domingo, 15 de novembro de 2020

9. Ensaio sobre a lucidez - José Saramago



Refeição Cultural - Cem clássicos

"(...) ainda ontem um alto funcionário do ministério do interior nos dizia que a censura bem entendida é como o sol, quando nasce é para todos..." (SARAMAGO, 2004, p. 44)


Li esse clássico de José Saramago, Ensaio sobre a lucidez, em 2008, logo após a releitura do outro ensaio, o Ensaio sobre a cegueira. Assim como o da cegueira, o da lucidez é um livro impressionante! Atemporal.

Estamos em 2020, ano pós pandemia de Covid-19. No caso brasileiro, quinto ano pós golpe de Estado em 2016, golpe que está na origem do fim do Brasil como o conhecíamos há tempos. 

Não há mais democracia desde então. Existem eleições faz de conta. Se os candidatos não forem do agrado da casa grande, elites e máfias locais, eles são impedidos de participar do escrutínio e ou interrompe-se o mandato do político eleito pelo voto popular com algum tipo de lawfare. Meia dúzia de humanos tira o mandato dado por milhares e milhões de pessoas.

Hoje é dia de "eleições" para os parlamentos locais e para prefeitos das cidades. Tudo faz de conta. O voto no Brasil é obrigatório. Os cidadãos que não votarem têm que justificar os motivos. Mas se votarem e seus candidatos forem aqueles que citei, como os de esquerda, seus votos não valem nada, porque os donos do poder cassam eles.

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"(...) ficaríamos a saber se este corte de energia cívica é geral, ou se somos os únicos a quem os eleitores não vieram iluminar com os seus votos." (p. 13)

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Que dilema, não? Se não vota, você está cometendo algum ato contrário às regras do seu país. Se vota, seu voto não vale nada e é alterado pelos donos do poder. Que merda!

O Ensaio sobre a lucidez (escrito em 2004) traz no enredo a questão do voto, da política, da democracia. 

Num determinado dia, dia de eleições locais, os cidadãos simplesmente decidem votar em branco, sem combinarem isso. Entre a primeira e segunda votação, os votos brancos chegam a 83% do total de votos. Instala-se a partir daí o estado de exceção e o autoritarismo do Estado para tentar encontrar o motivo de tal fato.

Eu tive o privilégio de ler os Ensaios de Saramago. Acho uma pena que quase todos vocês não tenham lido, ou por falta de oportunidade, algo plenamente justificável porque lemos muito pouco daquilo que gostaríamos por causa da venda de nossos corpos para sobrevivermos num mundo capitalista; ou não leram por não gostarem de ler, por opção mesmo, o que é lamentável.

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"(...) Não somos robôs nem pedras falantes, senhor agente, disse a mulher, em toda a verdade humana há sempre algo de angustioso, de aflito, nós somos, e não estou a referir-me simplesmente à fragilidade da vida, somos uma pequena e trémula chama que a cada instante ameaça apagar-se, e temos medo, acima de tudo temos medo..." (p. 56)

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Pois é. Votar ou não votar nesse processo faz de conta? A personagem fala em medo. Algum tipo de medo todo mundo tem, senão seria loucura. Tenho medo que a situação desgraçada do Brasil demore muito a mudar, de maneira que nunca mais se recupere alguns direitos para o povo e a soberania do país.

Enfim, me parece que devo ir até lá na seção eleitoral e depositar meu voto nos candidatos do Partido dos Trabalhadores, partido que representa a minha classe social. 

É quase zero o valor do meu voto, sei disso. E não vejo ao meu redor movimento algum que insinue qualquer mudança a partir da consciência das pessoas da minha classe social.

William


Bibliografia:

SAMARAGO, José. Ensaio sobre a lucidez. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.


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