terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Natais - 1982



Refeição Cultural

Osasco, 24 de dezembro de 2024. Terça-feira.


SENTIMENTOS E IMPRESSÕES

Naquele minuto no farol me senti culpado por toda a desgraça humana... A mãe com a criança no farol da Vila Yara me azedou o dia. Deu um misto de raiva, tristeza, impotência, desesperança no ser humano. Vergonha da minha espécie animal.

Tenho sentido uma vontade imensa de não contatar nenhum ser humano nos últimos dias. E sei que a sensação é uma espécie de sintoma de algo psicológico - uma estafa qualquer. Não posso permitir que essa bobagem me impeça de encontrar pessoas quando aparecer a oportunidade. Mas posso selecionar encontros.

Racionalmente, tenho conhecimento acumulado para saber que sou um ser social, que minha espécie é absolutamente dependente de relações humanas para tudo. Basta sentir uma dor ou sofrer um acidente que veremos se somos seres autossuficientes ou não. 

Natal traz as tradições e costumes culturais que tentam permanecer mesmo tendo mudado tudo no mundo. Confraternizar com um grupo de pessoas, reunir para comemorar a data ou o acontecimento (Jesus): tradições do período natalino no Ocidente.

Entra ano sai ano a sociedade humana tenta manter essa tradição associada ao objetivo principal da data: vender coisas, circular dinheiro, ostentar poder, felicidade e sucesso. Jesus... usam o nome dele para defender cada merda, que fala sério! (faz arminha...)

Quem não tiver dinheiro como as famílias nas ruas das cidades, que se dane. Não se esforçaram ou Deus não olhou para elas. Fôssemos urubu, barata ou ratazana não explicaríamos as coisas cotidianas assim. Abstrações são coisas do animal humano. Ideologias. Naturalizar o que não é natural.

UBERLÂNDIA 

Como vislumbrei ao longo dos últimos dois anos nos quais comecei a escrever esta série de textos sobre o Natal em minha família, não nos reuniremos com a família lá de Uberlândia. Mas fico contente de saber que a família lá estará reunida hoje.

Fui visitar os pais e a família dias atrás. Aproveitei com consciência cada instante que passei com minha mãe e meu pai. O arroz com feijão na presença de minha mãe por cinco dias foi vivido intensamente. Foi um instante precioso. Nunca se sabe do amanhã.

Como se diz na linguagem corrente, o "corre" de todo mundo não permitiu sequer que os sobrinhos comecem comigo uma pizza... Pedi as pizzas, mas foi minha mãe, meu pai e eu. A gente percebe as mudanças na vida e a vida deve seguir. Em cinco dias, vi por minutos familiares queridos. Enfim, são os tempos.

OSASCO

Voltando aos instantes da manhã de hoje, na Vila Yara, no mercado local, pensei em comprar uma ou duas cervejas. Eu tinha o hábito de tomar em casa uma latinha para relaxar em alguns dias do mês. Depois de ter na família problemas com álcool, nunca mais me senti à vontade para tomar socialmente uma cervejinha. Tomo com conhecidos, mas hoje não quis pegar a cerveja.

CULTURA DO CANCELAMENTO 

Tem uma coisa que está me matando, me fazendo refletir sobre abandonar tudo que tenha relação com movimento social: a cultura do cancelamento na esquerda, que virou uma arma tão letal que eu não consigo entender onde está a inteligência das pessoas que são de esquerda. 

Sermos manipulados pela cultura do cancelamento é algo tão estúpido que qualquer idiota deveria perceber que há um projeto para foder qualquer liderança de nosso campo que se destaque na luta contra nossos inimigos. 

Quer eliminar uma liderança de esquerda? Faça uma acusação de assédio sexual, pedofilia, corrupção etc. Pode ser anônima a denúncia. No dia seguinte, os "nossos" já não se contaminarão com o acusado... cancelado.

A gente do nosso lado vai se lamentar... dizer que está arrasada com a denúncia... e que "vamos esperar a apuração dos fatos". Pronto. Cancelado! A esquerda brasileira não aprendeu absolutamente nada com a Lava Jato. Onde está a inteligência da esquerda?

Estou azedo, estou amargo. Odeio injustiça desde quando tinha treze ou quatorze anos e passei a entender a injustiça de um garoto trabalhar em serviços de merda e humilhantes por causa da miséria social imposta pela burguesia desgraçada do país e do mundo.

Eu fui vítima de lawfare com carta anônima e passei o mesmo que outras lideranças de esquerda estão passando com esses processos de assassinato de reputações e histórias de militância e tenho raiva do comportamento bovino da esquerda em não defender os seus e simplesmente participar do processo de cancelamento.

De certa forma, a cultura do cancelamento só comprova a leitura que eu tenho das relações utilitaristas que predominam hoje na sociedade humana, inclusive nos círculos de maior proximidade nas relações. Se a pessoa tem alguma utilidade para a outra, beleza. Não tem utilidade, desconsidera... cancela.

Temos que refazer as relações humanas na sociedade. É o que eu avalio.

---

NATAL DE 1982

O Natal pode ter sido ainda na casa da Dona Nenzinha ou já na casa alugada no quarteirão de cima, na Av. Quilombo dos Palmares, Marta Helena. Acho que mudamos 3 vezes em 3 anos. 

Eu já tinha mais de 13 anos nesse Natal. 

Meu pai tinha um bar, a Choupana, que vendia bebidas, lanches, salgados e tinha uma mesa de pebolim. 

Eu e ele éramos bons no pebolim porque se perdêssemos não entrava dinheiro no caixa (mas ganhar do Ruizinho era foda!). 

O bairro era de gente muito simples e tinha uma molecada e adultos muito violentos, algo como gangues mesmo. 

Eu já andava nas ruas como todo mundo da minha idade, tinha os bailinhos (chamados de "brincadeira"), e se a gente não fosse amigo ou conhecido do pessoal, a gente era inimigo... 

Nunca me esqueço da casa na Quilombo dos Palmares por causa do milharal que plantamos na frente e por causa de um tênis azul que me roubaram do varal. 

Como o ladrão era um cara foda do bairro, tive que conviver com o cara usando o meu tênis...

A música era algo que marcava os momentos de nossa vida nos anos 80. 

Nessa época surgiam bandas nacionais como Legião Urbana, Titãs, Barão Vermelho e, no cenário pop internacional, Michael Jackson lançava o álbum Thriller e Madonna aparecia pro mundo com seu 1º single Everybody

Eu adorava música som sobre som, e o tio Jorge era quem nos apresentava as músicas antigas "chonadas". 

MUNDO

O ditador da vez era o Figueiredo e na Argentina teve a Guerra das Malvinas. 

O Sílvio Santos lambia cada presidente de plantão. Nunca me esqueci daquelas chamadas do canal dele "A semana do presidente". Que merda, isso! Tive que crescer vendo essa dobradinha entre os endinheirados que exploravam a gente e os fdp das casernas militares.

O ditador de plantão da Argentina, Galtiere, para lançar uma cortina de fumaça sobre a grave crise econômica, social e política que predominava no país após anos de desgoverno militar, inventou de invadir as Ilhas Malvinas para unificar o povo argentino, já que o tema era de grande apelo popular e patriótico.

O resultado foi trágico. Centenas de jovens argentinos faleceram numa guerra de poucos dias em uma luta desproporcional de um exército armado e preparado contra um exército sem armamento e condições adequadas.

Mesmo sendo criança, me lembro das notícias na televisão sobre a Guerra das Malvinas. Lógico que só adulto fui entender melhor o quanto a junta militar foi fdp e responsável pela morte de jovens argentinos. 

A sacanagem dos ditadores ao menos serviu para pôr fim à ditadura e para a volta da democracia pouco tempo depois.

---

Enfim, essa foi mais uma reflexão em período natalino.

William Mendes


Post Scriptum: o texto anterior desta série pode ser lido aqui.


Nenhum comentário: