sábado, 8 de maio de 2021

Ulysses - Telêmaco (A Torre)



Refeição Cultural

"- Quanto, senhor? perguntou a velha.
- Um quartilho, Stephen disse.
Ele a observou que vertia na medida e dali para a jarra gordo leite branco, não seu. Peitos velhos mirrados. Verteu de novo uma medida e uma quebra. Secreta e velha, entrara vinda de um mundo matinal, quem sabe uma mensageira. Louvava a virtude do leite, vertendo. Agachada ao lado de uma vaca paciente na aurora do campo opulento, uma bruxa em seu cogumelo, velozes os dedos enrugados nas tetas que espirravam. Mugiam em volta dela, sua conhecida, gado sedosorvalhado. Seda da grei e pobre velhinha, nomes que ganhara nos tempos antigos. Uma velhusca errante, forma rebaixada de um imortal servindo seu conquistador e seu alegre traidor, ambos adúlteros seus, ela, núncio da manhã secreta. Servir ou vergastar, ele não sabia dizer qual: mas desdenhava implorar seu favor.
" (p. 111)


Neste sábado, iniciei minha epopeia joyceana e embarquei no clássico Ulysses (1922). Começamos a vivenciar o dia 16 de junho de 1904 em Dublin, Irlanda, às 8 horas da manhã, junto a Stephen Dedalus, Leopold Bloom e Molly Bloom.

A cena inicial é na torre, vendo a baía de Dublin lá embaixo. Aparecem os personagens Buck Mulligan, Stephen Dedalus e Haines. O último deles, um inglês, curioso com os seus colonizados. Mulligan cita a famosa cena da mãe de Dedalus, que morreu sem ter seu pedido atendido pelo filho, de ajoelhar e rezar junto ao seu leito de morte. Após o café da manhã, sorvido com o bom leite gordo da cena que citei acima, Dedalus vai para seu trabalho, para a escola onde leciona.

Na escola, uma cena chama a atenção dos leitores: a questão judaica, o preconceito e a raiva evidente que se têm dos judeus, vistas durante o diálogo entre Dedalus e o diretor Deasy. (basta lembrarmos que Joyce escreveu Ulysses na década de 1910. A Europa viveu no período o morticínio da 1ª Guerra e a questão antissemita era um forte traço da época e do mundo ocidental)

Que dizer então do preconceito contra as mulheres? A fala de Deasy sobre as mulheres é pavorosa! Todos os males da humanidade seriam por culpa delas.

"O senhor Deasy baixou a cabeça e segurou por um momento as narinas beliscadas entre os dedos. Erguendo novamente os olhos ele as libertou.
- Eu sou mais feliz do que o senhor, ele disse. Nós cometemos muitos erros e muitos pecados. Uma mulher trouxe o pecado ao mundo. Por uma mulher que não valia um merréis de mel coado, Helena, a esposa fujona de Menelau, por dez anos os gregos guerrearam contra Troia. Uma mulher infiel trouxe os primeiros estrangeiros aqui às nossas praias, a esposa de MacMurrough e seu amásio O'Rourke, príncipe de Breffni. Uma mulher também derrubou Parnell. Muitos erros, muitos fracassos mas não o único pecado. Eu sou um lutador já no fim dos meus dias. Mas vou lutar pelo que é certo até o fim.
" (p. 138)

Parei a leitura da manhã para descansar um pouco e tomar um café. Vou terminar ainda neste sábado à tarde o capítulo 3 - "Proteu" - com o monólogo de Stephen na praia. Já li o capítulo 2 - "Nestor" - que se passa na escola.

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Terminei a leitura do Capítulo 3 por volta das 16 horas. O monólogo interior de Stephen Dedalus foi a parte mais difícil da leitura. 

"Será que eu estou caminhando para a eternidade pela praia de Sandymount? Esmaga, esmigalha, estraga, estrala..." (p. 141)

De fato, ao sair para dar uma corrida, fiquei tentando perceber tudo o que pensamos e é uma loucura, desde o momento em que começamos a prestar atenção até o momento em que não conseguimos acompanhar mais o próprio fluxo de pensamento. Nós somos uns bichos muito esquisitos.

"Que saco essa máscara e esses óculos embaçados. Mas elevador é um dos locais com maior risco de se contrair o vírus maldito... Está friozinho... Não acho que vai chover. Vamos pro lado do Parque... Puta trânsito! Meu, e pensar que já estava correndo 15K e agora voltei a custar correr 5K, que merda isso..."

Dedalus anda pela praia, observa o que acontece ao redor, pensa em eventos do trabalho (a carta do diretor), da família (indo à casa da tia Sara), pensa em si próprio. 

Fiquei pensando também na questão do tempo na literatura. O primeiro capítulo se passa a partir das 8 horas da manhã. Stephen toma café, sai para a escola, dá aula, conversa com o diretor e recebe seu pagamento, e anda pela praia. Iria à casa da tia, mas quando dá por si, já tinha passado do ponto andando pela praia, divagando em seus pensamentos.

Em literatura temos técnicas que aceleram e que retardam o tempo nas narrativas, temos cenas e sumários, temos reminiscências etc. E temos autores que inovam em técnicas narrativas. O monólogo interior ou fluxo de pensamento é uma técnica bastante sofisticada.

"Depositou a meleca seca retirada da narina em uma ponta de pedra, cuidadosamente. De resto olhe quem quiser." (p. 159)

Enfim, o capítulo termina com Stephen tirando meleca do nariz. E disse que não ligava se alguém visse, mas olha imediatamente pra trás preocupado com alguém ver o que acabara de fazer.

Odisseia em andamento (a minha), já que as duas odisseias estão em andamento, a do Odisseu grego (Ulisses) e a do Odisseu irlandês.

William


Post Scriptum: a sequência da leitura está na postagem aqui.


Bibliografia:

JOYCE, James. Ulysses. Tradução de Caetano W. Galindo. 1ª ed. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2012.


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