Refeição Cultural
Osasco, 8 de agosto de 2023. Terça-feira.
Durante as dezenas de quilômetros que tenho andado nas últimas semanas, tenho pensado em muitas coisas que poderiam ser base para textos reflexivos ou argumentativos, ou ambos, e, no entanto, os temas que martelam em meus pensamentos são temas espinhosos, que abordam questões incômodas para o próprio escritor e para eventuais leitores.
Já faz semanas que fico pensando na melhor forma de abordar o tema do alcoolismo ou dos problemas terríveis que o excesso do consumo de bebida alcoólica pode trazer para a pessoa que consome essa droga legalizada no Brasil e as consequências do consumo dessa droga para toda a sociedade. Uma das alternativas de abordagem talvez seja colocar a mim mesmo como exemplo. Bebi muito durante anos e me coloquei nas situações comuns e extremamente vulneráveis que pessoas alcoolizadas se colocam... ainda não consegui sentar e escrever de coração aberto sobre essa tragédia do consumo de álcool em excesso.
Outra preocupação que martela na minha cabeça é em relação às perspectivas de presente e futuro para as pessoas que estão chegando à sociedade humana neste momento e para os jovens e adultos. Tenho refletido sobre isso tentando me colocar no lugar dos jovens de hoje para tentar compreender por que as coisas estão como estão. Consigo me lembrar muito bem de como eu via o mundo e o que queria ou o que eu não queria para minha vida quando era adolescente. Consigo. Me lembro de como era meu estar no mundo nos anos oitenta e no início dos anos noventa.
Odiava trabalhar. Hoje entendo que odiava trabalhar por causa dos trabalhos braçais, insalubres e humilhantes aos quais eu me submetia. O conceito de trabalho para mim era aquele conceito clássico de que quem trabalha é o escravo e o servo e os proletários, todos se fodendo em benefício de uns poucos abastados donos do poder e das riquezas. Eu odiava do mesmo tanto trabalhar quanto odiava os ricos, entendendo hoje que meu ódio era contra essa elite canalha e abjeta do Brasil, que explora os pobres com prazer e sadismo.
Não tenho mais o ódio como sentimento que me conduz, mas sigo de certa forma odiando essa gente desgraçada da casa-grande, hoje claramente parcela representativa do bolsonarismo. Também tenho outros conceitos em relação ao trabalho, afinal de contas foram décadas de viver e de estudos para compreender que o trabalho é o que nos diferencia enquanto animais humanos na natureza.
Eu tento me colocar no lugar de jovens entre quinze e trinta anos e imaginar como eu me comportaria neste mundo tendo exatamente a pouca consciência política que tinha entre meus quinze e trinta anos. Foda isso! Ao me colocar no lugar dos jovens hoje, talvez eu... Esse seria outro tema a desenvolver em um texto, com honestidade intelectual, e talvez o texto fosse chocante demais. É mais fácil escrever sobre o álcool e seus efeitos do que me imaginar jovem neste mundo de hoje.
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E eu mesmo?
Nas minhas andanças e também através das minhas leituras tenho refletido sobre a necessidade de me desligar de alguma forma das coisas que têm trazido muito sofrimento e muita dor ao meu ser. Dor e sofrimento. Esse viver martirizado está sendo um viver muito insatisfatório.
Já escrevi que o passado não nos pertence porque ele não existe mais. Só teríamos o presente. No entanto, pessoas que tiveram um passado de grandes feitos têm muita dificuldade de se desligarem do passado que não existe mais. Esse processo é doloroso e causa muito sofrimento quando vem junto um sentimento de ingratidão do mundo. A pessoa vira uma escrava da dor e do sofrimento.
Os seres humanos são seres sociais, somos no mundo através de nossas relações com o mundo, isso é claro para mim. Apesar dessa clareza, apesar de ser racional, tenho deixado que a dor e o sofrimento pautem o meu presente por não conseguir definir um projeto de vida na atual realidade de minha existência.
Como fazer a vida valer a pena hoje, neste instante e da forma como cheguei até aqui? Eu arrumei muletas para andar pela vida estando cai não cai à beira de precipícios desde meus tenros doze ou treze anos de vida já intensa me submetendo a trabalhos de merda, bebendo e querendo explodir o mundo que eu achava injusto e um lugar ruim.
Fui vivendo e de vereda em vereda, e com uma sorte da porra, alcancei mais de meio século de vida.
Agora não consigo me desligar dessas veredas por onde passei, não consigo compreender que os caminhos que até ajudei a construir estão fechados e só me resta andar, andar e abrir novos caminhos de viver, já que não existem caminhos, mas que fazemos caminhos ao andar, como nos ensinou o poeta.
Talvez por isso eu precise tanto andar. Preciso encontrar um caminho, fazer uma trilha, achar uma vereda que me traga um pouco de paz, aliás, essa utopia "paz" era a última coisa escrita em uma lista-muleta que havia feito décadas atrás quando listei coisas a conquistar e assim ir vivendo.
Paz... que utopia da porra. Você anda e a paz anda também (risos) e você nunca alcança ela.
Não estou em paz, sequer comigo mesmo.
Andar, andar, andar, quem sabe uma hora vejo um caminho ou abra um e caminhe por ele.
William
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