Refeição Cultural
Osasco, 13 de janeiro de 2024. Sábado.
Hoje andei lentamente pelas ruas do Parque e me senti como aquele que fui muito tempo atrás, aquele antes dos trinta anos, aquele que não tinha um sentido certo para si. Cabisbaixo, respiração pesada, desânimo no passo. Desacorçoo. Pensando um milhão de coisas.
Me esforço faz tempo para sentir pertencimento a alguma coisa. Não me sinto pertencente a nada. Como pertenci a coisas grandes, aquele que fui experimentou o efeito dos hormônios mais intensos circulando pelo corpo. E adrenalina vicia como qualquer outro componente químico. E a psique também vicia, a dependência é física e psicológica. Anos após sair do mundo do trabalho e do movimento sindical ainda sinto a abstinência como se tivesse dado a última tragada na noite passada.
Me sinto neste momento da existência mais ou menos como me sentia no início da vida adulta: sem rumo, sem perspectivas, sem utopias. Era assim que me sentia. Não é a mesma coisa que antes porque a natureza foi implacável e agora não tenho mais um corpo para abusar dele ou inventar novos limites. Nem tudo que pensasse agora o corpo acompanharia.
Precisaria inventar qualquer coisa para dar alguma cor ao viver. O pior é que nem posso contar com a benevolência da natureza, nem a minha nem a que me envolve, o mundo definha, a humanidade inclusive. Minha percepção do mundo está horrível, estou azedo com o mundo ao meu redor. E não gostaria de incomodar ninguém com esse meu enjoo do ser humano.
Se não sentisse necessidade de escrever, desligaria tudo que me contata com o mundo.
Por ter sido político por muito tempo, aprendi a fazer cara de poste para as pessoas e nos ambientes onde representamos nossos papéis sociais. Aprendi a engolir sapo, sofrer humilhações, aguentar provocações, fazer de conta que não entendia certas coisas, eu lidava bem com hipocrisias.
Aliás, isso éramos nós todos, antes dessa época da intolerância, da superficialidade e do fim das relações duradouras, antes da overdose de prevalência das relações utilitárias. Antes dos cancelamentos.
Utilitarismo. Tempos de relações utilitárias. Um abraço ou um cumprimento e convivências públicas se daquela relação a pessoa tiver alguma vantagem.
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Se não sou escritor, como foi que escrevi tanto?
E por falar na necessidade de escrever, fico impressionado ao olhar para trás e ver o quanto já escrevi. Neste blog de cultura, por exemplo, acabei escrevendo mais de 900 textos nos últimos cinco anos. Nossa! Vai ter o que escrever assim lá no mundo das letras!
E o contador de acessos do blog acusa que a página tem milhares de acessos por ano. Não tem como saber direito se são as máquinas de roubo de textos sem dar o devido crédito da fonte ("IA") ou se são seres humanos que acessam. Talvez sejam as duas coisas.
Os textos de memórias que fiz no outro blog, A Categoria Bancária, de uma hora para outra passaram a ter muito acesso. Foram dois anos escrevendo 39 capítulos de memórias. Os textos tiveram quase 90 mil acessos. Máquinas de "Inteligência Artificial" ou seres humanos? (Compartilho da leitura de Miguel Nicolelis e Noam Chomsky que não existe "IA", as máquinas não são nem "inteligentes" nem "artificiais").
De fato, às vezes recebo alguns comentários ou depoimentos de pessoas gentis que dizem que leem meus textos e que eles contribuem de alguma forma para as pessoas que os leram. Quando recebo um retorno desses, parece que algo fez sentido na vida, parece que fiz algo útil para esse nosso mundo.
Eu quis ser professor, educador, formador, algo nobre assim. Entretanto, acabei dedicando os melhores anos da minha vida a ser um bom sindicalista, bem na época em que havia entrado na Universidade de São Paulo para ser professor. Valeu a pena centrar o melhor de mim na representação porque quero crer que fiz bem-feito o que tinha que ser feito como representante da classe trabalhadora.
Fica a minha admiração do tamanho do universo para cada pessoa que se dedica a ensinar e educar crianças, jovens e adultos. A profissão de educar pessoas é uma das funções e causas mais nobres da espécie humana.
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Livro Memórias de um trabalhador politizado pelos bancários da CUT
Terminei neste fim de semana a leitura em poucos dias dos 39 capítulos das memórias que fui escrevendo ao longo de dois anos. A releitura sequenciada para editar os textos em formato de livro mexeu comigo por esses dias. Muitas lembranças e emoções acumuladas, muitas histórias pessoais e coletivas.
Me sinto meio esquisito em editar um livro, não sei se por vergonha, por me achar ousado, ou por achar que não vá ter interessados em ler os textos. Não sei nem se tenho coragem de divulgar bastante, talvez peça para as pessoas interessadas me contatarem por mensagem. Nem sei ainda como vai ser.
Tenho lido livros de memórias de militantes do movimento de lutas da classe trabalhadora e, a cada texto que leio, mais me encanto com a nossa história porque somos sujeitos históricos e isso é muito importante para seguir acreditando na educação e na memória como parte de uma cultura humana.
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Acho que por hoje já deu, fim dos registros e reflexões.
William
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