Refeição Cultural
Osasco, Brasil. Num mundo em emergência climática
A leitura de Educação como prática da liberdade foi motivada por participar de um curso do ICL: "Paulo Freire: Educar e Esperançar".
O estudo é mais uma oportunidade de novos conhecimentos na área da Educação com origem no Instituto Conhecimento Liberta (ICL).
A edição que tenho é a 15a edição da editora Paz e Terra, de 1984. Pierre Furter faz uma apresentação da obra nas orelhas da capa da edição.
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1o texto
EDUCAÇÃO E POLÍTICA - Francisco C. Weffort
Reflexões sociológicas sobre uma pedagogia da Liberdade
Weffort situa o leitor sobre o contexto de confecção do livro de Freire: "(...) escrito, depois da queda do governo Goulart, nos intervalos das prisões e concluído no exílio..."
Weffort explica que Paulo Freire teve menos tempo do que gostaria para sistematizar suas teorias porque esteve o tempo todo na luta pela alfabetização e redemocratização, mesmo no exílio. A sistematização só veio depois.
Esta obra de Paulo Freire seria, segundo Weffort, um "ensaio educacional" não acabado de todo, pois "é do estilo deste pensamento unido à prática encontrar-se em constante reformulação e desenvolvimento". Mas é obra sistemática sobre a pedagogia de Freire.
Esta obra é considerada por Weffort também uma pedagogia que pode ser aplicada aos movimentos de educação popular em diversas comunidades e países, mesmo sendo marcada pelas condições históricas brasileiras à época da confecção da mesma.
"Não seria ilegítimo pretender que esta visão educacional diga algo verdadeiro para todos os povos dominados do Terceiro Mundo." (Weffort)
- Base para uma educação como prática da liberdade: o diálogo, o respeito à liberdade dos educandos, que são "alfabetizandos" e nunca "analfabetos".
- Um princípio essencial: a alfabetização e a conscientização jamais se separam.
"Estamos perante uma pedagogia para homens livres" (Weffort)
- O que fundamentalmente importa é que os educandos - pessoas reais do povo - se reconheçam a si próprios, no transcurso da discussão, como criadores de cultura.
Weffort nos conta sobre as experiências de alfabetização de adultos no Nordeste por Paulo Freire antes do golpe de Estado de 1964. A elite da casa-grande viu com preocupação aquilo e passou a inventar um vínculo inexistente de Freire com o comunismo. A alfabetização era o foco do educador, educação libertadora, claro!
- Muito interessante o apanhado histórico feito por Weffort sobre a educação no Brasil no século 20 e o quanto era estratégico para a classe dominante manter o povo analfabeto e fora da participação política nas eleições. Ele pontua o período anterior e posterior a "Revolução de 1930". Depois chega ao golpe de 1964 contra Goulart.
Weffort termina sua reflexão comentando como os políticos, inclusive de oposição aos representantes da classe dominante, viram a alfabetização como fator de participação política dos pobres como massa de manobra.
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2o texto
ESCLARECIMENTO - Paulo Freire
Neste texto, o educador reafirma seus compromissos com uma educação libertadora em oposição a uma educação alienante.
- "A educação das massas se faz, assim, algo de absolutamente fundamental entre nós. Educação que, desvestida da roupagem alienada e alienante, seja uma força de mudança e de libertação. A opção por isso, teria de ser também, entre uma 'educação' para a 'domesticação', para a alienação, e uma educação para a liberdade. 'Educação' para o homem-objeto ou educação para o homem-sujeito."
Freire explica seus objetivos de educador:
"Expulsar esta sombra (da opressão) pela conscientização é uma das fundamentais tarefas de uma educação realmente libertadora e por isto respeitadora do homem como pessoa. "
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3o texto (Leitura finalizada em 01/10/23)
A SOCIEDADE BRASILEIRA EM TRANSIÇÃO - Paulo Freire
O educador começa nos explicando que o homem além de estar no mundo, ele está com o mundo.
"Estar com o mundo resulta de sua abertura à realidade, que o faz ser o ente de relações que é."
HOMEM-SUJEITO - Na página 42 da minha edição, Paulo Freire insiste na importância das pessoas se colocarem no mundo como sujeitos e não como objetos, explicando que não devemos nos acomodar aos contextos e sim atuar para alterar os contextos.
RADICAL X SECTÁRIO - Paulo Freire constrói de forma excepcional os conceitos das coisas. Ao elogiar o radical e diferenciá-lo do sectário, como seu oposto, o educador nos coloca a pensar a respeito de nossa posição no mundo.
Sectarismo: "A sectarização tem uma matriz preponderantemente emocional e acrítica. É arrogante, antidialogal e por isso anticomunicativa. É reacionária, seja assumida por direitista, que para nós é um sectário de 'nascença', ou esquerdista."
Radical: "Para o radical, que não pode ser um centrista ou um direitista, não se detém nem se antecipa a História, sem que se corra o risco de uma punição. Não é mero espectador do processo, mas cada vez mais sujeito, na medida em que, crítico, capta suas contradições. Não é também seu proprietário. Reconhece, porém, que, se não pode deter nem antecipar, pode e deve, como sujeito, com outros sujeitos, ajudar e acelerar as transformações, na medida em que conhece para poder interferir."
Paulo Freire nos explica que o assistencialismo pode nos levar à postura de sujeitos-objetos.
Assistencialismo: "O assistencialismo, ao contrário, é uma forma de ação que rouba ao homem condições à consecução de uma das necessidades fundamentais de uma alma - a responsabilidade, 'A satisfação desta necessidade', afirma Simone Weil, referindo-se à responsabilidade, 'exige que o homem tenha de tomar a miúdo decisões em problemas, grandes ou pequenos, que afetam interesses alheios aos seus próprios, com os quais, porém, se sente comprometido'."
Sem vivenciar a responsabilidade, não se experimenta a liberdade e sim a domesticação.
As explicações de Freire sobre as fases de transitividade das pessoas são incríveis! Da página 59 adiante ele discorre a respeito. Fica fácil entender por que a maioria das pessoas, as massas, ainda apreendem somente suas necessidades biológicas... Não tiveram o despertar da educação dialogal crítica e libertadora.
Coisas complexas devem ser analisadas de forma complexa e não simplória (p. 61): "Pela substituição de explicações mágicas por princípios causais."
Este capítulo é profundo! Ao final, Freire nos alertou para o perigo de se sair da intransitividade fechada para a transitividade ingênua e ali ficar, sem alcançar uma transitividade crítica. Disse que nos encontrávamos neste momento quando sofremos o golpe civil-militar de 1964.
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4º texto (Leitura em 04/10/23)
SOCIEDADE FECHADA E INEXPERIÊNCIA DEMOCRÁTICA - Paulo Freire
É interessante como Paulo Freire apresenta explicações para nosso jeito antidemocrático e autoritário de ser a partir da invasão portuguesa e do uso comercial e exploratório das terras do Brasil.
Os afetos ficaram lá na metrópole, para onde se desejava voltar após explorar aqui. Nunca o amor à nossa terra fez parte da colonização portuguesa.
Profundo isso! Até hoje é assim: a elite canalha brasileira ama o que é de fora e odeia tudo (d)aqui.
Que foda isso!
Ao falar da falta de "dialogação", do mutismo do povo perante a violência e domínio do mundo pelos poderosos das grandes extensões de terra e casas-grandes, Freire explica a nossa inexperiência democracia:
"Esta foi, na verdade, a constante de toda a nossa vida colonial. Sempre o homem esmagado pelo poder. Poder dos senhores das terras. Poder dos governadores-gerais, dos capitães-gerais, dos vice-reis, do capitão-mor. Nunca, ou quase nunca, interferindo o homem na constituição e na organização da vida comum." (p. 74)
COPIAR MODELOS DE DEMOCRACIA SEM A PARTICIPAÇÃO DO POVO NÃO DÁ CERTO
"Importávamos o estado democrático não apenas quando não tínhamos nenhuma experiência de autogoverno, inexistente em toda a nossa vida colonial, mas também e sobretudo quando não tínhamos ainda condições capazes de oferecer ao 'povo' inexperimentado, circunstâncias ou clima para as primeiras experiências verdadeiramente democráticas. Superpúnhamos a uma estrutura economicamente feudal e a uma estrutura social em que o homem vivia vencido, esmagado e 'mudo', uma forma política e social cujos fundamentos exigiam, ao contrário do mutismo, a dialogação, a participação, a responsabilidade, política e social. A solidariedade social e política, também, a que não poderíamos chegar, tendo parado, como paráramos, na solidariedade privada, revelada numa ou noutra manifestação como o 'mutirão'." (79)
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5º texto (Leitura em 08/10/23)
EDUCAÇÃO VERSUS MASSIFICAÇÃO - Paulo Freire
"Ora, a democracia e a educação democrática se fundam ambas, precisamente, na crença no homem. Na crença em que ele não só pode mas deve discutir os seus problemas. Os problemas do seu País. Do seu Continente. Do mundo. Os problemas do seu trabalho. Os problemas da própria democracia." (p. 96)
Gostei de alguns temas tratados por Paulo Freire neste capítulo. Um deles o risco do excesso de especialização em oposição a um conhecimento geral, com a possibilidade de deixar as pessoas alienadas do mundo real e material.
Sobre a questão da racionalidade e razão, Freire cita Popper para esclarecer o que ele quer dizer com razão ou racionalismo de Sócrates (nota 55 da minha edição, à p. 90):
"Ao usarmos a expressão racionalidade ou racionalismo, fazemos nossas as palavras de Popper: 'O que chamo de verdadeiro racionalismo é o racionalismo de Sócrates. É a consciência das próprias limitações, a modéstia intelectual dos que sabem quantas vezes erram e quanto dependem dos outros até para esse conhecimento.'."
A REBELIÃO COMO OPORTUNIDADE: "Entendíamos a rebelião como um sintoma de ascensão, como uma introdução à plenitude. Por isso mesmo é que nossa simpatia pela rebelião não poderia ficar nunca nas suas manifestações preponderantemente passionais. Pelo contrário, nossa simpatia estava somada a um profundo senso de responsabilidade que sempre nos levou a lutar pela promoção inadiável da ingenuidade em criticidade. Da rebelião em inserção." (p. 92)
TEORIA DE VERDADE É O QUE NÓS PRECISAMOS: "De teoria, na verdade, precisamos nós. De teoria que implica numa inserção na realidade, num contato analítico com o existente, para comprová-lo, para vivê-lo plenamente, praticamente. Neste sentido é que teorizar é contemplar. Não no sentido destorcido que lhe damos, de oposição à realidade. De abstração. Nossa educação não é teórica porque lhe falta esse gosto da comprovação, da invenção, da pesquisa. Ela é verbosa. Palavresca. É 'sonora'. É 'assistencializadora'. Não comunica. Faz comunicados, coisas diferentes." (p. 93)
Ao longo do capítulo, Freire vai nos ensinando a diferença da educação que liberta, que nos leva a consciência transitivo-crítica, ao invés da educação do palavrório oco, do blá blá blá, que direciona o estudante para a consciência ingênua. A educação bancária, que só deposita conceitos e não envolve o estudante para a tomada de consciência e posição na sua realidade.
A TÉCNICA NÃO PODE OBLITERAR A VISÃO GERAL DAS PESSOAS: Passei minha vida de dirigente sindical e representante de classe tentando explicar isso para as pessoas, que a técnica não pode virar algo sagrado (mito), que cega a visão política que todos nós devemos ter das coisas.
Freire cita na nota 64, à p. 97, sobre isso: "Sir Richard Livingston, em Some Thoughts on University Education, adverte-nos deste perigo, sugerindo uma educação técnica e específica que não oblitere a visão total do homem..."
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6º texto (Leitura em 09/10/23)
EDUCAÇÃO E CONSCIENTIZAÇÃO - Paulo Freire
Neste capítulo, Freire nos conta das experiências educativas do Recife, que balizaram as pedagogias desenvolvidas pelo educador.
"A consciência crítica 'é a representação das coisas e dos fatos como se dão na existência empírica. Nas suas correlações causais e circunstanciais'. 'A consciência ingênua (pelo contrário) se crê superior aos fatos, dominando-os de fora e, por isso, se julga livre para entendê-los conforme melhor lhe agradar'." (Citando Vieira Pinto, nota 5, p. 105)
CONSCIÊNCIA CRÍTICA x FANATISMO: "Por isso é que é próprio da consciência crítica a sua integração com a realidade, enquanto que da ingênua o próprio é sua superposição à realidade. Poderíamos acrescentar dentro das análises que fizemos no primeiro capítulo, a propósito da consciência, finalmente que para a consciência fanática, cuja patologia da ingenuidade leva ao irracional, o próprio é a acomodação, o ajustamento, a adaptação. " (p. 106)
CULTURA: "Que cultura é a poesia dos poetas letrados de seu País, como também a poesia de seu cancioneiro popular. Que cultura é toda criação humana." (p. 109)
Nas páginas seguintes, o educador explica como se deve pesquisar as palavras geradoras e os temas ligados à vida e rotina dos educandos para se preparar as aulas de alfabetização e de conscientização crítica.
Quase no fim, ao analisar o golpe de Estado de 1964 e os porquês das acusações falsas que passaram a fazer contra si e contra a pedagogia que desenvolvia, Paulo Freire explica o medo que a elite e os milico tinham da conscientização do povo.
"PROPAGANDA IDEOLÓGICA OU POLÍTICA" (MEDO DA "PERIGOSA" CONSCIENTIZAÇÃO)
"Nas campanhas que se faziam e se fazem contra nós, nunca nos doeu nem nos dói quando se afirmava e afirma que somos 'ignorantes', 'analfabetos'. Que somos 'autor de um método tão inócuo que não conseguiu, sequer, alfabetizá-lo (ao autor)'. Que não fomos o 'inventor' do diálogo, nem do método analítico-sintético, como se alguma vez tivéssemos feito afirmação tão irresponsável. Que 'nada de original foi feito' e que apenas fizemos 'um plágio de educadores europeus ou norte-americanos. E também de um professor brasileiro, autor de uma cartilha...'. Aliás, a respeito de originalidade sempre pensamos com Dewey, para quem 'a originalidade não está no fantástico, mas no novo de coisas conhecidas'.
Nunca nos doeu nem nos dói nada disto. O que nos deixa perplexos é ouvir ou ler que pretendíamos 'bolchevizar o País', com 'um método que não existia'... A questão, porém, era bem outra. Suas raízes estavam no trato que déramos, bem ou mal, ao problema da alfabetização, de que retiráramos o aspecto puramente mecânico, associando-o à 'perigosa' conscientização. Estava em que encarávamos e encaramos a educação como um esforço de libertação do homem e não como um instrumento a mais de sua dominação." (Nota 24, p. 121/122)
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7º texto
APÊNDICE
Nesta última parte do livro, nos é apresentado os materiais de trabalho de Paulo Freire e equipe com a alfabetização de adultos. "(...) apresentamos, agora, em apêndice, as situações existenciais que possibilitam a apreensão do conceito de cultura, acompanhadas de alguns comentários. Pareceu-nos igualmente interessante apresentar as 17 palavras geradoras que constituíram o curriculum dos Círculos de Cultura do Estado do Rio e da Guanabara."
No apêndice temos os desenhos feitos por Vicente de Abreu em substituição aos originais do pintor Francisco Brenand, tomados de Paulo Freire.
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COMENTÁRIO FINAL
O estímulo para pegar este livro que tinha na estante de casa e finalmente lê-lo foi devido ao curso "Paulo Freire: Educar e Esperançar" que fiz no Instituto Conhecimento Liberta (ICL). Valeu a pena!
Se ainda conheço pouco sobre o educador e intelectual Paulo Freire, posso dizer que conheço um pouquinho mais hoje do que ontem. E assim seguimos estudando e aprendendo novos saberes.
Enquanto puder, seguirei lendo, pensando e escrevendo.
William
Bibliografia:
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 15ª edição, Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1984.
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