quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Leitura de poesia (52) - A ingaia ciência, Drummond



A INGAIA CIÊNCIA - DRUMMOND 


A madureza, essa terrível prenda

que alguém nos dá, rapando-nos, com ela,

todo sabor gratuito de oferenda

sob a glacialidade de uma estela,


a madureza vê, posto que a venda

interrompa a surpresa da janela,

o círculo vazio, onde se estenda,

e que o mundo converte numa cela.


A madureza sabe o preço exato

dos amores, dos ócios, dos quebrantos,

e nada pode contra a sua ciência


e nem contra si mesma. O agudo olfato,

o agudo olhar, a mão, livre de encantos,

se destroem no sonho da existência. 


Do livro Claro enigma, de 1951.

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COMENTÁRIO:

Ao pesquisar o sentido da palavra "ingaia" apurei que ela é criação poética de Drummond.

Como gaia seria uma referência à "mãe-terra" ou á vida, ou ainda à existência da vida etc, então poderia interpretar o título do poema, mais ou menos, como a ciência por trás da experiência do viver, considerando que o poeta vai abordar questões relativas à perda da inocência com a "madureza" do envelhecimento.

Drummond poderia também estar fazendo alguma referência à obra de Nietzsche "A gaia ciência", de 1882.

Interpretando um pouco as imagens do poema, diria que o eu-lírico nos transmite sua ideia a respeito do peso da experiência que se adquire com a idade, diminuindo na pessoa madura, com mais "ciência", os encantos e esperanças com as coisas simples que a natureza sob os céus ("glacialidade de uma estela") nos disponibiliza gratuitamente como os amores, os ócios e os quebrantos do experimentar viver.

Caramba, mais ou menos, hoje estou assim como o eu-lírico descreve a madureza...

Sigamos, pois a cada amanhecer, o mundo e a vida nos concedem oportunidades e novidades - "todo sabor gratuito de oferenda" - para esperançar até com as belezas da própria natureza.

William


ANDRADE, Carlos Drummond. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 3ª edição - Rio de Janeiro: BestBolso, 2010.


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