Refeição Cultural
Janeiro de 2025
"No entanto, enquanto seu raciocínio está confuso, ela pega a minha mão esquerda, mais fechada do que a direita, e a abre com carinho, dedo a dedo, para alongá-la. Como faz há trinta e cinco anos, desde os primeiros dias em que me viu numa UTI paralisado. Seguindo uma recomendação da fisioterapia: alongar sempre que der a mão do filho tetraplégico, para não atrofiá-la. Um instinto materno poderoso atravessa o choque e o caos em que vive, e ela faz aquilo que rotineiramente foi parte da vida, cuida do filho." (p. 250)
Terminei a leitura do excelente livro de Marcelo Rubens Paiva - Ainda estou aqui, publicado em 2015. Uma história tocante, que nos leva às lágrimas em alguns momentos. Eu me emocionei muito.
Comprei o livro por causa do filme homônimo, dirigido por Walter Salles, e protagonizado por Fernanda Torres (Eunice Paiva), Selton Mello (Rubens Paiva) e Fernanda Montenegro, no papel de Eunice Paiva na fase final da doença Alzheimer. Fiquei impactado pelo filme (comentário aqui).
Busquei no livro que deu origem ao filme mais detalhes e pormenores sobre a tragédia vivida pela família Paiva.
Marcelo Rubens Paiva nos apresenta sua mãe, Eunice Paiva, e os leitores vão conhecendo todo o drama que a família viveu ao ter a rotina quebrada abruptamente num dia de verão de janeiro de 1971 após agentes da ditadura entrarem em sua casa e sequestrarem Rubens Paiva.
No meu caso, me impactou muito a questão da doença enfrentada por Eunice Paiva e a família anos depois de viverem o drama dos anos de chumbo e as consequências oriundas da desorganização da vida de todos eles por causa da ausência de Rubens Paiva.
A questão da memória e a perda da memória, e nossa própria identidade, me deixou muito pensativo. Tenho enfrentado essa questão do apagamento da memória, não por doença, mas de forma proposital no mundo da política, e ando sensível ao tema.
Em um dos últimos capítulos, a gente percebe o quanto o destino foi ingrato com Eunice, se podemos dizer algo assim, pois quando a vida parecia entrar naquela fase de aproveitar a aposentadoria, vem o Alzheimer e tudo se altera novamente.
E, no entanto, Marcelo aborda a doença da mãe de uma forma tão sensível e amorosa que nos emociona o tempo todo.
"Ficar ao seu lado é como ficar ao lado de um bebê, mas não é. Ela está lá. Sua história está com ela, foi vivida por ela. Ela é minha mãe, que cuidou dos meus ataques de bronquite, da minha inconsequência juvenil, tratou de mim na UTI, em hospitais, negociou operações, não interferiu nos meus planos ou projetos literários, massageou a minha mão para não atrofiar, fez a revisão dos meus primeiros textos, inclusive dos meus primeiros livros, fez meu imposto de renda por anos, reviu meus contratos, me levou para a AACD, me hospedou no Rio, não perdeu uma estreia de filme, peça ou lançamento de livro meu, deu entrevistas ao meu lado, me ensinou e fez o Brasil repensar." (p. 260)
Enfim, um grande livro, amigas e amigos leitores. Para ler todos os comentários que fiz sobre a obra do autor é só clicar aqui.
Fiquei muito tocado com a leitura. Ainda estou tocado e emotivo com a história de Eunice Paiva e sua família.
William
Bibliografia:
PAIVA, Marcelo Rubens. Ainda estou aqui. 1ª ed. - Rio de Janeiro: Alfaguara, 2015.
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