domingo, 8 de dezembro de 2024

Leitura de poesia (8) - Tó pra vocês!, Maiakóvski



Tó pra vocês!* - Maiakóvski (1913)


Daqui a uma hora, pelas vielas obscuras,

vocês despejarão suas flácidas gorduras,

e eu tantas prendas de versos lhes ofereço,

eu, que desperdiço e disperso palavras a qualquer preço.


Homens, restos de couves nos bigodes, 

sobra de sopas malcozidas e insossas;

mulheres, sob crostas de alvaiade,

como ostras na concha das coisas.


Ante a borboleta que é o coração dos poetas,

atolem-se na lama, com ou sem galocha.

A turba se enfurece, se esfrega e desabrocha, 

o piolho de cem cabeças eriça suas patas.


E se hoje, bárbaro rapace,

não quero provocá-los com facécias,

posso rir e cuspir com todo o apreço,

cuspir em sua face,

eu, que disperso e desperdiço palavras a qualquer preço. 


Tradução: Augusto de Campos


*O título do poema, nate! (lê-se: "natie"), tem o significado genérico de "Tomem isto!", "Essa é pra vocês!". O tradutor alude aqui a uma frase de Décio Pignatari inscrita na capa de Teoria da Poesia Concreta (1965), acompanhada da imagem do "amigo da onça", personagem famoso do cartunista Péricles, da revista O Cruzeiro, "dando uma banana" e, dentro do balão, escrito: "Tó pra vocês, chupins desmemoriados!" ("Tó", abreviação de "Toma").

Vocabulário:

Alvaiade: maquiagem tóxica do passado, feita à base de carbonato de chumbo, conhecida como "Cerusa Veneziana".

Facécias: gracejos, pilhérias.

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COMENTÁRIO:

Hoje não foi fácil escolher um poema para postar e comentar algum sentimento ou interpretação. 

Li quinze poemas de Maiakóvski para escolher "Tó pra vocês!". Fiquei entre esse e "Ruidinhos, ruídos e ruidaços".

Para mim, a leitura dos poemas desse poeta não é fácil. Não sou bom leitor de poesia. Tenho que ler, ler e ler várias vezes cada poema para senti-los melhor.

Gostei das imagens do poema, do cenário das vielas obscuras com homens e mulheres se esfregando como se bichos fossem. 

E, no fundo, somos isso mesmo: uma turba que "se enfurece, se esfrega e desabrocha".

Enquanto isso, alguns de nós insistem em seguir dispersando e desperdiçando palavras a qualquer preço. 

Sigamos assim!

William Mendes 


Bibliografia:

MAIAKÓVSKI, Vladimir. Poemas. Tradução: Boris Schnaiderman, Haroldo de Campos, Augusto de Campos. Ed. especial rev. e ampl. - São Paulo: Perspectiva, 2017.


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