sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Romarias a Água Suja

Santuário N. Sra. da Abadia de Água Suja, MG.

Refeição Cultural

Uberlândia, Minas Gerais, Brasil.


Vou pegar a estrada nesta sexta-feira 11 para tentar andar um percurso de quase 80 Km até a cidade de Água Suja, região do Triângulo Mineiro. Fiz essa romaria por décadas. A última vez que a fiz foi em 2019, antes da pandemia mundial de Covid-19. Estou cheio de incertezas ao iniciar essa caminhada porque não sei se chegarei ao destino final. No entanto, vou iniciar a caminhada com todo o cuidado e muita concentração em mim mesmo como sempre fiz ao realizar longas caminhadas.

Me lembro bem da primeira vez que fiz a romaria de Água Suja. Eu ainda morava em Uberlândia, ou seja, foi antes dos 17 anos de idade. Meu primo e eu decidimos fazer a romaria meio na porraloquice. Vamos? Vamos! E saímos pela estrada sem planejamento algum. Foi uma experiência dura! Antes de chegar ao Rio Araguari, primeiros 25 km saindo do bairro onde morávamos, já estávamos arrebentados, bolhas nos pés etc. Com muito sacrifício, consegui convencer meu primo a seguir até a Antena. De lá, ele desistiu e voltou. Eu só cheguei ao destino no domingo, tínhamos saído na sexta.

Depois da primeira experiência, passei a fazer a romaria sempre sozinho. Uma única vez, ao longo das décadas de caminhadas, fiz a romaria com um grupo de romeiros. Saímos de Uberlândia alguns primos e conhecidos. Foi diferente andar em grupo: interessante ver a reação de cada um durante o percurso. Um dos primos chegou na raiva (risos). Dizendo que nunca mais faria aquilo. Uma prima torceu o pé antes dos 10 Km e seguiu até a Água Suja, e nos ensinou que com fé tudo era possível. Mancou até lá, mas chegou. Como digo sempre, cada caminhada, cada vez, é única.

Até uns quarenta anos de idade, saí a maior parte das vezes da casa de meus pais, o que dá um percurso de quase 90 Km, uns 87 Km imagino eu. Algumas vezes saí do Trevo para Araxá, saída de Uberlândia. Mais recentemente, última década, sempre que faço a romaria, saio do trevo, o que dá uns 75 Km. 

Uma das experiências mais gostosas que tive foi fazer a romaria com o meu filho. Foi muito legal a energia mútua que trocamos durante o percurso.

O Atalho no eucaliptal.

Já teve vez que não tive bolha alguma. Já teve vez que tive tanta bolha e tão grandes que fiquei dias com os pés em recuperação. Já fiz os 75 Km em menos de 19 horas, já fiz os 87 Km em 21 horas. Com o passar do tempo, e nos últimos anos, tenho precisado de um dia todo para fazer o percurso saindo do trevo. E as paradas precisam ser maiores também. E isso não é uma questão de idade, é uma questão de condicionamento físico e saúde, que é algo muito particular, cada pessoa é única. O meu desgaste no quadril acabou com o meu barato nas corridas e caminhadas.

Quando eu comecei a fazer romarias eu era uma pessoa muito religiosa, tinha uma concepção de mundo exatamente igual à concepção de mundo do ambiente onde nasci e cresci: predominância da religião católica apostólica romana mesclada com o sincretismo religioso tão característico do nosso país. Ao mesmo tempo em que era cristão, frequentava centros espíritas e religiões de matriz africana. Fui assim até perto dos trinta anos de idade. Quando passei a ter outra concepção de mundo, materialista, passei a compreender melhor a cultura de meu país e por que as coisas são como são.

Assistência - Mais um registro sobre as romarias para Água Suja. Uma coisa que auxilia muito o romeiro é ele poder contar com uma assistência ao longo da viagem. Isso é muito comum na estrada. Um grupo ou uma pessoa sai para fazer a romaria e alguém acompanha de carro os peregrinos, levando as mochilas, as coisas para comer e beber, até colchões para algum descanso. Eu sempre tive que chegar à cidade e ainda ir procurar condução para voltar, ônibus normalmente. Isso acrescenta muitas horas a mais acordado. Desde que meu filho foi com um amigo, em 2015, passamos a ter a assistência de meu cunhado. Ele já nos ajudou muito nestes anos todos. Somos muito gratos a ele. Este ano, apesar das dificuldades que ele tem, Túlio vai me acompanhar na estrada. Solidariedade é uma das maiores lições que aprendemos nas romarias.

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É isso. Como disse em outro texto reflexivo (ler aqui), não estou em paz. No entanto, sigo perseverando todos os dias quando acordo e percebo que a vida está aí, somos natureza, e a vida é oportunidade.

É com esse espírito que vou acordar nesta sexta, tomar um banho, tomar um café, depois almoçar levemente e passar um dia andando e observando tudo dentro de mim e ao meu redor. Preciso queimar algumas coisas que estão me consumindo por dentro e preciso buscar sentidos para os dias do viver.

A vida não tem que ter sentidos, a vida simplesmente é (um pouco do que já ouvi do filósofo Ailton Krenak), contudo podemos dar valor e significação ao viver, é isso que estou procurando.

William

Um peregrino


Post Scriptum: correu tudo bem na romaria. Consegui completar o percurso em 25 horas, não tive bolha alguma nos pés, e mais uma vez a experiência foi única, me deixou cheio de reflexões sobre a vida e sobre o entendimento das coisas do mundo. O vídeo que fiz pode ser visto aqui e o texto relativo à romaria pode ser lido aqui.


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