segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Leitura de poesia (16) - Os dois horizontes, Machado de Assis



Os dois horizontes - Machado de Assis

                          1863 

                          A M. Ferreira Guimarães 


Dois horizontes fecham nossa vida: 


Um horizonte, — a saudade 

Do que não há de voltar; 

Outro horizonte, — a esperança 

Dos tempos que hão de chegar; 

No presente, — sempre escuro, — 

Vive a alma ambiciosa 

Na ilusão voluptuosa 

Do passado e do futuro. 


Os doces brincos da infância 

Sob as asas maternais, 

O voo das andorinhas, 

A onda viva e os rosais; 

O gozo do amor, sonhado 

Num olhar profundo e ardente, 

Tal é na hora presente 

O horizonte do passado. 


Ou ambição de grandeza 

Que no espírito calou, 

Desejo de amor sincero 

Que o coração não gozou; 

Ou um viver calmo e puro 

À alma convalescente, 

Tal é na hora presente 

O horizonte do futuro. 


No breve correr dos dias 

Sob o azul do céu, — tais são 

Limites no mar da vida: 

Saudade ou aspiração; 

Ao nosso espírito ardente, 

Na avidez do bem sonhado, 

Nunca o presente é passado, 

Nunca o futuro é presente. 


Que cismas, homem? — Perdido 

No mar das recordações, 

Escuto um eco sentido 

Das passadas ilusões. 

Que buscas, homem? — Procuro, 

Através da imensidade, 

Ler a doce realidade 

Das ilusões do futuro. 


Dois horizontes fecham nossa vida.


Crisálidas (1864)

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COMENTÁRIO:

Essa experiência de buscar o novo na leitura de poesia tem sido interessante. 

Para escolher uma poesia com a qual eu me identifique ou goste do objeto ou tema tratado pelo poeta, leio uma certa quantidade de poemas e quando algum deles me chama a atenção, leio mais algumas vezes e começo uma análise simplória do poema, uma fração do que aprendemos na faculdade, lógico. Vejo o significado das palavras, algo sobre o autor, a época da enunciação etc.

Machado de Assis publicou quatro livros de poesia e ficou mundialmente conhecido por seus romances, contos, crônicas e outras produções literárias. Entretanto, muito pouco se fala do poeta Machado.

Crisálidas é o primeiro livro de poesia do Bruxo do Cosme Velho. É dele o poema que me tocou no dia de hoje.

Estou numa fase da existência na qual poderia dizer que o autor fez este poema para uma pessoa como eu, passando por momentos de reflexões e análises da vida após cinco décadas de vivência, unindo uma ponta à outra, como o próprio Machado chegou a fazer com personagens ligando as pontas da vida: Bentinho, Conselheiro Aires etc.

No horizonte da saudade, penso até nos pertencimentos que já tive, amor e respeito de familiares e amigos. No horizonte da esperança, não ser determinista e acreditar na mudança através de nossas ações.

Não nego que tenho estado muitas vezes mergulhado "Perdido/No mar das recordações,".

E a dificuldade de achar respostas ainda é uma realidade. "Que buscas, homem?"

Talvez minha resposta seja mais ou menos a do Eu-lírico.

"- Procuro,/Através da imensidade,/Ler a doce realidade/Das ilusões do futuro."

Amig@s, vale a pena conhecer esse lado poético de nosso mestre Machado.

Sigamos descobrindo poesias em dezembro.

William Mendes


Bibliografia:

ASSIS, Machado de. Crisálidas. Texto-fonte: Obra Completa, Machado de Assis, vol. II, Nova Aguiar, Rio de Janeiro, 1994.


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