sábado, 5 de agosto de 2023

Diário e reflexões - Caminhei 48 Km


Av. Dr. Martin Luther King.

Refeição Cultural

Osasco, 5 de agosto de 2023. Sábado.


Acordei com o corpo um pouco pedrado. No entanto, considerando a minha caminhada de ontem, estou melhor do que poderia imaginar. Não tive nenhuma bolha nos pés, nenhuma dor além da dor crônica no quadril. Nesta sexta-feira, andei 48 Km entre 9h30 e 23 horas. De certa forma, sei que foi uma realização pessoal incrível nesta altura de minha vida.

Foi um dia todo andando, olhando ruas e paisagens, movimentos de pessoas, carros, trânsito. Vendo a natureza, ouvindo pássaros. Um dia todo concentrado em meu corpo, em minha energia vital. Um dia todo refletindo sobre a vida, as pessoas, o mundo. Pensei muita coisa sobre o passado para compreender o presente e imaginar o futuro.

Fiquei andando entre bairros da região do Butantã, Zona Oeste, entre São Paulo e Osasco. Vila Iara, Parque Continental, Pq. Colina de São Francisco, região do Campo de Golfe, região ao redor da Fundação Bradesco e Vila Campesina, Prefeitura de Osasco, Jaguaré, Cidade Universitária, Rio Pequeno. Andei por onde ando há meio século... meio século!

Av. Dr. Francisco de Paula V. Azevedo.


Cheguei na fase da vida na qual não tenho certeza se consigo completar uma caminhada de 80 Km que faço há décadas, a romaria entre Uberlândia e Água Suja, a secular festa de Nossa Senhora da Abadia, no Triângulo Mineiro. Naturalmente, tenho sido desencorajado por todos, porque se preocupam comigo.

A última vez que fiz a romaria foi antes da pandemia mundial de Covid-19. De lá para cá, a natureza seguiu atuando e minha condição física não é mais a mesma. Não é uma questão de idade. A vida de cada ser vivo é única e cada um é o resultado do acúmulo do viver. O meu viver foi bem intenso e as consequências estão registradas em meu ser. Eu me conheço.

Nas últimas semanas, me deu aquela comichão de pegar a estrada e sentir aquele turbilhão de coisas que se sente quando se faz uma caminhada como aquela de Uberlândia a Água Suja. Juro, só quem a faz sabe o que é aquilo... Tenha a pessoa o motivo que tiver, religioso ou não, a experiência de fazer a romaria é única e muito pessoal.

Avaliando racionalmente, mesmo após a caminhada de ontem, não tenho a certeza se completo ou não a romaria. O que sei é que fiz um esforço pessoal e andei nos últimos dias 10 Km, depois 20 Km, depois 30 Km e ontem 48 Km. Aliás, como digo sempre, cada caminhada dessas foi única, porque o caminho vale mais que o destino, e muito refleti durante as caminhadas, muito mesmo.

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Av. Dr. Martin Luther King.


QUANTO POSSO AINDA?

A ideia quando saí cedo de casa nesta sexta, dia 4, era andar e sentir o meu corpo e a minha condição física para os momentos decisivos de uma longa caminhada, ou seja, ver como meu corpo reagiria após dezenas de quilômetros andados.

Uma questão central para um peregrino é a condição de seus pés ao longo da jornada. Uma coisa é a pessoa estourar os pés logo no início, outra é estar com os pés inteiros até o destino ou próximo a ele.

Já teve vez que meus pés deram bolhas antes do Rio Araguari, uns 15 Km depois do início. Aí é dureza... a dor e o sofrimento serão imensos por dezenas de quilômetros. Tem vez que não tenho bolha nenhuma... aí a peregrinação é bem melhor, sentindo só as dores do cansaço físico.

Depois que aprendi a preparar meus pés com esparadrapos, a vida de romarias melhorou muito. Os esparadrapos nos locais certos evitam que as bolhas estourem quando o calçado não deu muito certo. Às vezes temos bolhas por causa do calor do chão, às vezes por meias ruins, calçados ruins, pisada forte demais etc.

Como fiquei testando um tênis este ano, apostei em um nas últimas semanas e ontem foi uma questão de adequar meus pés e minha pisada para não me machucar. É sério! Com um pouco de autoconhecimento, a gente consegue pisar diferente e "amaciar" a caminhada para não ir marcando os pés. Deu certo! Mesmo sem esparadrapos, não tive bolhas.

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Av. Antônio de Souza Noschese.


METÁFORA DA VIDA, ETAPAS A VENCER

Outra questão mental para um caminhante é definir metas intermediárias durante o percurso que se pretende andar. Na romaria de Uberlândia a Água Suja é assim. São "x" quilômetros até tal lugar, depois "y" quilômetros até outro ponto e assim por diante, até se chegar à igreja na cidade.

Ontem não foi diferente, andando na Zona Oeste, entre São Paulo e Osasco. Mentalizei que queria andar até chegar a "Antena" (abstração de meus 86 bilhões de neurônios). Antena é onde fica uma das principais barracas de ajuda aos romeiros na BR-365 lá em MG. De onde saio até a Antena são 47 Km. 

Da mesma forma, quando andei 30 Km na semana passada, foi como andar de onde saio, no Trevo para Araxá, até o Trevo para Araguari (30 Km).

1ª etapa: 9,82 Km

É impressionante o odômetro interno que um corredor ou caminhante tem em si. Nunca andei com medidor de distâncias. Agora é que tenho um aparelhinho que faz isso. O percurso que sempre achei ter uns 10 Km tinha exatamente 9,82 Km... fala sério, heim!

Comentário: a primeira etapa numa romaria é fundamental. Acertar a pisada, ver se o pé encaixa bem no tênis para um longo dia e calibrar o objetivo internamente. Diálogo consigo mesmo.

2ª etapa: 3,73 Km

Nesta caminhada de 50 minutos, ao redor do bairro onde resido, foi de efetivação de meus acertos internos e antes de fazer uma refeição melhor para uma etapa mais demorada.

Comentário: Na estrada também é assim. Tem etapas maiores e etapas menores de percursos mentalizados. "Agora vou andar até tal lugar e parar uns minutos..."

Av. Prof. Almeida Prado.


3ª etapa: 13,95 Km

Esta foi uma etapa prazerosa. Saí de casa e fui até a nossa querida Universidade de São Paulo. Foram 5 Km até o portão da Av. Politécnica, depois 4 Km lá dentro, mais 5 Km saindo pelo portão da Av. Corifeu e indo até Osasco, a minha casa.

Monumento a Ramos de Azevedo.
Desde 1975, o arquiteto olha para
a Av. Prof. Luciano Gualberto, na USP.


Comentário: passei pela FFLCH-USP, lugar de grande importância em minha vida. Ali completei a mudança de personalidade que iniciei ao entrar no movimento sindical. A graduação em Letras me moldou assim como ser sindicalista.

Saudosismo. Lá no fim da calçada está a
querida FFLCH-USP, onde fiz o curso de Letras.


4ª etapa: 10 Km

Eu tenho preferência por andar de dia, um míope prefere luz natural. Após andar bem durante o dia e o cansaço estar controlável, saí para andar mais uma volta no Parque São Francisco, desta vez anoitecendo e indo por Osasco e chegando por São Paulo. De manhã, havia feito o inverso.

Comentário: imaginem vocês se o corpo não fica te instigando, insinuando que já está bom e que é hora de parar... nesta hora começa a entrar em ação a mentalização e a definição de objetivos que o peregrino traçou lá no início.

Anoitecer em Osasco.

 

Queria me testar andando uns 47 Km como se estivesse na estrada e buscando chegar à Antena. Fui firme comigo mesmo e andei os 10 Km em 2 horas e meia.

Ponte Metálica de Osasco.


5ª etapa: 10,25 Km

Na etapa anterior, fiquei pensando se passava ou não passava em casa. É óbvio que se passasse, meu cansaço venceria e eu dificilmente sairia para completar o percurso que queria, noite entrada já, corpo sentindo, as desculpas mentais de que já estava bom etc.

Decidi ir direto para um dos shoppings próximos de casa e tomar um café e comer alguns pães de queijo e pensar num roteiro para andar mais 10 Km e completar o objetivo mentalizado cedo. E deu certo!

Já que não tinha barraca de ajuda aos romeiros,
tive que pagar um café com pão de queijo.


Comentário: durante o dia, fiquei atento a não sentir fome e não sentir sede, como me lembrou dias atrás o amigo cronista e caminhante experiente Roberto Buzzo. Mas os finais de caminhadas são sempre os mais perigosos...

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O CANSAÇO NOS TIRA A RAZÃO...

Uma coisa comum em longas caminhadas é a pessoa se descuidar de si mesma nos momentos de muito cansaço e ansiedade para atingir um objetivo e isso pode nos fazer passar do ponto sem parar para descansar ou se alimentar.

Já tive queda de pressão algumas vezes nas romarias porque o desejo de superar cansaço e dores gerais faz com que o peregrino não queira sequer mexer na mochila para pegar uma fruta ou algo para mastigar porque está perto do ponto, porque o destino da etapa está logo ali...

Aonde vou ela vai, aonde ela vai eu vou.


O mesmo se dá até com relação à hidratação. Já aconteceu comigo algumas vezes de mesmo tendo água na mochila, não querer tirar a mochila das costas andando no breu total na estrada na alta madrugada querendo chegar desesperadamente à Antena... então, é óbvio que isso tem consequência... dá merda!

Aí quando o romeiro chega aonde queria, ele desaba, prostra! A pessoa está desidratada, está faminta, e o corpo quebra, não teve as calorias necessárias durante o percurso de grande esforço físico.

Normalmente, um descanso resolve. O peregrino come, se hidrata, fica uma hora sentado ou deita um pouco e já melhora, segue adiante.

Mas é muito comum e muito perigoso fazer isso. Tem que se buscar uma consciência racional que falta na hora do cansaço. Pare! Mastigue algo! Beba água!

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Prefeitura Municipal de Osasco. Mundo de Oz.


QUE A CAMINHADA NO MUNDO DE OZ SIRVA DE EXPERIÊNCIA PARA A ROMARIA

A última etapa ontem foi assim. Já beirava as 23 horas, eu andando pra completar quase 50 Km, já sentia que o corpo pedia para mastigar algo, deveria estar tomando mais água... como faltavam poucos quilômetros para chegar ao objetivo fui adiando... adiando. Não me hidratei e não comi para saciar meu corpo extenuado.

Cheguei umas onze horas e estava eufórico por ter completado o percurso, por ter andado bem e não ter tido bolha, por meu quadril ter me permitido andar 48 Km... Me senti realizado pelo que mentalizei de manhã.

A cidade que escolhi para viver. Mundo de Oz.


Cheguei e vacilei ao não comer um prato de comida logo que entrei. Já perto da meia-noite, percebi que minha pressão arterial caiu assim como já vi acontecer algumas vezes chegando ou a Antena ou a igreja de Água Suja. Só então, já meio mareado, fui comer direito. Pra quê!! Gastei mais de uma hora para voltar ao normal...

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A VIDA É UMA JORNADA, NÃO UM DESTINO

Ao acordar hoje pela manhã, fiquei com muitas dúvidas e até pensei algumas estratégias, caso vá mesmo para a estrada na semana que vem. Talvez eu tenha que dormir umas duas horas na Antena, de forma já planejada, para ver se não chego tão esgotado na cidade de Água Suja. 

Também será de grande importância ter muita atenção para não ficar sem comer e beber nos longos percursos até a Antena, 11 Km, e após a Antena, 12,5 Km, num posto conhecido. São nestas etapas duríssimas que a gente perde um pouco da racionalidade por estar muito cansado.

Finalizo esta reflexão de um caminhante reforçando o que disse no início, que vivenciar o caminho intensamente é mais proveitoso do que só considerar exitosa a jornada se for alcançado o objetivo final. Penso até que, se eu for pra estrada e se chegar até a Antena, e não der mais, paciência! Sou natureza...

Estou assim ultimamente. Mais que nunca o dístico da música do Aerosmith tem feito muito sentido para mim. 

"Life's a journey, not a destination
And I just can't tell just what tomorrow brings...
" (Amazing)

É isso!

Seguimos caminhando...

William


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