quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Leitura - O Nome da Rosa - Umberto Eco (1)



Refeição Cultural 

Quinta-feira, 23 de janeiro de 2025.


"Porque esta é uma história de livros, não de misérias quotidianas, e a sua leitura pode nos inclinar a recitar, com o grande imitador de Kempis: 'In omnibus requiem quaesivi, et nusquam inveni nisi in angulo cum libro' - 5 de janeiro de 1980*." (p. 16)

*Procurei descanso em tudo e não encontrei em lugar nenhum senão num canto com um livro (tradutor do Google)


São tantos os clássicos que não conheço ainda que fico meio perdido quando penso na escolha de um livro para me sentar num canto do mundo e descansar. 

Descansar do ódio da política dos homens. Descansar da falta de consideração. Descansar das mentiras como armas fascistas na guerra de dominação. 

Um livro para descansar a alma, para alimentar a alma e dar algum sentido na aventura humana. 

Das várias lacunas culturais, escolhi desta vez o clássico de Umberto Eco: O Nome da Rosa, de 1980.

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RESENHA DURANTE A LEITURA 

Divisões do tempo: cada dia na abadia ou mosteiro onde se passa a história é dividido em períodos determinados do dia: Matinas (de 2h30 a 3h), Laudes (entre 5 e 6h), Primeira (em torno de 7h30), Terceira (por volta de 9h), Sexta (meio-dia), Nona (14 a 15h), Véspera (16h30 ou perto do pôr do sol) e Completas (em torno das 18h, até umas 19h).

O livro começa com os seguintes textos: "Um manuscrito, naturalmente", "Nota" e o "Prólogo".

Pelos textos iniciais, o leitor fica sabendo que vai ler os relatos de Dom Adson (ou Adso) de Melk, do século XIV, sobre a missão do frade franciscano inglês Guilherme de Baskerville em uma abadia italiana. Adso era seu ajudante.

"(...) Quanto à época em que se desenvolvem os eventos descritos, estamos em fins de novembro de 1327; quando porém tenha escrito o autor é incerto. Calculando que se diz noviço em 1327 e já próximo da morte quando escreve suas memórias, podemos conjecturar que o manuscrito tenha sido elaborado nos últimos dez ou vinte anos do século XIV" (p. 14)

O livro é dividido em partes representadas pelos dias: primeiro dia, segundo dia etc.

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PRIMEIRO DIA

O frei Guilherme de Baskerville e seu ajudante Adso de Melk vão a uma abadia para investigar a estranha morte de um monge, Adelmo de Otranto.

Depois, o leitor fica sabendo que frei Guilherme está incumbido de organizar na abadia um encontro "diplomático" entre representações do imperador e do papa. (A partir da p. 172)

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CENA DE LEITURA: Li o começo da obra sob o silêncio da madrugada, na Colônia do Sinpro da Praia Grande, a descrição feita por Adso de Melk sobre a primeira visita dele e do frei Guilherme de Baskerville à igreja da abadia. 

Enquanto Adso descrevia uma cena demoníaca em pinturas e esculturas, eu ouvia vez por outra os medonhos sons da noite... 

O livro me apresentava os personagens Salvatore e o monge Ubertino de Casale. (p. 66)

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Na cena de leitura acima, faltou dizer que, de vez em quando, uma coruja começava a piar sem parar... São os sons da noite.

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Diálogo entre frei Guilherme e Ubertino

Inquisição - Foi um debate interessante. Sobre influências do demônio e inquisições. Guilherme era inquisidor e desistiu da função. Ubertino era a favor de queimar na fogueira algumas pessoas inocentadas por Guilherme. 

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Frei Guilherme e Adso conhecem o bibliotecário Malaquias de Hildeshein e seu ajudante, Berengário de Arundel, no scriptorium. Antes, conversaram com o padre herborista Severino de Sant'Emmerano (p. 85 adiante).

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Já no fim do primeiro dia (Vésperas), frei Guilherme faz uma discussão com o vidreiro Nicola de Morimondo muito interessante sobre a ciência na mão de pessoas não sábias. (A partir da p. 106)

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SEGUNDO DIA

O segundo dia na abadia começou com a descoberta de mais um corpo - o monge Venâncio de Salvamec -, encontrado de cabeça para baixo numa pocilga de sangue de porcos.

Há um bom resumo da conversa do dia anterior, que contou com a participação do falecido monge Venâncio, na p. 136 da minha edição. É citada, nos debates, a obra "Poética", de Aristóteles.

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O RISO - Debate entre frei Guilherme de Baskerville e o ancião cego Jorge de Burgos sobre o gênero comédia e o riso (p. 158):

Jorge: "(...) O riso sacode o corpo, deforma as linhas do rosto, torna o homem semelhante ao macaco."

Guilherme: "Os macacos não riem, o riso é próprio do homem, é sinal de sua racionalidade."

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GUERRA É GUERRA: Na p. 182, o abade diz não se importar com o assassinato de toda uma comunidade por suspeita de heresia.

"(...) E, quanto aos hereges, também tenho uma regra, e se resume na resposta que deu Arnaldo Amalrico, abade de Citeaux, a quem lhe perguntava o que fazer dos cidadãos de Béziers, cidade suspeita de heresia: matai-os todos, Deus reconhecerá os seus."

Frei Guilherme relembrou, constrangido, que foram mortos quase vinte mil pessoas a fio de navalha  incluindo mulheres e crianças... depois a cidade foi saqueada. 

(COMENTÁRIO: Alguma semelhança com um certo massacre atual numa terra chamada Faixa de Gaza, Palestina?)

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NOS LABIRINTOS DA BIBLIOTECA 

"(...) Este lugar de sabedoria proibida é protegido por muitos e sapientíssimos achados. A ciência usada para ocultar, ao invés de iluminar. Não me agrada. Um mente perversa preside à santa defesa da biblioteca..." (p. 206)


O segundo dia chegou ao fim. Frei Guilherme e Adso visitaram a biblioteca da abadia no meio da noite. 

Quase ficaram perdidos por lá em seus labirintos. 

Ao voltarem do primeiro escrutínio à biblioteca, às escondidas, encontram o abade naquela madrugada (matinas). O abade diz que Berengário, o ajudante do bibliotecário, está desaparecido.

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Frases para reflexão 

A EFEMERIDADE DAS COISAS E DA VIDA

"(...) Nada é mais fugaz que a forma exterior, que perde o viço e muda como as flores do campo com o aparecimento do outono." (p. 25)

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O DIABO PODE TENTAR A TODOS 

"'Mesmo um inquisidor pode ser impelido pelo diabo', disse Guilherme." (p. 44)

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A BIBLIOTECA DA ABADIA 

"Sei que tem mais livros que qualquer outra biblioteca cristã. Sei que diante de vossas estantes as de Bobbio ou de Pomposa, de Cluny ou de Fleury parecem o quarto de um menino que mal se inicia no ábaco. Sei que os seis mil códices de que se vangloriava Novalesa há mais de cem anos são poucos diante dos vossos, e talvez muitos deles agora estejam aqui. Sei que a vossa abadia é a única luz que a cristandade pode opor às trinta e seis bibliotecas de Bagdá, aos dez mil códices do vizir Ibn al-Alkami, que o número de vossas bíblias iguala-se aos dois mil e quatrocentos corões de que dispõe o Cairo, e que a realeza de vossas estantes é luminosa evidência contra a soberba lenda dos infiéis que há anos queriam (íntimos que são do príncipe da mentira) a biblioteca de Trípoli rica em seis milhões de volumes e habitada por oitenta mil comentadores e duzentos escribas." (p. 51)

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AINDA A BIBLIOTECA DA ABADIA 

O abade não quer permitir o acesso de frei Guilherme de Baskerville. A biblioteca é tão protegida que só o bibliotecário a conhece.

"(...) Somente o bibliotecário, além de saber, tem o direito de mover-se no labirinto dos livros, somente ele sabe onde encontrá-los e onde guardá-los, somente ele é responsável pela sua conservação (...) Porque nem todas as verdades são para todos os ouvidos, nem todas as mentiras podem ser reconhecidas como tais por uma alma piedosa, e os monges, por fim, estão no scriptorium para levar a cabo uma obra precisa, para a qual devem ler alguns e não outros volumes, e não para seguir qualquer insensata curiosidade que porventura os colha, quer por fraqueza da mente, quer por soberba, quer por sugestão diabólica." (p. 54)

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MAGIAS DE DEUS E DO DIABO

"(...) Porém existem duas formas de magia. Há uma magia que é obra do diabo e que visa a ruína do homem através de artifícios de que não é lícito falar. Mas há uma magia que é obra divina, lá onde a ciência de Deus se manifesta através da ciência do homem, que serve para transformar a natureza, e um de cujos fins é prolongar a vida humana..." (p. 109, sobre os óculos)

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A CIÊNCIA E A QUESTÃO DA ÉTICA: DEVE HAVER LIMITE NA CIÊNCIA?

"Porque a ciência não consiste só em saber aquilo que se deve ou se pode fazer, mas também em saber aquilo que se poderia fazer e que talvez não se deva fazer. Eis por que hoje eu dizia ao mestre vidreiro que o sábio deve guardar de todos os modos os segredos que descobre, para que outros não façam mau uso deles, mas é preciso descobri-los, e esta biblioteca me parece mais um lugar onde os segredos permanecem encobertos." (p. 120)

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O POVO É MASSA DE MANOBRA NAS RELIGIÕES

"Estou dizendo que muitas dessas heresias, independentemente das doutrinas que sustentam, encontram sucesso junto aos simples, porque lhes sugerem a possibilidade de uma vida diferente. (...) Os simples são carne de matadouro, de se usar para colocar em crise o poder adverso, e para sacrificar quando não prestam mais." (p. 180/181)

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COMENTÁRIO FINAL

Sigamos na leitura e releitura dessa obra monumental de Umberto Eco. Finalizei os dois primeiros dias da história.

Antes de seguir adiante, acho que vou reler alguns diálogos que ocorreram nas primeiras duzentas páginas.

É isso. O mundo anda o caos com a ascensão do nazifascismo no século XXI. Vamos procurar algum descanso pegando um bom livro e achando um canto para desfrutar dessa maravilhosa invenção do ser humano: os livros.

William


Bibliografia:

ECO, Umberto. O nome da rosa. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade. Coleção Mestres da Literatura Contemporânea. Editora Record/Altaya. Rio de Janeiro: 1986.


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