Refeição Cultural
Osasco, 22 de setembro de 2023. Sexta-feira.
"A tessitura deste livro, que é também uma convocação à amazonização do mundo, para muito além do território geográfico da Amazônia, tem uma proposta explícita: é tempo — e talvez a última oportunidade de tempo — de escutar aqueles que foram chamados de bárbaros, aqueles que foram relegados à condição de sub-humanidades no processo colonizador que ao longo dos séculos só mudou de estética, mas não de ética. Escutar não por condescendência nem por compaixão, mas por derradeiro instinto de sobrevivência. E, talvez, se tivermos sorte, aqueles cujas vidas foram tantas vezes destruídas pelos que se autodenominam civilizados aceitem nos ensinar a viver depois do fim do mundo, apesar de tudo o que fizemos contra seus corpos." (from "Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo" by Eliane Brum)
A catarse ao ler Eliane Brum
Começo esta reflexão com uma definição simples do que seria a palavra catarse, para dizer que vivencio uma catarse ao estar lendo o livro Banzeiro òkòtó, da jornalista e escritora Eliane Brum. Tirei a definição da Wikipedia.
- Catarse (do grego κάθαρσις, kátharsis, "purificação", derivado de καϑαίρω, "purificar") é uma palavra utilizada em diversos contextos, como a tragédia, a medicina ou a psicanálise. Significa "purificação", "evacuação" ou "purgação". Segundo Aristóteles, a catarse refere-se à purificação das almas por meio de uma descarga emocional provocada por um trauma.
Ou seja, é preciso que o herói trágico passe da "felicidade" para a "infelicidade" para que o espectador possa atingir a catarse. Por exemplo: Édipo Rei começa a história como rei de Tebas e, no fim, se cega e se exila. Ou a tragédia Romeu e Julieta, de Shakespeare, na qual os dois protagonistas fazem parte da elite da cidade e são mortos pelo seu amor proibido.
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A leitura desta obra da jornalista e escritora Eliane Brum foi motivada pela participação no curso "13 livros para compreender o Brasil", do Instituto Conhecimento Liberta (ICL). Fiz o curso meses atrás e estou no processo de leitura dos livros apresentados e debatidos no curso (comentário aqui).
A cada capítulo que leio, experimento a descarga emocional e o impacto causado pela catarse gerada em mim ao ler o que a autora compartilha conosco. É impressionante! Para entender a questão que ela está tratando, temos que rever nossos conceitos e visões de mundo, reaprender a ver as coisas da realidade.
No capítulo que li hoje pela manhã - "povos-floresta: a aliança de entes e entres" - a escritora nos ensina a rever os conceitos de propriedade, de o que pertence ao que e o que somos quando se trata de pensar a natureza.
Por causa de meus estudos e buscas pessoais recentes já tenho utilizado em meus textos esta denominação "natureza" para nos lembrar o que somos: natureza.
No entanto, Brum organiza metodicamente os porquês para entendermos o que somos e por que somos o que somos: natureza.
Na sequência de citações abaixo, podemos entender um pouco do que Eliane Brum nos explica:
"Agora que quilombolas e beiradeiros já foram aqui apresentados e se enfileiram ao lado dos diferentes grupos indígenas na composição humana da floresta, eu paro de chamá-los de “povos da floresta” e passo a me referir a eles como povos-floresta. Considero que, a partir deste momento, já é possível compreender primeiro o mais óbvio, uma das premissas deste livro: o fato de que a floresta não pertence a eles (nem a ninguém), por isso jamais usei “a floresta dos povos”. Inclusive por uma impossibilidade lógica e conceitual que se expressa na linguagem: quando a floresta passa a pertencer às pessoas humanas, no sentido da propriedade, ela já não é mais floresta. A propriedade pressupõe a aniquilação do corpo. Assim, o que pode pertencer a humanes não é mais floresta, mas suas ruínas. O que pode pertencer a humanes é campo de soja, pasto para boi, hidrelétrica, ferrovia e rodovia. A floresta é, por definição, constante intercâmbio. Ela é tanto plantada por pessoas humanas e não humanas quanto também as planta. O conceito de propriedade é tão estranho como incompatível com a floresta. Ao ser submetido a ele, a floresta torna-se um não ser." (from "Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo" by Eliane Brum)
e também:
"Povos da floresta implica que são os povos que pertencem à floresta, e não a floresta que pertence aos povos. A crase no “a” faz toda a diferença. Para ser considerado e reconhecido como povo da floresta é preciso encarnar duas transgressões ao sistema capitalista. A primeira é que não se trata de propriedade, mas de pertencimento, o que é radicalmente diverso. A segunda é que aqueles que pertencem à terra são as pessoas humanas — e não o contrário." (from "Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo" by Eliane Brum)
Amig@s leitores, repito a vocês: cada capítulo é uma catarse para o leitor atento.
A cada leitura que tenho feito no meu percurso recente de leituras e estudos, mais adquiro uma espécie de consciência do quanto somos partículas, átomos, grãos de algo muito grande. Sinto impotência e ao mesmo tempo necessidade de saber algo a mais, na esperança de ao menos me tornar um ser consciente do que é.
Sigamos lendo, refletindo e sugerindo que as pessoas recuperem a curiosidade que nos trouxe até aqui, curiosidade filosófica que chegamos a ter enquanto espécie animal em nosso caminhar de milhões de anos e que está ameaçada ao nos tornarmos zumbis digitais, baterias da matrix que nos capturou talvez como nunca antes na história humana.
William
Bibliografia:
BRUM, Eliane. Banzeiro òkòtó - Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo. Companhia das Letras, 2021.
Na sequência de citações abaixo, podemos entender um pouco do que Eliane Brum nos explica:
"Agora que quilombolas e beiradeiros já foram aqui apresentados e se enfileiram ao lado dos diferentes grupos indígenas na composição humana da floresta, eu paro de chamá-los de “povos da floresta” e passo a me referir a eles como povos-floresta. Considero que, a partir deste momento, já é possível compreender primeiro o mais óbvio, uma das premissas deste livro: o fato de que a floresta não pertence a eles (nem a ninguém), por isso jamais usei “a floresta dos povos”. Inclusive por uma impossibilidade lógica e conceitual que se expressa na linguagem: quando a floresta passa a pertencer às pessoas humanas, no sentido da propriedade, ela já não é mais floresta. A propriedade pressupõe a aniquilação do corpo. Assim, o que pode pertencer a humanes não é mais floresta, mas suas ruínas. O que pode pertencer a humanes é campo de soja, pasto para boi, hidrelétrica, ferrovia e rodovia. A floresta é, por definição, constante intercâmbio. Ela é tanto plantada por pessoas humanas e não humanas quanto também as planta. O conceito de propriedade é tão estranho como incompatível com a floresta. Ao ser submetido a ele, a floresta torna-se um não ser." (from "Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo" by Eliane Brum)
e também:
"Povos da floresta implica que são os povos que pertencem à floresta, e não a floresta que pertence aos povos. A crase no “a” faz toda a diferença. Para ser considerado e reconhecido como povo da floresta é preciso encarnar duas transgressões ao sistema capitalista. A primeira é que não se trata de propriedade, mas de pertencimento, o que é radicalmente diverso. A segunda é que aqueles que pertencem à terra são as pessoas humanas — e não o contrário." (from "Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo" by Eliane Brum)
Amig@s leitores, repito a vocês: cada capítulo é uma catarse para o leitor atento.
A cada leitura que tenho feito no meu percurso recente de leituras e estudos, mais adquiro uma espécie de consciência do quanto somos partículas, átomos, grãos de algo muito grande. Sinto impotência e ao mesmo tempo necessidade de saber algo a mais, na esperança de ao menos me tornar um ser consciente do que é.
Sigamos lendo, refletindo e sugerindo que as pessoas recuperem a curiosidade que nos trouxe até aqui, curiosidade filosófica que chegamos a ter enquanto espécie animal em nosso caminhar de milhões de anos e que está ameaçada ao nos tornarmos zumbis digitais, baterias da matrix que nos capturou talvez como nunca antes na história humana.
William
Bibliografia:
BRUM, Eliane. Banzeiro òkòtó - Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo. Companhia das Letras, 2021.
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