Tó pra vocês!* - Maiakóvski (1913)
Daqui a uma hora, pelas vielas obscuras,
vocês despejarão suas flácidas gorduras,
e eu tantas prendas de versos lhes ofereço,
eu, que desperdiço e disperso palavras a qualquer preço.
Homens, restos de couves nos bigodes,
sobra de sopas malcozidas e insossas;
mulheres, sob crostas de alvaiade,
como ostras na concha das coisas.
Ante a borboleta que é o coração dos poetas,
atolem-se na lama, com ou sem galocha.
A turba se enfurece, se esfrega e desabrocha,
o piolho de cem cabeças eriça suas patas.
E se hoje, bárbaro rapace,
não quero provocá-los com facécias,
posso rir e cuspir com todo o apreço,
cuspir em sua face,
eu, que disperso e desperdiço palavras a qualquer preço.
Tradução: Augusto de Campos
*O título do poema, nate! (lê-se: "natie"), tem o significado genérico de "Tomem isto!", "Essa é pra vocês!". O tradutor alude aqui a uma frase de Décio Pignatari inscrita na capa de Teoria da Poesia Concreta (1965), acompanhada da imagem do "amigo da onça", personagem famoso do cartunista Péricles, da revista O Cruzeiro, "dando uma banana" e, dentro do balão, escrito: "Tó pra vocês, chupins desmemoriados!" ("Tó", abreviação de "Toma").
Vocabulário:
Alvaiade: maquiagem tóxica do passado, feita à base de carbonato de chumbo, conhecida como "Cerusa Veneziana".
Facécias: gracejos, pilhérias.
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COMENTÁRIO:
Hoje não foi fácil escolher um poema para postar e comentar algum sentimento ou interpretação.
Li quinze poemas de Maiakóvski para escolher "Tó pra vocês!". Fiquei entre esse e "Ruidinhos, ruídos e ruidaços".
Para mim, a leitura dos poemas desse poeta não é fácil. Não sou bom leitor de poesia. Tenho que ler, ler e ler várias vezes cada poema para senti-los melhor.
Gostei das imagens do poema, do cenário das vielas obscuras com homens e mulheres se esfregando como se bichos fossem.
E, no fundo, somos isso mesmo: uma turba que "se enfurece, se esfrega e desabrocha".
Enquanto isso, alguns de nós insistem em seguir dispersando e desperdiçando palavras a qualquer preço.
Sigamos assim!
William Mendes
Bibliografia:
MAIAKÓVSKI, Vladimir. Poemas. Tradução: Boris Schnaiderman, Haroldo de Campos, Augusto de Campos. Ed. especial rev. e ampl. - São Paulo: Perspectiva, 2017.
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