Velho estilo - Cecília Meireles (1942)
Corpo mártir, conheço o teu mérito obscuro:
tu soubeste ficar imóvel como o firmamento,
para deixar passar as estrelas do espírito,
ardendo no seu fogo e voando no seu vento...
Corpo mártir que és dor, que és transe, que és silêncio,
e onde, obediente, vai batendo o coração,
sei que foste esquecido, e, quando um dia te acabares,
não é por ti que os olhos chorarão.
Ninguém viu que tu foste o solo e o oceano dócil
que sustentou jardins e embalou tanta viagem,
que distribuiu o amor, e mostrou a beleza,
dando e buscando sempre a sua própria imagem.
Um dia tu serás símbolo, ideia, sonho,
tudo o que agora apenas eu compreendo que és:
porque um dia virá que, nesta marcha do infinito,
alguém se lembrará que o mais alto dos cânticos
pousou, na terra, sobre uns pobres pés.
Do livro Vaga música (1942)
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COMENTÁRIO:
Antes de mais nada, dedico este poema à minha mãe Dirce Mendes e ao presidente Lula.
"Corpo mártir que és dor, que és transe, que és silêncio, / e onde, obediente, vai batendo o coração,"
Desejo que o corpo mártir siga firme no silêncio do bater do coração.
Desejo resiliência até para o meu próprio corpo mártir, porque, de verdade mesmo, me importo mais com as faltas que minha ausência traria do que com os prazeres que sorveria por estar aqui presente na vida.
Sigamos descobrindo poesias.
William
Bibliografia:
MEIRELES, Cecília. Poesia completa. Coordenação André Seffrin; apresentação: Alberto da Costa e Silva - 1° ed. - São Paulo: Global, 2017.
Esse texto é belíssimo. Adorei as indicações. Ser mãe é ser resistente e resiliente. Abraços fraternos.
ResponderExcluirAmiga, fiquei pensando muito nessa imagem de corpo mártir... quantas pessoas neste mundão não resistem a tudo por causa de um amor ou dever amoroso de cuidar de alguém ou de muitas pessoas como, por exemplo, uma mãe, ou um Júlio Lancellotti. Abração pra tod@s aí.
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