Os dois horizontes - Machado de Assis
1863
A M. Ferreira Guimarães
Dois horizontes fecham nossa vida:
Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, — sempre escuro, —
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.
Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O voo das andorinhas,
A onda viva e os rosais;
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.
Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.
No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, — tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.
Que cismas, homem? — Perdido
No mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.
Que buscas, homem? — Procuro,
Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.
Dois horizontes fecham nossa vida.
Crisálidas (1864)
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COMENTÁRIO:
Essa experiência de buscar o novo na leitura de poesia tem sido interessante.
Para escolher uma poesia com a qual eu me identifique ou goste do objeto ou tema tratado pelo poeta, leio uma certa quantidade de poemas e quando algum deles me chama a atenção, leio mais algumas vezes e começo uma análise simplória do poema, uma fração do que aprendemos na faculdade, lógico. Vejo o significado das palavras, algo sobre o autor, a época da enunciação etc.
Machado de Assis publicou quatro livros de poesia e ficou mundialmente conhecido por seus romances, contos, crônicas e outras produções literárias. Entretanto, muito pouco se fala do poeta Machado.
Crisálidas é o primeiro livro de poesia do Bruxo do Cosme Velho. É dele o poema que me tocou no dia de hoje.
Estou numa fase da existência na qual poderia dizer que o autor fez este poema para uma pessoa como eu, passando por momentos de reflexões e análises da vida após cinco décadas de vivência, unindo uma ponta à outra, como o próprio Machado chegou a fazer com personagens ligando as pontas da vida: Bentinho, Conselheiro Aires etc.
No horizonte da saudade, penso até nos pertencimentos que já tive, amor e respeito de familiares e amigos. No horizonte da esperança, não ser determinista e acreditar na mudança através de nossas ações.
Não nego que tenho estado muitas vezes mergulhado "Perdido/No mar das recordações,".
E a dificuldade de achar respostas ainda é uma realidade. "Que buscas, homem?"
Talvez minha resposta seja mais ou menos a do Eu-lírico.
"- Procuro,/Através da imensidade,/Ler a doce realidade/Das ilusões do futuro."
Amig@s, vale a pena conhecer esse lado poético de nosso mestre Machado.
Sigamos descobrindo poesias em dezembro.
William Mendes
Bibliografia:
ASSIS, Machado de. Crisálidas. Texto-fonte: Obra Completa, Machado de Assis, vol. II, Nova Aguiar, Rio de Janeiro, 1994.
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