domingo, 27 de agosto de 2023

Diário e reflexões (27/08/23)



Refeição Cultural

Osasco, 27 de abril de 2023. Domingo.


Comecei a escrever este texto de reflexões no domingo passado, quando caminhei sob um sol prazeroso por ruas repletas de ipês amarelos, brancos e rosas, patas-de-vaca e demais flores da época. Pensava na minha vida, no meu viver. Parei o texto porque não quis escrever mais. Hoje, o domingo está frio, nublado. Vou tentar retomar a reflexão e se vou conseguir ir até a conclusão, eu não sei.

Desde que iniciei longas caminhadas, tenho andado muito reflexivo. Fiz a romaria de quase 80 Km dias atrás, deu tudo certo. Durante a romaria, acabei focando só na superação do percurso e no atingimento daquela meta. O pensamento foi todo focado em administrar um corpo exposto a uma carga enorme de esforço. Um corpo que já não é mais o mesmo... a natureza! Não pude digerir as coisas que vão dentro de mim. 

Depois da romaria, sigo pensando e sei que preciso de mudanças. Devo viver e pra isso preciso de mudanças. 

Só eu mesmo para definir a minha existência. Ou seja, é verdade que não temos controle e domínio de absolutamente nada na vida, nada. Isso está dado. Um tiro, um infarto, uma doença degenerativa, um tombo, um vírus invisível... e pronto, já éramos. Mas a atitude de seguir todo dia e a forma de seguir todo dia é somente minha e de mais ninguém.

Para sobreviver nesses tempos, será necessário retomar os desafios estabelecidos para o meu cérebro, a essência do que sou, meu eu. Sou materialista. Não tenho mais visão mágica da existência do mundo e dos seres vivos que o habitam. O corpo que me carrega é natureza, é frágil, é instante. Se minha personalidade se perder com algum tipo de falência das funções de meu cérebro, já não serei eu mesmo andando por aí. E todas as pessoas com problemas de saúde devem ser acolhidas e tratadas com respeito, é o que nós humanistas defendemos.

Após muitas reflexões posteriores à vida que tive como jovem e depois adulto vendendo minha força de trabalho e depois como dirigente da classe trabalhadora, cheguei à conclusão que tive um cérebro flexível e muito adaptado às suas funções de manutenção da vida do organismo que coordena e governa. Brinco que sou um homem de sorte, e imagino que meu cérebro esteja por trás de um pouco dessa "sorte" por ter chegado até aqui.

Já faz muito tempo que minha vida mudou. De forma satisfatória ou não, passei os últimos cinco anos tentando manter vínculos com minha vida passada, com a condição que me fez ser o que sou. Me esforcei por estar disponível a contribuir com o conhecimento que acumulei nas diversas funções que exerci em nome da classe trabalhadora. Qualquer pessoa honesta intelectualmente seria testemunha que mantive um pertencimento de lealdade canina com o meio político no qual passei décadas de minha vida: a Articulação Sindical da CUT. Sempre estive disponível para o que precisassem de mim. Tive alguma utilidade até o início de dezembro de 2021, dali em diante, não mais.

Custei a entender que não querem mais nada de mim, nada. Durante todo o tempo no qual contribuía com a formação da militância, explicava para as pessoas que elas tinham que aprender a ler os contextos, as mensagens nas entrelinhas, ler o que não estava escrito. Política é assim. Por pertencimento e talvez até por amor, eu me negava a praticar a leitura de mundo que eu mesmo ensinava à militância política.

Como nunca participei de nenhum fórum que pautasse a minha saída da corrente política à qual passei a maior parte de minha vida, nunca soube por que motivo fui relegado, cancelado, proscrito da terra onde me criei politicamente pelas lideranças atuais da corrente. Segui à disposição... em vão.

Pelas circunstâncias, decido por conta própria a partir de hoje não pertencer mais formalmente à Articulação Sindical, corrente política da Central Única dos Trabalhadores. Isso não tem reflexo algum em nada. Minha decisão é somente um ato de amor-próprio, de respeito comigo mesmo. É uma espécie de morte, e com a morte vem o luto e com o luto vem a vida, que segue para quem fica.

Quanto ao Partido dos Trabalhadores, vou seguir filiado por enquanto, admiro muito a história do partido e de inumeráveis lideranças e militantes comuns que estão por aí em cada canto do país.

Como disse a mim mesmo a vida toda, não me vejo em nenhuma outra força política, meu sangue vermelho é todo composto dos princípios, concepções e práticas da Central Única dos Trabalhadores e do Partido dos Trabalhadores.

Tenho que inventar no meu mundo atomizado um novo existir. Não tenho que dar palpite ou me posicionar sobre a vida política do país como fazia quando era representante de classe. Não é fácil perder o cacoete. Quando vê, a gente quer falar disso ou daquilo...

Tenho que arrumar novos desafios para o meu cérebro seguir ativo. Fiz isso algumas vezes na vida. 

Nem era isso ou dessa forma que iria se desenvolver o texto que comecei domingo passado. Mas entendo que essa morte e esse luto precisam começar logo. Senão é o meu corpo que vai e ainda tem gente que precisa de mim.

William


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