Spleen - Baudelaire
Lembro-me mais do que se eu tivesse mil anos.
Um grande contador cheio de antigos planos,
Versos, cartas de amor, autos, literaturas,
Um cacho de cabelo enrolado em facturas,
Não tem segredos como o meu cérebro inquieto.
É uma pirâmide, um jazigo amplo e repleto:
Não há fossa comum que mais mortos possua.
- Eu sou um cemitério odiado pela lua,
Onde, como remorsos maus, vermes compridos
Andam sempre a atacar meus mortos mais queridos.
Sou como um camarim em que há rosas fanadas,
Toda uma confusão de modas já passadas,
Gravuras de Boucher que ainda aspiram decerto
O perfume sutil de um velho frasco aberto.
Nada é igual ao torpor desses trôpegos dias,
Quando, ao peso das cãs de antigas invernias,
O tédio, a morna falta de curiosidade,
Assume as proporções da própria eternidade.
- Doravante hás de ser, matéria viva! o escombro
De um granito que causa em torno um vago assombro
Perdido nos confins de um Saara brumoso!
Velha esfinge que o mundo ignora, descuidoso,
Esquecida no mapa, e de um feroz desgosto,
Que só sabe cantar aos clarões do sol-posto.
Vocabulário: Guilherme de Almeida, nas explicações em notas sobre o poema:
Spleen: "Aí, Baudelaire, como num intencional descaso - a dar mesmo ideia de 'spleen', isto é, de indiferença e desânimo..."
Contador: "o velho e nobre móvel tão nosso"
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Recriação em português por Guilherme de Almeida
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COMENTÁRIO:
Me identifiquei com o Eu-lírico do poema, deste spleen de Baudelaire.
A 2a estrofe, da comparação do móvel velho cheio de coisas em relação ao cérebro com mais coisas ainda, serviu para meu momento atual.
Meu cérebro, minha pirâmide, meu jazigo.
"Nada é igual ao torpor desses trôpegos dias,"
E quando penso na falta de consideração dos dias...
"Velha esfinge que o mundo ignora, descuidoso,"
Enfim, terminando o livro de Guilherme de Almeida, já não serei um total ignorante em Baudelaire.
William
Bibliografia:
ALMEIDA, Guilherme de. Flores das "Flores do Mal" de Baudelaire. Introdução de Manuel Bandeira. Carvões de Quirino. Ilustrações de Rodin. Clássicos de Bolso, Ediouro/20349.
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