sábado, 11 de janeiro de 2025

Leitura de poesia (41) - O poeta, Álvares de Azevedo



O poeta - Álvares de Azevedo

              Un souvenir heureux est peut-être sur terre

                      Plus vrai que le bonheur!

                              A. de Musset


Era uma noite - eu dormia

E nos meus sonhos revia

As ilusões que sonhei!

E no meu lado senti...

Meu Deus! por que não morri?

Por que do sono acordei?


No meu leito - adormecida,

Palpitante e abatida,

A amante de meu amor!

Os cabelos recendendo

Nas minhas faces correndo

Como o luar numa flor!


Senti-lhe o colo cheiroso

Arquejando sequioso;

E nos lábios, que entr'abria

Lânguida respiração, 

Um sonho do coração 

Que suspirando morria!


Não era um sonho mentido;

Meu coração iludido 

O sentiu e não sonhou:

E sentiu que se perdia

Numa dor que não sabia...

Nem ao menos a beijou!


Soluçou o peito ardente,

Sentiu que a alma demente

Lhe desmaiava a tremer:

Embriagou-se de enleio,

No sono daquele seio

Pensou que ele ia morrer!


Que divino pensamento, 

Que vida num só momento 

Dentro do peito sentiu...


Não sei... Dorme no passado

Meu pobre sonho doirado...

Esperança que mentiu!


Sabem as noites do céu 

E as luas brancas sem véu

As lágrimas que eu chorei!

Contem do vale as florinhas

Esse amor das noites minhas!

Elas sim... eu não direi!


E se eu tremendo, senhora, 

Viesse pálido agora 

Lembrar-vos o sonho meu,

Com a fronte descorada

E com a voz sufocada

Dizer-vos baixo - Sou eu!


Sou eu! que não esqueci

A noite que não dormi,

Que não foi uma ilusão!

Sou eu que sinto morrer

A esperança de viver...

Que o sinto no coração! -


Riríeis das esperanças,

Das minhas loucas lembranças,

Que me desmaiam assim?

Ou então, de noite, a medo

Choraríeis em segredo

Uma lágrima por mim?

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COMENTÁRIO:

Terminei a leitura dos 43 poemas da 1a parte da "Lira dos vinte anos" do jovem paulistano Álvares de Azevedo, que viveu pouco mais de dez anos como adulto, se considerarmos sua infância e adolescência, entre 1831 e 1851.

Enquanto lia os poemas, fiquei pensando várias coisas. Mesmo não sendo o tipo de poesia e poética que me agradam, pensar na produção poética do rapaz lá naquele mundo miserável do Brasil de meados do século 19, me faz respeitar absurdamente um escritor como ele!

O vocabulário do poeta, as condições materiais da época, a gente inculta e aculturada na religião e nas crendices, imaginem o cenário, o contexto e o mundo de Álvares de Azevedo...

E pensar que no meu mundo, o dia 11 do mês de janeiro do ano de 2025 do século 21, temos uma humanidade dominada por crendices e mentiras em escala global, uma população escravizada e trabalhando umas 18 horas por dia, sem tempo de se educar e sem conhecimentos básicos de quase tudo...

Enfim, enquanto lia o eu-lírico dos anos 40 do século 19, clamando a Deus, suspirando de amor etc, fiquei pensando se o mundo andou pra frente ou pra trás...

(Post Scriptum: não é problema algum a fé das pessoas em qualquer tipo de metafísica, a visão de mundo de cada um é questão pessoal. Entretanto, a religião somada ao Estado queimou gente por séculos e pode ser que volte a queimar. Essa é a minha preocupação)

Sobre este poema, "o poeta", gostei dele.

Mas estou pensativo...

William 


Bibliografia:

AZEVEDO, Álvares. Lira dos vinte anos. Coleção Vestibular, O Estado de São Paulo. Klick Editora: São Paulo, 1999.


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