Canção excêntrica - Cecília Meireles
Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
projeto-me num abraço
e gero uma despedida.
Se volto sobre o meu passo,
é já distância perdida.
Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
- saudosa do que não faço,
- do que faço, arrependida.
Vaga música, 1942.
---
COMENTÁRIO:
Também "Ando à procura de espaço/para o desenho da vida". E meu coração nem de aço é mais, agora é só um pedaço do aço que já foi um dia.
Meu coração "começa a achar um cansaço".
Lendo algumas vezes este poema de Cecília Meireles, fui me vendo como o próprio Eu-lírico.
Faz alguns anos a canção da minha vida virou uma canção extravagante, fora da ordem na qual se encontrava; afastada do habitual. Uma "Canção excêntrica".
Meu ritmo entrou em completo descompasso...
Não desisto, ainda busco o compasso.
"Se volto sobre o meu passo,/é já distância perdida."
Sei que o compasso está no amanhã, não no passado. Mas é tão difícil!!!
Sigamos lendo poesia. Enquanto há vida, há espaço "para o desenho da vida".
William Mendes
Bibliografia:
MEIRELES, Cecília. Poesia completa. Coordenação André Seffrin; apresentação: Alberto da Costa e Silva - 1° ed. - São Paulo: Global, 2017.
Nenhum comentário:
Postar um comentário