terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Leitura: O amanhã não está à venda - Ailton Krenak



Refeição Cultural

"Há muito tempo não programo atividades para 'depois'. Temos que parar de ser convencidos. Não sabemos se estaremos vivos amanhã. Temos de parar de vender o amanhã." (Krenak)


Reli as reflexões de Ailton Krenak compartilhadas conosco no início da pandemia mundial do novo coronavírus, Covid-19. Quanta sabedoria esse homem nos transmite em seu breve texto O amanhã não está à venda (2020).

Com os índios e povos originários aprendemos uma lição importante: não somos proprietários da Terra, somos parte dela, somos só um dos bichos que vive nela. E durante a pandemia o bicho homem poderia ter aprendido muita coisa, mas parece que não aprendeu nada!

KRENAK: "Como posso explicar a uma pessoa que está fechada há um mês num apartamento numa grande metrópole o que é o meu isolamento? Desculpem dizer isso, mas hoje já plantei milho, já plantei uma árvore..."

Por que se passaram mais de três anos com o clã de milicianos no poder em plena liberdade de destruição da natureza, dos direitos sociais do povo e da vida das pessoas? Por que não foram investigados, julgados, condenados e presos pela imensidão de coisas irregulares que o Brasil inteiro sabe que eles estão envolvidos? 

Na minha opinião porque a casa-grande dessa eterna colônia de exploração tem interesses na manutenção dos bolsonaros no poder. Os dados econômicos demonstram que os donos do poder, os bilionários, os capitalistas, ganharam muito com essa milícia no poder... são apenas business, negócios, já que tudo é mercadoria à venda no capitalismo.

KRENAK: "Temos que abandonar o antropocentrismo; há muita vida além da gente, não fazemos falta na biodiversidade. Pelo contrário. Desde pequenos aprendemos que há listas de espécies em extinção. Enquanto essas listas aumentam, os humanos proliferam, destruindo florestas, rios e animais. Somos piores que a Covid-19. Esse pacote chamado de humanidade vai sendo descolado de maneira absoluta desse organismo que é a Terra, vivendo numa abstração civilizatória que suprime a diversidade, nega a pluralidade das formas de vida, de existência e de hábitos."

Pensando no que Krenak nos expõe sobre o amanhã e a ideia de que para a sociedade humana atual tudo é mercadoria, fica mais fácil entender os efeitos das fortes chuvas em Minas Gerais e na Bahia neste ano. A alienação das pessoas, o não relacionar causas e consequências de atos e decisões humanas na exploração da natureza faz com que as pessoas atribuam às chuvas em excesso e não à destruição da natureza pela mineração todos os danos econômicos e sociais das últimas semanas. A destruição seria coisa de Deus e não coisa dos homens.

Quando Krenak nos fala sobre a pandemia e sobre o vírus vemos um ponto de vista muito mais sistêmico na abordagem do que os pontos de vista de várias pessoas chamadas de "especialistas". Nos acostumamos tanto ao mundo artificial que criamos que nos esquecemos que "tudo é natureza".

KRENAK: "A nossa mãe, a Terra, nos dá de graça o oxigênio, nos põe para dormir, nos desperta de manhã com o sol, deixa os pássaros cantar, as correntezas e as brisas se moverem, cria esse mundo maravilhoso para compartilhar, e o que a gente faz com ele?"

O líder indígena, ambientalista, filósofo, poeta e escritor Ailton Krenak não tem medo de dizer o que pensa em relação à política e à economia. No mundo em que vivemos, as decisões políticas são decisões que definem se as pessoas vão viver ou morrer, não só uma pessoa, talvez milhares, milhões, bilhões de pessoas.

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KRENAK: "Michel Foucault tem uma obra fantástica, Vigiar e punir, na qual afirma que essa sociedade de mercado em que vivemos só considera o ser humano útil quando está produzindo. Com o avanço do capitalismo, foram criados os instrumentos de deixar viver e de fazer morrer: quando o indivíduo para de produzir, passa a ser uma despesa. Ou você produz as condições para se manter vivo ou produz as condições para morrer. O que conhecemos como Previdência, que existe em todos os países com economia de mercado, tem um custo. Os governos estão achando que, se morressem todas as pessoas que representam gastos, seria ótimo. Isso significa dizer: pode deixar morrer os que integram os grupos de risco. Não é ato falho de quem fala; a pessoa não é doida, é lúcida, sabe o que está falando."

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O texto de Krenak termina profundo em reflexões assim como começou. A ideia de querer voltar à "normalidade" anterior à pandemia seria o mesmo que não termos aprendido nada com a experiência da pandemia. O mundo já vinha doente e continua.

"Quem está apenas adiando compromissos, como se tudo fosse voltar ao normal, está vivendo do passado. O futuro é aqui e agora, pode não haver o ano que vem." (Krenak)

Os ensinamentos desse sábio indígena servem para todos nós. Quando vejo as coisas na minha modesta dimensão pessoal, a vida de meus entes queridos, a Cassi, o mundo do trabalho e o sindicalismo, as empresas públicas como o Banco do Brasil onde passei boa parte de minha vida, as questões do mundo das letras etc, vejo muita incerteza em relação ao amanhã. 

CONCLUO - Pelo andar da carruagem na política brasileira para 2022 e adiante, me parece que talvez só queiramos voltar à "normalidade" quando vejo a ligação de Lula com Alckmin, apoiada por boa parte do movimento de "esquerda". Essa insistência numa suposta conciliação de classes (para mim rompida após 2016) demonstra que NÃO queremos mudar nada! Não queremos avançar rumo a outra forma de vida social, não queremos abandonar o capitalismo, que segue inviabilizando a vida na Terra. Só queremos continuar a destruição do mundo pelo capitalismo... Isso é foda!

Obrigado, Ailton Krenak, por compartilhar um pouco de sua sabedoria conosco.

William


Bibliografia:

KRENAK, Ailton. O amanhã não está à venda. São Paulo. Companhia das Letras, 2020.


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