sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Leitura: Uma Hora e Mais Outra - Drummond


 

Post Scriptum: rápida leitura analítica

Ao reler o poema, fiquei buscando sentidos... ("pois a hora mais bela/surge da mais triste.")

É um poema bem Drummond. Estrofe única com 127 versos, direto e sem parar, só com os respiros do ritmo da poesia moderna, o ritmo é do poeta, os versos ou as linhas do texto vão mudando na conveniência dos sentidos e não de acordo com formas ou normas preestabelecidas.

O Eu lírico começa assim:

"Há uma hora triste
que tu não conheces."

E então, ele descreve que "Não é a da tarde", "Não é a da noite", "e também não é a/do nascer do sol".

E continua enumerando qual não é a hora triste que ele quer dizer: "não a da comida", "nem a da conversa", "não a do cinema"...

E vai sem limites no que tem que dizer: "nem essa hora flácida/após o desgaste/do corpo entrançado/em outro..."

"nem a pobre hora/da evacuação:"

Até aqui, o poema enumerou momentos no tempo relacionados ao tempo físico, da natureza; e também enumerou tempos de horas cotidianas nas ações humanas. Horas necessárias na natureza humana!

Tarde, noite, manhã; comida, conversa, cinema; sexo e evacuação.

Já estamos com 60 versos... 60 versos. A hora tem 60 minutos, um minuto tem 60 segundos. 60 versos...

O Eu lírico não quis dizer que as horas que já enumerou não são tristes: "Pois hora mais triste/ainda se afigura;" (versos 61 e 62)

E aponta a condição humana mais triste, talvez, a hora em que estamos sós: "te colhe sozinho/na rua ou no catre". 

E sozinho, te resignas e desiste de lutar: "já não te revoltas/e nem te lamentas,"

O Eu lírico reforça a imagem de solidão e resignação quando enumera que estamos sem apoio, material e psicológico: "sem nenhum apoio/no chão ou no espaço,".

E assim, só, resignado, sem apoio, vives como um zumbi, um robô, "tu vives: cadáver,/malogro, tu vives,/rotina, tu vives".

O Eu lírico, diante de toda essa imagem de desânimo e resignação daquele ao qual ele se dirige (nós), aponta o que gostaria de fazer:

"que pegar quisera
na mão e dizer-te:
Amigo, não sabes
que existe amanhã?"

Aqui temos a chave do poema.

Com a mão amiga, o Eu lírico nos reanimou, nos tirou do marasmo. Nos deu sentido, que não estávamos encontrando sozinhos (entre os versos 97 e 101). E segue a partir do verso 102:

VAMOS JUNTOS!

"Exato, amanhã
será outro dia.
Para ele viajas.
Vamos para ele."

Drummond tem essa característica fantástica. Apesar das imagens que nos remetem a duras realidades, ele abre esperanças e recomeços.

E agora o Eu lírico nos coloca caminhando juntos a outros, já não estamos sós. "Teu passo: outros passos/ao lado do teu."

Nesse momento do poema, nessa hora, já caminhamos por caminhos diversos, "pés no barro, pés/n'água, na folhagem." e o poeta nos lembra "mas tudo é caminho."

E terminamos por encontrar a hora mais bela da união e do caminhar juntos a partir da hora mais triste em que estávamos sós, desanimados e sem reação. 

No momento em que tivemos uma mão amiga para nos apoiar, encontramos a hora mais bela.

"mas tudo é caminho.
Tantos: grossos, brancos,
negros, rubros pés,
tortos ou lanhados,
fracos, retumbantes,
gravam no chão mole
marcas para sempre:
pois a hora mais bela
surge da mais triste."

Obrigado, Drummond! Obrigado!

William


Bibliografia:

ANDRADE, Carlos Drummond de. A Rosa do Povo. 19ª edição. Rio de Janeiro: Record, 1998

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