O Gosto do Nada - Baudelaire
Morno espírito, antigamente afeito à luta,
A Esperança, que te esporeava outrora o ardor
Não te cavalga mais! Deita-te sem pudor,
Cavalo que tropeça em tudo e em vão reluta.
Dorme, ó meu coração; desiste, ó massa bruta!
Espírito vencido, em ti, velho impostor,
Já não tem gosto o amor, nem o tem a disputa;
Não mais a voz do cobre ou da flauta se escuta!
Deixa esta alma sombria, ó Prazer tentador!
Perdeu a Primavera o seu cheiro de flor.
E o Tempo me devora em marcha resoluta,
Como a ampla neve um corpo rijo de torpor;
Contemplo do alto o globo túmido e incolor,
E nele nem procuro o abrigo de uma gruta!
Vais levar-me, avalancha, em tua queda abrupta?
Recriação de Guilherme de Almeida
Fonte: Flores das "Flores do Mal" de Baudelaire (1943)
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COMENTÁRIO:
"A Esperança, que te esporeava outrora o ardor
Não te cavalga mais! Deita-te sem pudor,"
Nos tempos atuais, nem sei mais dizer se a esperança de amor ainda cavalga em mim... os tempos são de relações utilitárias, utilitaristas. Vai saber quantas pessoas amam só por amar mesmo.
"Dorme, ó meu coração; desiste, ó massa bruta!"
Eu amo só por amar. Tem gente que ama sim, só por amar. Amor qualquer - carnal, filial, contemplativo, de amizade - enfim, tem sim amor por amar. Ainda vejo isso. Não desistamos do amor!
"Perdeu a Primavera o seu cheiro de flor."
Quero crer que ainda temos a primavera e os cheiros diversos das flores, ainda. No entanto, a tendência não é boa, nem para os amores, nem para as flores. As primaveras resistem, os amores ainda existem, mas os riscos são claros.
Neste mês que vai se encerrando, fiz um esforço militante para manter a disciplina que defini a mim mesmo para ter contato diário com a poesia. Nada perdi, só ganhei com isso.
Sigamos aprendendo coisas novas, pois somos a espécie animal que pode ser educada, como ensina o educador Paulo Freire: só se ensina gente. Sou gente e quero ser ensinado, quero aprender o novo sempre.
William
Bibliografia:
ALMEIDA, Guilherme de. Flores das "Flores do Mal" de Baudelaire. Introdução de Manuel Bandeira. Carvões de Quirino. Ilustrações de Rodin. Clássicos de Bolso, Ediouro/20349.
Esse poema é lindo. Abraços na galera.
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