Epigrama - Cecília Meireles (1942)
A serviço da Vida fui,
a serviço da Vida vim;
só meu sofrimento me instrui,
quando me recordo de mim.
(mas toda mágoa se dilui:
permanece a Vida sem fim.)
Do livro Vaga Música.
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COMENTÁRIO:
Este Epigrama de Cecília Meireles é danado! Danado!
Quanto mais leio, mais me identifico com ele.
É muito conceito em tão poucas linhas! Abrangente.
Seis versos! Muitas vidas!
Fiquei vendo minha vida passada num filme rápido, como aquele delírio de Brás Cubas, que viu todos os séculos em instantes.
Dos dez aos vinte, dos vinte aos trinta, dos trinta aos cinquenta... servir servir servir às vidas dos outros, pra sobrar quase nada pra nós, pra 99% de nós todos.
A gente até que tenta ter nossos momentos, momentos de olhar pra nós mesmos...
Mas logo em seguida, a prioridade em nós mesmos se vai, e volta a servidão total aos outros, às coisas sem importância, às futilidades.
Certas classes, certas castas, são ambientadas desde pequenas a servir. Outras, a sorver a servidão dos outros.
Nossos eus são engaiolados num viver para servir, de maneira que não nos sintamos à vontade quando o sentido do viver sejamos nós mesmos, nossos sonhos e prazeres.
Quando nos damos conta, já estamos no servir aos outros, às coisas, ao invés das coisas nos servirem.
Nisso, o tempo todo, voltamos à "Vida sem fim", sem um fim consciente e desejoso do fundo de si.
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CONHECENDO CECÍLIA MEIRELES
Ganhei de presente a coleção completa dos poemas de Cecília Meireles. Já li os 7 primeiros livros dela.
Vaga música é seu 8° livro de poesia.
Sigamos lendo poesia neste mês de dezembro.
William Mendes
Bibliografia:
MEIRELES, Cecília. Poesia completa. Coordenação André Seffrin; apresentação: Alberto da Costa e Silva - 1° ed. - São Paulo: Global, 2017.
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