quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Leitura de poesia (38) - O cacto, Manuel Bandeira



O cacto - Manuel Bandeira


Aquele cacto lembrava os gestos desesperados da estatuária:

Laocoonte constrangido pelas serpentes,

Ugolino e os filhos esfaimados.

Evocava também o seco Nordeste, carnaubais, caatingas...

Era enorme, mesmo para esta terra de feracidades excepcionais.


Um dia um tufão furibundo abateu-o pela raiz.

O cacto tombou atravessado na rua.

Quebrou os beirais do casario fronteiro,

Impediu o trânsito de bondes, automóveis, carroças,

Arrebentou os cabos elétricos e durante vinte e quatro horas privou a cidade de iluminação e energia:


- Era belo, áspero, intratável.


                                              (Petrópolis, 1925)


Do livro Libertinagem, de 1930

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COMENTÁRIO:

Ao escolher o poema do dia, lendo Libertinagem, de Manuel Bandeira, fiquei entre "O cacto", "O major" e "Poema de finados", todos eles muito duros, na minha leitura.

(Ao procurar o livro na estante, havia pensado no poema "Andorinha" mas, francamente, não tinha nada que ver comigo. Eu não passei a vida à toa. Fiz coisas importantes coletivamente)

Acabei optando por "O cacto". Tem relação com o meu momento.

William


BANDEIRA, Manuel. Libertinagem & Estrela da manhã. 14ª impressão. Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 2000.


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