Refeição Cultural
Leitura de livros - anotações e comentários
A leitura do livro Fundamentos, regulação e desafios da Saúde Suplementar no Brasil, de Sandro Leal Alves, lançado em 2015, foi motivada pela necessidade de me atualizar no tema já que havia sido convidado a participar de um planejamento estratégico de uma operadora de saúde na modalidade de autogestão e eu seria uma das pessoas responsáveis por compartilhar a experiência em gestão de uma das maiores operadoras de autogestão em saúde no país, a Cassi dos funcionários do Banco do Brasil.
O convite para compartilhar a experiência e os conhecimentos que adquiri ao ter sido gestor eleito de saúde da Cassi foi feito pela Unafisco Saúde, a autogestão do Sindifisco Nacional, Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil. Fui contatado pelo Diretor de Plano de Saúde do Sindifisco Nacional, Adriano Lima Correa, e prontamente me coloquei à disposição para compartilhar o que sei sobre o tema. Desde já, agradeço ao Adriano e ao Isac Falcão, presidente do Sindifisco Nacional, o convite, a acolhida e a troca de experiências que tivemos durante o evento da Unifisco Saúde. Desejo sucesso no alcance dos objetivos traçados no planejamento.
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ANOTAÇÕES E COMENTÁRIOS
O livro de Sandro Leal Alves é muito bem escrito, o que facilita bastante a leitura de um livro técnico. E os conceitos sobre o setor de saúde suplementar estão bem explicados.
Eu tenho divergência à forma como o direito humano à saúde é tratado no livro, mas compreendo como os liberais tratam a questão. No capitalismo tudo é mercadoria e a saúde não seria diferente. Aproveitemos, então, os ensinamentos técnicos do livro, e façamos o debate de ideias sobre as diversas formas de pensar o mundo.
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MUTUALISMO
Gostei da explicação que o autor dá sobre o tema mutualismo. Vejamos:
"O mutualismo foi o termo pinçado da biologia pela literatura securitária para definir a cooperação entre indivíduos mediante a agregação de seus riscos. Na Biologia, quando a interação entre duas espécies proporciona ganhos recíprocos decorrentes da associação entre elas, há mutualismo." (p. 42)
Em seguida, Sandro traz o conceito para a área da seguridade:
"O seguro fornece, nestes termos, uma possibilidade mutuamente benéfica ao reduzir o custo do risco para os segurados que se dispõem a contribuir para um fundo comum em troca da garantia de acesso a estes recursos na eventual ocorrência de infortúnios individuais. Se a troca é voluntária, como ensinam os manuais de Economia, a realização do comércio é um jogo de soma positiva em que todos os agentes envolvidos ganham, melhorando sua situação. O seguro contribuiu para a alocação dos riscos da sociedade permitindo que um agente avesso ao risco consiga transferi-lo, mediante o pagamento de um prêmio de risco, para um agente comprador de riscos que é a seguradora." (p. 42)
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PLANO DE SAÚDE É SEGURO
Achei interessante essa explicação sucinta da questão. O autor esclarece que as regulações são diferentes, mas que as regras estatísticas e atuariais são as mesmas. Eu tenho pontos de observação sobre isso, quando penso o modelo assistencial da Cassi, mas depois comento a respeito.
Vou citar a frase inteira para comentar o que penso em seguida:
"Uma primeira observação importante é notar que as regras estatísticas e atuariais que permitem a existência de um plano de saúde são as mesmas do seguro. O fato de terem regulações diferentes não muda um aspecto essencial de sua natureza: o risco. O elemento de agregação dos riscos é exatamente o mesmo, independentemente se o seguro é realizado para a proteção do patrimônio, de um automóvel ou de riscos associados ao adoecimento. A diferença aqui, evidentemente, é que no caso da saúde não se pode repor a saúde como se faz no caso de um bem, mas é possível oferecer indenização ou acesso aos serviços de saúde como forma de tratamento ou mitigação dos danos aos indivíduos.
O que se segura não é a saúde em si, pois não é possível, mas a diagnose e o tratamento, que frequentemente geram despesas médicas, laboratoriais e hospitalares que poderiam ser proibitivamente elevadas ou levar uma família a situações financeiras bastante desconfortáveis por pagamento direto." (p. 42/43)
COMENTÁRIO
Nesta explicação do autor, é possível apontar algumas leituras a partir de minha experiência ao conhecer o modelo de saúde que a Cassi vem tentando implantar desde a reforma estatutária de 1996.
Por 5 décadas (1944 a 1995), a Caixa de Assistência dos Funcionários do BB teve uma lógica que se encaixava no conceito acima. Era um fundo mútuo de recursos para cobrir o acesso a serviços de saúde após a realização dos riscos comuns aos participantes do sistema.
Ou seja, o foco do uso do recurso daquele fundo mútuo era no reparo ou mitigação do dano realizado e não na prevenção ao dano.
E aí eu reforço que os custos nesta área, saúde, são impagáveis, e não só "desconfortáveis" por uma questão essencial do mercado capitalista: lucro máximo possível. Quem vende serviços de saúde visa lucro e a outra ponta, quem consome, deve estar precisando ou sendo convencida a precisar dos serviços... óbvio que a conta não fecha.
CASSI APÓS 1996
O objetivo pretendido pelos patrocinadores do fundo mútuo da Cassi a partir de 1996 (trabalhadores e BB) era outro, era utilizar de forma distinta os recursos financeiros da Caixa de Assistência, era passar a cuidar da saúde de seus assistidos ao longo de décadas, passando assim a usar melhor os mesmos recursos ao precisar ir ao mercado que visa lucro comprar serviços de saúde. Era outra lógica do uso dos recursos.
Para isso, após 5 anos de experimentos de modelos (1996-2001), a Cassi optou pela Estratégia de Saúde da Família (ESF), um tipo de Atenção Primária à Saúde (APS), com estruturas próprias de atendimento primário (CliniCassi), para organizar um sistema de saúde privado com mais controle no uso dos recursos e com bons resultados em prevenir doenças crônicas e seus agravamentos ao longo do tempo para aquela população assistida e fidelizada ao modelo.
Durante a nossa gestão (2014-2018), desenvolvemos estudos que comprovaram pela 1ª vez a eficiência do modelo ESF/CliniCassi na Caixa de Assistência, com estrutura própria - que faz toda a diferença - com profissionais assalariados em equipes de família e gestão em saúde e rede credenciada. Não eram "parceiros" do mercado que saem do projeto assim que recebem propostas melhores para ganharem mais em suas clínicas-empresas. Uma CliniCassi própria não visa lucro, uma CliniCassi "parceira" terceirizada visa lucro.
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RISCO MITIGADO - Ou seja, os riscos daquela população assistida por aquele recurso mútuo poderiam ser alterados, mitigados, ao longo do tempo. E nós provamos isso. Os estudos que fizemos demonstraram que uma parte da população vinculada ao modelo ESF tinha um uso melhor dos recursos do fundo após 3 anos ou mais de permanência no modelo de Estratégia de Saúde da Família (ESF)
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