Post Scriptum: rápida leitura analítica
Ao reler o poema, fiquei buscando sentidos... ("pois a hora mais bela/surge da mais triste.")
É um poema bem Drummond. Estrofe única com 127 versos, direto e sem parar, só com os respiros do ritmo da poesia moderna, o ritmo é do poeta, os versos ou as linhas do texto vão mudando na conveniência dos sentidos e não de acordo com formas ou normas preestabelecidas.
O Eu lírico começa assim:
"Há uma hora triste
que tu não conheces."
E então, ele descreve que "Não é a da tarde", "Não é a da noite", "e também não é a/do nascer do sol".
E continua enumerando qual não é a hora triste que ele quer dizer: "não a da comida", "nem a da conversa", "não a do cinema"...
E vai sem limites no que tem que dizer: "nem essa hora flácida/após o desgaste/do corpo entrançado/em outro..."
"nem a pobre hora/da evacuação:"
Até aqui, o poema enumerou momentos no tempo relacionados ao tempo físico, da natureza; e também enumerou tempos de horas cotidianas nas ações humanas. Horas necessárias na natureza humana!
Tarde, noite, manhã; comida, conversa, cinema; sexo e evacuação.
Já estamos com 60 versos... 60 versos. A hora tem 60 minutos, um minuto tem 60 segundos. 60 versos...
O Eu lírico não quis dizer que as horas que já enumerou não são tristes: "Pois hora mais triste/ainda se afigura;" (versos 61 e 62)
E aponta a condição humana mais triste, talvez, a hora em que estamos sós: "te colhe sozinho/na rua ou no catre".
E sozinho, te resignas e desiste de lutar: "já não te revoltas/e nem te lamentas,"
O Eu lírico reforça a imagem de solidão e resignação quando enumera que estamos sem apoio, material e psicológico: "sem nenhum apoio/no chão ou no espaço,".
E assim, só, resignado, sem apoio, vives como um zumbi, um robô, "tu vives: cadáver,/malogro, tu vives,/rotina, tu vives".
O Eu lírico, diante de toda essa imagem de desânimo e resignação daquele ao qual ele se dirige (nós), aponta o que gostaria de fazer:
"que pegar quisera
na mão e dizer-te:
Amigo, não sabes
que existe amanhã?"
Aqui temos a chave do poema.
Com a mão amiga, o Eu lírico nos reanimou, nos tirou do marasmo. Nos deu sentido, que não estávamos encontrando sozinhos (entre os versos 97 e 101). E segue a partir do verso 102:
VAMOS JUNTOS!
"Exato, amanhã
será outro dia.
Para ele viajas.
Vamos para ele."
Drummond tem essa característica fantástica. Apesar das imagens que nos remetem a duras realidades, ele abre esperanças e recomeços.
E agora o Eu lírico nos coloca caminhando juntos a outros, já não estamos sós. "Teu passo: outros passos/ao lado do teu."
Nesse momento do poema, nessa hora, já caminhamos por caminhos diversos, "pés no barro, pés/n'água, na folhagem." e o poeta nos lembra "mas tudo é caminho."
E terminamos por encontrar a hora mais bela da união e do caminhar juntos a partir da hora mais triste em que estávamos sós, desanimados e sem reação.
No momento em que tivemos uma mão amiga para nos apoiar, encontramos a hora mais bela.
"mas tudo é caminho.
Tantos: grossos, brancos,
negros, rubros pés,
tortos ou lanhados,
fracos, retumbantes,
gravam no chão mole
marcas para sempre:
pois a hora mais bela
surge da mais triste."
Obrigado, Drummond! Obrigado!
William
Bibliografia:
ANDRADE, Carlos Drummond de. A Rosa do Povo. 19ª edição. Rio de Janeiro: Record, 1998
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