Legado - Carlos Drummond de Andrade
Que lembrança darei ao país que me deu
tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu
minha incerta medalha, e a meu nome se ri.
E mereço esperar mais do que os outros, eu?
Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.
Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu,
a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.
Não deixarei de mim nenhum canto radioso,
uma voz matinal palpitando na bruma
e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.
De tudo quanto foi meu passo caprichoso
na vida, restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia em meio do caminho.
Do livro Claro Enigma, 1951.
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COMENTÁRIO:
Depois de conhecer os seis primeiros livros de meu poeta preferido, Drummond, iniciei a leitura do sétimo livro dele: Claro Enigma (1951).
"Que lembrança darei ao país que me deu
tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?"
Essa pergunta inicial me pegou logo de cara. E o eu-lírico já tascou sua resposta ao final: a pedra, a sua pedra no caminho...
"De tudo quanto foi meu passo caprichoso
na vida, restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia em meio do caminho."
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