Refeição Cultural
Osasco, 5 de março de 2022. Sábado. 11h33 (início).
"Para todas as pessoas que vivem pacificamente e felizes em seus países independentes, eu digo estas palavras: lembrem-se, quando estiverem comendo, de que há centenas de crianças que morrem de fome porque são palestinas. Lembrem-se, quando forem beber água, de que há centenas de crianças que bebem a água suja da sarjeta porque são palestinas. Lembrem-se, quando forem dormir, de que há centenas de crianças sem teto que dormem sem nada para vestir só porque são palestinas." (Mary Masrieh Hazboun, in: Vozes roubadas - Diários de guerra. Cia das Letras, 2008)
O mundo sob a hegemonia do capitalismo segue sendo destruído rapidamente e inviabilizado para a vida humana e para as diversas formas de vidas existentes hoje. Os capitalistas destroem tudo porque podem, é o que eles dizem. Quem não gostou que pare eles. Ninguém os impediu de fazer o que fazem.
A principal guerra noticiada pela imprensa comercial manipuladora segue em seu 10º dia, falo da guerra na Ucrânia, entre os Estados Unidos e a Rússia. E no Brasil seguimos em 2016, com o crime organizado no poder e com representações em todas as instituições do Estado nacional. O crime organizado tem cerca de um terço do eleitorado com ele. É uma potência! É uma lástima!
E ainda temos a pandemia de Covid-19, que mata centenas de pessoas por dia no Brasil e em diversos países do mundo. Aqui, as mortes por Covid-19 foram incorporadas à normalidade assim como as chacinas diárias de gente periférica. As pessoas cansaram da Covid-19 e decidiram acreditar que ela não existe mais (é o foda-se). Seguem as mortes severinas "normais" dessa terra de casas-grandes e coronéis e senzalas.
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Que registros valem a pena anotar aqui no meu caderno ou diário virtual de reflexões e memórias?
Coisas que me deixaram pensando muito:
- O filme Uma noite de 12 anos (2018), dirigido por Álvaro Brechner, que conta a história de José Pepe Mujica e seus companheiros, metidos em calabouços sob tortura e solidão pelo regime ditatorial no Uruguai nos anos setenta e oitenta;
- A história das jovens Shiran Zelikovich e Mary Masrieh Hasboun, uma jovem de Israel e outra da Palestina, respectivamente. Li trechos dos diários delas, escritos entre os anos de 2002 e 2004, publicados no livro Vozes Roubadas - Diários de guerra (2008), um livro organizado por Zlata Filipovic e Melanie Challender.
- O manuseio e seleção e às vezes leitura das minhas pilhas de materiais guardados ao longo da vida, montanhas de papéis, revistas, jornais, cadernos etc. Sem contar os livros. Ao lidar com tudo aquilo, me impressiono com a nossa história, com o quanto já fomos capazes ao enfrentarmos os capitalistas. Ainda somos capazes, acredito, basta sabermos quem somos, conhecermos nossa história, e termos objetivos claros pelos quais lutar e unidade pra derrotarmos os capitalistas e seus lacaios a soldo.
HISTÓRIA
"Amo o meu país e acho uma pena que estejamos em guerra. Não posso dizer que me sinto segura, na verdade é bem o contrário, mas faço um esforço para sentir-me assim. Quando ficar mais velha, quero ajudar meu país a combater esses terroristas horríveis." (Shiran Zelikovich, in: Vozes roubadas - Diários de guerra. Cia das Letras, 2008)
Coisas que me fizeram pensar muito na vida e no sentido das coisas. Também fiquei me lembrando o tempo todo da ideia de controle do mundo lançada por George Orwell no distópico 1984 (publicado em 1949).
"Quem controla o passado, controla o futuro;
Quem controla o presente, controla o passado."
É uma assertiva impressionante! Os ideólogos dos poderosos sabem disso e essa ideia de controle do passado no presente para controlar o futuro está em andamento sob nossos olhos. É só vermos o que foi e segue sendo o regime no poder desde o golpe de 2016 no Brasil.
Enquanto eu assisto a um filme que nos remete à história de personagens importantes da história e da vida cultural do Uruguai, enquanto leio diários de duas jovens retratando momentos de dor e sofrimento num mundo em guerra por um pedaço de terra e por dogmas religiosos, enquanto leio a história dos bancários brasileiros e a minha participação nela, o regime bolsonarista apaga a história das conquistas e lutas do povo brasileiro, destrói o espaço físico e o mundo cultural brasileiro, e atua para reescrever o passado e se estabelecer no futuro.
A história ainda tem importância? Quem se importa com a história na atualidade? Por que tentar preservar a história? Não só a história, a cultura tem importância?
Conforme separo documentos que retratam a origem de direitos sociais, políticos e civis dos trabalhadores brasileiros ao longo dos últimos dois séculos, sim porque o Banco do Brasil e seus trabalhadores estão nas lutas sociais do país desde 1808 e os da Caixa Federal há mais de 150 anos e alguns sindicatos nossos estão na luta há quase um século, e nossa Caixa de Previdência já é secular... enfim, enquanto separo documentos históricos por dó de jogar fora, percebo o quanto faz falta à coletividade saber minimamente a nossa história.
Francamente, as pessoas ao nosso redor não têm a menor noção das coisas. E vivemos hoje o elogio da ignorância... e só perdemos com isso, e a casa-grande e seus ideólogos só ganham com isso. Como é fácil com as ferramentas de hoje nos fazer de idiotas e nos manipular ao bel-prazer.
As histórias de José Pepe Mujica, Mauricio Rosencof (o russo), Eleuterio Huidobro (o Nhato) e seus companheiros têm importância para nós que lutamos por um mundo melhor, mais justo e igualitário, sustentável e solidário.
As histórias de Lula, de Dilma Rousseff, de José Genoino, de Gushiken e tantas outras lideranças do povo brasileiro têm importância para nós. As histórias de nosso movimento sindical têm importância para nós. Pergunto: estamos preservando nossa história e compartilhando ela com as gerações que pertencem ao nosso lado, todos aqueles que não pertencem à casa-grande, ao 1% que domina e destrói tudo? Tenho minhas dúvidas.
Chega de registro e reflexões. Já fiz textos bons e relevantes, já fiz. Quando olho minha produção como dirigente sindical e como gestor de saúde eleito, vejo que produzi conhecimento de qualidade. Mas isso é passado e tenho consciência disso.
O que fazer para que jovens como Mary, da Palestina, e Shiran, de Israel, não tenham que seguir denunciando a fome e a miséria de um povo e a manutenção do ódio uns pelos outros por motivos políticos e ideológicos?
Uma coisa se percebe facilmente. Em praticamente todas as guerras nos últimos dois séculos temos por trás delas os Estados Unidos da América. Todas! Nos golpes no Brasil como o que vivemos hoje. Na questão entre Israel e Palestina. Na ditadura civil-militar que colocou Mujica e o povo uruguaio nas longas noites que duraram anos. Na guerra na Ucrânia.
Fim desses registros de memórias e reflexões sobre o viver.
William (15h05)
Bibliografia:
FILIPOVIC, Zlata e CHALLENGER, Melanie. Vozes roubadas - Diários de guerra. São Paulo, Cia. das Letras, 2008.
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