja, as pessoas que pertencem aos grupos sociais identificados como “mais vantajosos” — TCP, empregados no setor emergente e recebedores de remessas — não detêm a maioria do poder político."

- Algumas conclusões do capítulo:

"No caso cubano, vimos a partir do estudo sobre Havana, que a renda da terra corresponde ao sobrelucro das atividades comerciais e de serviço voltadas ao turismo realizadas nas moradias pelos TCP. Concluímos que esse sobrelucro é apropriado por quatro agentes: o Estado, as empresas internacionais, os trabalhadores autônomos e os proprietários de casas-negócio."

- Camadas de desigualdades constatadas na questão urbana em Cuba:

"pudemos distinguir entre três camadas de desigualdade que se avolumam sobre o espaço urbano: 

• Primeira camada: corresponde às desigualdades territoriais herdadas da história cubana pré-revolucionária e que fazem com que bairros e municípios sejam diferentes entre si em termos de infraestrutura urbana e apreciação no imaginário popular; 

• Segunda camada: após o Período Especial criam-se condições de ascensão social que relacionam-se com o espaço. Nesse sentido, alguns bairros e localizações permitem aos seus moradores trabalharem no setor turístico e com isso garantir melhores padrões de consumo; 

• Terceira camada: depois do estabelecimento do mercado de imóveis, o acesso a esses bairros e, como consequência, às oportunidades de trabalho que eles oferecem, passou a depender também da posição da pessoa na estrutura social. Aqueles que possuem família no exterior ou que conseguiram juntar dinheiro para a compra de uma moradia nessas localizações passaram a poder ter acesso a elas."

- A autora conclui no capítulo:

"Em suma, essa nova desigualdade urbana é a expressão territorial da reestratificação social que está em curso desde os anos 1990 e que se apresenta como um desafio a ser equacionado dentro do novo modelo do socialismo cubano."

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Texto lido por

William Mendes

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