Refeição Cultural
Já que a ficção virou realidade, talvez tivéssemos que criar blade runners que caçassem e aposentassem os extremistas ditadores que querem destruir o mundo e a vida humana em benefício próprio
Rever o filme Blade Runner e a ideia de um mundo convivendo com robôs idênticos aos seres humanos, só que mais fortes e passíveis de falhas e desobediência aos seus programas é um entretenimento que mescla ficção e realidade. Então, é inevitável refletirmos sobre o mundo atual.
Estamos há duas décadas, mais ou menos, com uma nova realidade no mundo humano por causa da plataformização da sociedade. Meia dúzia de humanos concentra sozinha um poder de manipular o comportamento de bilhões de pessoas independente das fronteiras dos países. Essa ficção virou a realidade.
As big techs, corporações que juntam bancos, meios de comunicação e empresas que destroem a natureza, controlam o mundo e o comportamento dos seres humanos. Democracias viraram ficção. Liberdade humana é uma ficção.
Poucos homens podem destruir todas as florestas que restam, todas as terras onde há algum tipo de minério, todos os mares e oceanos que quiserem inviabilizar a vida, e pagam políticos e ideólogos para isso.
A distopia virou a realidade. Um fdp faz o que quer em um país inteiro; num território como São Paulo no Brasil, por exemplo, um fdp faz o que quer e não pega nada contra ele.
Sei lá. Para o bem do planeta Terra, da diversidade da vida no planeta e para o bem da maioria dos seres humanos, talvez fosse o caso de se criar blade runners que aposentassem esses poucos humanos sem alma e sem consideração com a coletividade do único planeta habitável no universo conhecido até o momento.
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FILMES
Blade Runner - O caçador de androides (1982) - Direção: Ridley Scott. Elenco: Harrison Ford, Rutger Hauer, Sean Young, Daryl Hannah.
SINOPSE (do DVD): O "Cult Movie" da ficção científica, ficou ainda mais fantástico mostrando uma chocante visão do futuro, realizado pelo consagrado diretor Ridley Scott. Por volta do ano 2000, o planeta Terra está em total decadência. Os poucos habitantes vivem aglomerados em gigantescos arranha-céus. A engenharia genética se tornou uma das maiores indústrias criando os replicantes, criaturas dotadas de extraordinária força e inteligência, praticamente indistinguíveis dos humanos. Nessa nova versão (1991), surpreendentes revelações em torno do romance entre Deckard (Harrison Ford) e Rachel (Sean Young). Qual será a verdadeira origem de o "Caçador de Androides"?
COMENTÁRIO:
"Vi coisas que vocês jamais imaginariam... e agora tudo se perde, como as lágrimas se perdem na chuva. Agora morro..."
Ver um filme clássico, de décadas atrás, é diferente de ver os filmes de hoje. Toda vez que vejo filmes antigos fico com essa ideia. O clássico de Ridley Scott é encantador, fisga o telespectador, encanta a gente. Desde a cena inicial daquela Los Angeles futurista, de 2019 (quatro décadas no futuro), até a questão central da história, os robôs replicantes, idênticos aos humanos. E ainda temos a trilha sonora de Vangelis.
No filme, uma corporação (Tyrell) cria e comercializa robôs idênticos a nós para serem utilizados nos piores trabalhos humanos e em exploração espacial. São tão perfeitos que só alguns especialistas conseguem através de jogos de perguntas identificar um replicante. São os caçadores de androides, os blade runners.
Depois do projeto de produção dos replicantes ter sido interrompido por uma rebelião dessas máquinas, a ordem é aposentá-los (eufemismo para exterminá-los). Um blade runner aposentado, Deckard (Ford), é convocado para eliminar quatro replicantes que estão na cidade em busca de mais tempo de vida.
O filme do início dos anos oitenta aponta no enredo diversas consequências do que seria a sociedade globalizada e capitalista do futuro: um mundo destruído pelo excesso de produção e consumismo que acabou com a natureza, uma sociedade humana sem moral e sem valores e com uma ciência de ponta usada nesse contexto. Vejam se não é o mundo de 2024.
TEMPO - O tema central da ficção é o tempo, mais tempo. Os robôs são feitos com um tempo de vida determinado. Os nexus-6 têm 4 anos de vida. A temática do tempo restante - o tempo de vida das coisas - é uma grande temática para se refletir. Cada um de nós, em algum momento, terá que lidar com a questão central que move os replicantes: o tempo.
Eu lido com essa temática no dia a dia. Queria mais tempo com saúde. Não seria jovem demais para ter hoje o problema de desgaste no quadril e não poder mais sonhar projetos de corridas e outras atividades físicas? Será que estarei andando daqui a 4 anos? Como faço para pedir mais tempo ao meu criador como fez Roy Batty (Hauer) ao Dr. Tyrrel (Joe Turkel)?
O filme ainda nos traz a reflexão sobre o tempo de utilidade das coisas numa sociedade gerida pela lógica capitalista. Nada é feito para durar, pois se as coisas durarem os capitalistas e seus CEOs não terão o lucro cada vez maior. Dane-se a natureza sendo esgotada. O amanhã não importa.
Filmão! Poderia refletir sobre diversas dimensões que o filme nos abre. Vale a pena ver e rever.
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Blade Runner 2049 (2017) - Direção: Denis Villeneuve. Roteiro: Hampton Fancher e Michael Green. Elenco: Ryan Gosling, Harrison Ford, Ana de Armas, Sean Young, Robin Wright, Sylvia Hoeks, Jared Leto.
SINOPSE (NETFLIX): O conteúdo de um túmulo secreto chama a atenção de um poderoso empresário, que envia o caçador de replicantes K em uma missão para encontrar uma lenda perdida.
COMENTÁRIO:
Nesta sequência de Blade Runner e os replicantes, a questão da memória foi uma das coisas que mais me chamaram a atenção. K recebe a missão de encontrar e eliminar tudo que se relacione a uma provável reprodução de um replicante por parto. Logo suas memórias começam a associá-lo ao caso. O replicante caçador de androides, K, começa a questionar o que é memória implantada e o que é memória real. O que seria real e o que seria memória criada?
"Os replicantes levam vidas difíceis, criados para fazerem o que não queremos (...), mas posso lhes dar boas memórias, para vocês recordarem e sorrirem..."
Memória - Eu ando impactado pela trágica ameaça a qualquer um de nós por doenças degenerativas como Alzheimer e Parkinson. Recentemente, vi o filme "Ainda estou aqui" e a história de Eunice Braga, que terminou seus dias com Alzheimer, me deixou muito pensativo. Ninguém merece ter uma doença dessas, na qual a essência do que somos vai desaparecendo e vai ficando só um corpo vazio sem nós e aquilo que chamamos de nossa identidade, nossa alma, nosso espírito.
O filme é bom, eu gostei. A questão dos robôs replicantes, máquinas quase idênticas a nós, é um tema permanente de preocupações e reflexões.
Na sequência da primeira estória, que se passa numa Los Angeles do futuro, em 2019, os replicantes que estão no cotidiano da sociedade humana em 2049 não têm prazo determinado de vida, vivem por tempo indeterminado. A humanidade e a sociedade humana estão uma merda, um mundo quase inabitável, o planeta destruído por nós humanos, uma sociedade humana decadente.
O cenário da ficção de 2049 é o cenário atual, não é mais distopia, agora é o mundo verdadeiro, com trumps e bolsonarios lixos se organizando mundialmente para desgraçar a vida dos bilhões de humanos e da infinidade de seres vivos que habitam esse único planeta em condições de abrigar vida.
As ficções distópicas viraram crônicas do dia a dia de um mundo em falência total.
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É isso! Os dois filmes distópicos me fizeram refletir sobre um monte de questões atuais.
Caso haja interesse em ler mais textos criados a partir de filmes é só clicar aqui para ver o anterior.
William
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