Refeição Cultural
"(Hladik preconizava o verso, porque impede que os espectadores esqueçam a irrealidade, que é condição da arte)" (BORGES, Obras completas, V. 1, Editora Globo, p. 569)
LEITURAS DE BORGES
No texto de Jorge Luis Borges, O milagre secreto, o personagem Jaromir Hladik é um escritor judeu capturado pelos alemães em Praga e é condenado à morte. Ele é preso dia 19 de março de 1939 e será executado em 29 de março.
O narrador nos conta a situação dramática que vive o personagem durante os dez dias no corredor da morte. Borges trabalha a questão do tempo psicológico e o tempo cronológico, descolando um do outro.
Hladik tinha um drama em versos inacabado e aquilo o incomodava muito ao saber que iria morrer. Ele pediu a Deus que lhe desse mais um ano para terminar o romance. Na manhã do dia 29, diante do pelotão de fuzilamento (me lembrei do Buendía de G. G. Márquez), Hladik tem seu pedido atendido por Deus e consegue terminar seu romance.
A estória não deixa de ser interessante e nos coloca a pensar muito sobre o tempo em relação à nossa percepção da realidade no mundo físico e cronológico.
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Qual seria a direção do tempo? Borges especula sobre o tema no texto História da eternidade.
Borges começa dizendo que o mais comum é pensarmos que a direção do tempo vai do passado em direção ao futuro, mas cita Unamuno para dizer que o contrário não é ilógico.
"Uma dessas obscuridades, não a mais árdua nem a mais bela, é a que nos impede de precisar a direção do tempo. Que flui do passado para o futuro é a crença comum, mas não mais ilógica é a contrária, aquela que Miguel de Unamuno gravou em verso espanhol:
Noturno o rio das horas flui
de seu manancial, que é o amanhã
eterno..." (BORGES, Obras completas, V. 1, Editora Globo p. 387)
Em seguida, o escritor argentino emenda outras reflexões sobre o tempo que nos coloca a pensar imediatamente. Que não haveria futuro, em Bradley, ou que não haveria presente, conforme uma escola filosófica indiana.
"Ambas são igualmente verossímeis - e igualmente inverificáveis. Bradley nega as duas e adianta uma hipótese pessoal: excluir o futuro, que é uma simples construção de nossa esperança, e reduzir o 'atual' à agonia do momento presente desintegrando-se no passado (...) Bradley nega o futuro; uma das escolas filosóficas da Índia nega o presente, por considerá-lo inapreensível. 'Ou a laranja está prestes a cair do galho, ou já está no chão', afirmam esses simplificadores estranhos. 'Ninguém a vê cair'." (p. 388)
A eternidade
"Nenhuma das várias eternidades que os homens planejaram - a do nominalismo, a de Ireneu, a de Platão - é agregação mecânica do passado, do presente e do futuro. É algo mais simples e mais mágico: é a simultaneidade desses tempos..." (p. 388)
A sequência da leitura do texto é bem exigente. Demanda leitura repetida dos parágrafos. Borges analisa reflexões de Plotino, de Platão e seu mundo das ideias, dentre outros autores. Complexa a coisa...
Após criticar a base do mundo das ideias com alguns exemplos do tipo "Um capítulo de Schopenhauer não é o papel nas gráficas de Leipzig nem a impressão, nem as delicadezas e perfis da escrita gótica (...) nem sequer a opinião que temos dele" (p. 391), Borges diz:
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"Essas ilustrações ou sofismas podem exortar-nos a tolerar de boa vontade a tese platônica. Vamos formulá-la assim: Os indivíduos e as coisas existem na medida em que participam da espécie que os inclui, que é sua realidade permanente." (p. 391)
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Pausa na leitura, para pôr as ideias no lugar...
William
Bibliografia:
BORGES, Jorge Luis. Obras completas, Volume 1, 1923-1949, Editora Globo.
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