domingo, 13 de dezembro de 2020

Tempo (XVIII)



Releituras de textos críticos de Literatura Comparada II

Mito do eterno retorno - Eliade

Capítulo 2 - A regeneração do tempo 

Ano, Ano Novo, Cosmogonia

Mircea Eliade, no Mito do eterno retorno, ao estudar as sociedades arcaicas e tradicionais percebeu que elas têm uma certa revolta em aceitar o tempo concreto e histórico, a realidade material de seu tempo. A tendência delas é uma nostalgia a um suposto passado mítico, acreditam numa "Grande Era" do passado que poderia voltar no futuro.

Fica fácil perceber e compreender o atraso do povo brasileiro, uma gente arcaica, atrasada e de fácil manipulação por esses profissionais vigaristas de religiões e exploradores da fé das pessoas e da miséria humana causada por uma das piores distribuições de riqueza do planeta e pela consequente falta de educação formal, científica e libertadora.

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Eu gostei da expressão "homem cultivado" utilizada por Eliade para falar de pessoas não especialistas, que têm um conhecimento mais genérico e universal das coisas da história e do mundo e das culturas em geral, com um espírito mais filosófico.

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Estou namorando poemas do livro A Rosa do Povo, de Drummond, para escolher um deles para analisar sob a ótica das configurações do tempo nas narrativas e poesias, temática da disciplina de Literatura Comparada II, matéria da professora Viviana Bosi neste semestre.

Essa obra de Drummond é fortemente marcada por um tempo, como ele mesmo diz em 1987, numa reedição dela. O livro lançado em 1945 foi escrito durante os anos cruciais da 2ª Guerra Mundial. Tanto o autor quanto o mundo estavam fortemente impactados por aquele período de mortandade.

Muitos poemas do livro têm a temática baseada na passagem do tempo, alguns evidenciam isso até no nome, outros não, mas o tema é o mesmo, o Eu lírico está refletindo sobre o tempo. 

Cito alguns dos poemas de A Rosa do Povo, cuja temática é a passagem do tempo, tanto em seu aspecto físico quanto em seu aspecto psicológico, em relação ao Eu lírico: "Anoitecer", "Nosso Tempo", "Passagem do Ano", "Passagem da Noite", "Uma Hora e Mais Outra", "Nos Áureos Tempos", "Ontem", "Assalto", "Resíduo", "Desfile", "Retrato de Família", "Idade Madura", "Mas Viveremos" e "Últimos Dias".

Em alguns deles, vemos, de certa forma, as questões que Eliade analisa em Mito do eterno retorno como, por exemplo, a forma como as sociedades tradicionais ou arcaicas viam o final de um período de tempo e o início de outro como uma possibilidade de recomeço, renascimento, de purificação e de deixar para trás pecados, dores, tristezas etc.

Nos poemas "Passagem do Ano" e "Passagem da Noite" temos a questão da "Regeneração do tempo", tema do capítulo dois do livro de Eliade.

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"Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam
                [a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão esperas amanhecer.
"

(Passagem do Ano, Drummond)

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Eliade nos conta que os índios zuni chamavam os meses de "passos do ano" e o ano de "passagem do tempo". Interessante analogia. São citados outros povos e novas formas de contar a passagem do tempo. Mas o que nos importa é o conceito: o final de um período de tempo e o começo de um novo período (baseados em ritmos cósmicos, estações do ano, época de chuvas ou secas etc). E o Eu lírico no poema de Drummond nos diz:

"O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão"

E desses processos físicos e ritmos cósmicos de marcação da passagem do tempo, vieram os processos psicológicos de regeneração e purificação periódicas da vida (deixando-se para trás tristezas, pecados, doenças, demônios etc) e, mais ainda, de períodos de recriação da vida, de repetições das cosmogonias. Tempos de recomeçar, renascimento.

"Cada Ano Novo é considerado como o reinício do tempo, a partir do seu momento inaugural, isto é, uma repetição da cosmogonia." (ELIADE, p. 59)

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Em "Passagem da Noite", poema de 40 versos, divididos de forma exata em duas estrofes de 20 versos, e também em dois tempos distintos, a primeira parte relativa à noite, a outra ao dia, vemos nos sentimentos do Eu lírico os mesmos processos psicológicos descritos por Eliade no Mito do eterno retorno.

Na transição da noite para o dia, além da clara transição do tempo de "sombra" e de "desânimo" para o tempo de "alegria", "gozo" e "gosto do dia!", é possível encontrar nas duas partes do poema de Drummond possíveis referências a processos cerimoniais religiosos ou mitológicos como o mito da criação na tradição bíblica, ou o da purificação do mundo pelo dilúvio.

Na primeira parte, o Eu lírico diz que:

"Sinto que nós somos noite, 
que palpitamos no escuro 
e em noite nos dissolvemos. 
Sinto que é noite no vento, 
noite nas águas, na pedra."

A imagem nos coloca praticamente nas longas noites do dilúvio. No entanto, na segunda parte, temos o recomeço, a redenção, a regeneração.

"Tudo que à noite perdemos 
se nos confia outra vez. 
Obrigado, coisas fiéis! 
Saber que ainda há florestas, 
sinos, palavras; que a terra 
prossegue seu giro, e o tempo 
não murchou; não nos diluímos."

Agora a imagem nos coloca em condições para o recomeço, "há florestas", "a terra prossegue seu giro" e "não nos diluímos".

Enfim, muitas reflexões temos tido ao estudar os textos críticos sugeridos por nossa professora nesta disciplina de Literatura Comparada II.

William


Bibliografia:

ANDRADE, Carlos Drummond de. A Rosa do Povo, 19ª edição. Rio de Janeiro: Record, 1998.


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