sábado, 4 de janeiro de 2025

Leitura de poesia (34) - A extraordinária aventura vivida por Vladímir Maiakóvski no verão na Datcha



A extraordinária aventura vivida por Vladímir Maiakóvski no verão na Datcha


(Púchkino, monte Akula, datcha de Rumiántzev, a 27 verstas pela estrada de ferro de Iaroslávi)


A tarde ardia com cem sóis.

O verão rolava em julho.

O calor se enrolava

no ar e nos lençóis 

da datcha onde eu estava.

Na colina de Púchkino, corcunda,

o monte Akula,

e ao pé do monte

a aldeia enruga

a casca dos telhados.

E atrás da aldeia, 

um buraco

e no buraco, todo dia,

o mesmo ato:

o sol descia

lento e exato.

E de manhã 

outra vez

por toda parte

lá estava o sol

escarlate.

Dia após dia 

isto

começou a irritar-me

terrivelmente. 

Um dia me enfureço a tal ponto

que, de pavor, tudo empalidece.

E grito ao sol, de pronto:

"Desce!

Chega de vadiar nessa fornalha!"

E grito ao sol:

"Parasita!

Você, aí, a flanar pelos ares,

e eu, aqui, cheio de tinta,

com a cara nos cartazes!"

E grito ao sol:

"Espere!

Ouça, topete de ouro,

e se em lugar

desse ocaso

de paxá

você baixar em casa

para um chá?"

Que mosca me mordeu!

É o meu fim!

Para mim

sem perder tempo 

o sol

alargando os raios-passos

avança pelo campo.

Não quero mostrar medo.

Recuo para o quarto.

Seus olhos brilham no jardim.

Avançam mais.

Pelas janelas,

pelas portas,

pelas frestas,

a massa

solar vem abaixo 

e invade a minha casa.

Recobrando o fôlego, 

me diz o sol com voz de baixo:

"Pela primeira vez recolho o fogo,

desde que o mundo foi criado.

Você me chamou?

Apanhe o chá, 

pegue a compota, poeta!

Lágrimas na ponta dos olhos

- o calor me fazia desvairar -

eu lhe mostro

o samovar:

"Pois bem,

sente-se, astro!"

Quem me mandou berrar ao sol

insolências sem conta?

Contrafeito 

me sento numa ponta

do banco e espero a conta

com um frio no peito.

Mas uma estranha claridade

fluía sobre o quarto

e esquecendo os cuidados

começo 

pouco a pouco 

a palestrar com o astro.

Falo

disso e daquilo, 

como me cansa a Rosta*,

etc.

E o sol:

"Está certo, 

mas não se desgoste,

não pinte as coisas tão pretas.

E eu? Você pensa

que brilhar

é fácil?

Prove, pra ver!

Mas quando se começa

é preciso prosseguir 

e a gente vai e brilha pra valer!"

Conversamos até a noite 

ou até o que, antes, eram trevas.

Como falar, ali, de sombras?

Ficamos íntimos, 

os dois.

Logo,

com desassombro,

estou batendo no seu ombro.

E o sol, por fim:

"Somos amigos 

pra sempre, eu de você, 

você de mim.

Vamos, poeta, 

cantar,

luzir

no lixo cinza do universo.

Eu verterei o meu sol

e você o seu

com seus versos."

O muro das sombras,

prisão das trevas, 

desaba sob o obus

dos nossos sóis de duas bocas.

Confusão de poesia e luz,

chamas por toda parte. 

Se o sol se cansa

e a noite lenta

quer ir pra cama,

marmota sonolenta,

eu, de repente, 

inflamo a minha flama

e o dia fulge novamente. 

Brilhar pra sempre,

brilhar como um farol,

brilhar com brilho eterno,

gente é pra brilhar, 

que tudo o mais vá pro inferno,

este é o meu slogan

e o do sol.


* Agência telegráfica onde o poeta trabalhou fazendo cartazes. 

Tradução: Augusto de Campos

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COMENTÁRIO:

Imagem sensacional! O poeta recebe a visita do sol após uma provocação. 

O sol chega de boa, diz que o poeta também é um sol e que eles são amigos para sempre.

Metáfora muito legal!

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"gente é pra brilhar,"

Sigamos lendo poesia, mesmo sendo em dias tristes.

Dedico este poema ao companheiro Cezinha, que agora é uma estrelinha a brilhar no céu. 

William 


Bibliografia:

MAIAKÓVSKI, Vladimir. Poemas. Tradução: Boris Schnaiderman, Haroldo de Campos, Augusto de Campos. Ed. especial rev. e ampl. - São Paulo: Perspectiva, 2017.


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