O cacto - Manuel Bandeira
Aquele cacto lembrava os gestos desesperados da estatuária:
Laocoonte constrangido pelas serpentes,
Ugolino e os filhos esfaimados.
Evocava também o seco Nordeste, carnaubais, caatingas...
Era enorme, mesmo para esta terra de feracidades excepcionais.
Um dia um tufão furibundo abateu-o pela raiz.
O cacto tombou atravessado na rua.
Quebrou os beirais do casario fronteiro,
Impediu o trânsito de bondes, automóveis, carroças,
Arrebentou os cabos elétricos e durante vinte e quatro horas privou a cidade de iluminação e energia:
- Era belo, áspero, intratável.
(Petrópolis, 1925)
Do livro Libertinagem, de 1930
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COMENTÁRIO:
Ao escolher o poema do dia, lendo Libertinagem, de Manuel Bandeira, fiquei entre "O cacto", "O major" e "Poema de finados", todos eles muito duros, na minha leitura.
(Ao procurar o livro na estante, havia pensado no poema "Andorinha" mas, francamente, não tinha nada que ver comigo. Eu não passei a vida à toa. Fiz coisas importantes coletivamente)
Acabei optando por "O cacto". Tem relação com o meu momento.
William
BANDEIRA, Manuel. Libertinagem & Estrela da manhã. 14ª impressão. Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 2000.
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