sábado, 1 de julho de 2023

Os miseráveis - Victor Hugo (VII)



Refeição Cultural

Osasco, 01 de julho de 2023. Sábado.


Os miseráveis tem diálogos entre os personagens que colocam o leitor a refletir. Às vezes, a reflexão parte da descrição do próprio narrador sobre alguma característica de personagem ou evento ocorrido.

Nos capítulos abaixo, fiquei pensativo sobre a questão de haver ou não vida após a morte, diálogo entre um senador e o bispo. O senador repete o argumento já comum à época sobre a utilidade para a burguesia, nobreza e a igreja de se fazer crer na questão de alguma compensação após a morte para os miseráveis e despossuídos da Terra.

Outro diálogo interessante é entre o bispo de Digne e um velho à beira da morte num casebre afastado de tudo. O moribundo é um "convencional", um revolucionário sobrevivente dos julgamentos posteriores ao período do terror, 1793. A comunidade local tem desprezo por ele, e não se conforma dele não ter sido ao menos banido, já que não foi decapitado. Ele sobreviveu aos julgamentos porque não se provou que ele tenha sido um dos que apoiaram a decapitação do rei.

O romance traz muita história, o tempo todo.

---

PRIMEIRA PARTE - FANTINE

LIVRO 1: UM JUSTO

VII. Cravatte

Neste capítulo, vemos como o bispo de Digne é um destemido. Ele foi pregar nas montanhas mesmo sabendo que lá havia bandidos muito perigosos. Voltou vivo e ainda trouxe de volta alguns pertences roubados por eles na sacristia de uma igreja local.

"Nunca temamos nem os ladrões nem os assassinos. Estes são perigos externos, pequenos perigos. Temamos a nós mesmos. Os preconceitos, esses são os ladrões, os vícios, esses são os assassinos. Os grandes perigos estão dentro de nós. Que importa o que ameaça nossa vida ou nossas bolsas?! Preocupemo-nos apenas com o que ameaça nossa alma." (p. 67)

---

VIII. Filosofia depois de beber

Este é o capítulo do bom diálogo entre o senador e o bispo. Os argumentos do senador sobre não existir nada desse mundo místico pregado pela igreja é interessante. Imagino a leitura à época da circulação do livro na França.

"(...) A vida é tudo! Que o homem tenha um outro futuro em outro plano, acima, abaixo, em qualquer lugar, não creio em uma só palavra! Recomendam-me desapego e sacrifício, devo ficar atento a tudo que faço, preciso quebrar a cabeça a respeito do bem e do mal, do justo e do injusto, do lícito e do ilícito. Por que? Porque terei de prestar contas sobre minhas ações. Quando? Depois da morte. Que belo sonho! Após minha morte, bem esperto quem me pegar! Imaginem se é possível uma sombra agarrar um punhado de cinzas! Falemos a verdade, nós, os iniciados..." (p. 69)

E Deus?

"(...) E depois veremos Deus. Ora! Tolices, todos esses paraísos! Deus é uma futilidade monstro. Eu não diria isso no Moniteur, caramba! Mas posso cochichar, aqui entre amigos. Inter pocula. Sacrificar a Terra pelo paraíso é largar a presa pela sombra! Ser enganado pelo paraíso! Nada mais tolo! Sou o nada. Chamo-me senhor conde Nada, senador. Eu existia antes de meu nascimento? Não. Existirei depois de minha morte? Não. O que sou? Um pouco de pó agregado por um organismo. O que tenho a fazer sobre esta terra? Tenho a escolha. Sofrer ou gozar. Onde me levará o sofrimento? Ao nada. Mas terei sofrido. Onde me levará o gozo? Ao nada. Mas terei gozado. Minha escolha está feita. É preciso ser devorador ou devorado. Eu devoro. Antes ser dente do que erva. Essa é a minha verdade..." (p. 70)

Deus é útil para os miseráveis, para aqueles que não têm nada...

"(...) Não me deixo levar por frivolidades! Depois disso, é preciso haver alguma coisa para aqueles que estão por baixo, para os pés-descalços, para os de pequeno ganho, para os miseráveis. Fazem-nos engolir as lendas, as quimeras, a alma, a imortalidade, o paraíso, as estrelas. E eles mastigam tudo. E colocam em seu pão seco. Quem não tem nada tem o bom Deus. É o mínimo. De minha parte, não coloco obstáculos, mas fico com o senhor Naigeon. O bom Deus é bom para o povo!" (ibidem)

---

IX. Retrato do irmão feito pela irmã

Neste capítulo vemos uma correspondência trocada entre a senhora Baptistine, irmã do bispo de Digne, e a viscondessa de Boischevron. Nela, se conta as aventuras do bispo, como aquela de ir às montanhas e lidar com os bandidos.

---

X. O bispo em presença de uma luz desconhecida

Este é o capítulo do diálogo do Monsenhor Bienvenu e o convencional G., da época da Revolução Francesa.

Foi um capítulo um pouco mais longo que os anteriores. Diálogo bem interessante entre o religioso e o ateu.

Uma cena bonita é no momento da morte do revolucionário, quando o bispo lamenta que ele seja ateu. E ele diz:

"- Existe o infinito. Ele está aí. Se o infinito não tivesse um 'eu', o eu seria o seu limite; e ele não seria infinito; em outras palavras, não existiria. Ora, ele existe. Logo tem um eu. Esse eu do infinito é Deus." (p. 83)

---

NÃO SOU NADA, MAS SE ESTOU POR AQUI...

"Sou o nada. Chamo-me senhor conde Nada, senador. Eu existia antes de meu nascimento? Não. Existirei depois de minha morte? Não. O que sou? Um pouco de pó agregado por um organismo..."


Sábado à tarde. Mesmo sonolento, olhos pesados ao tentar ler Os miseráveis, tenho a consciência do que sou. Não posso apagar o que sei. E isso gera naquele que sabe, naquele que não é ignorante, um dever de fazer.

As descobertas da ciência ao longo do tempo estão disponíveis a todas as pessoas que têm algum acesso às informações. 

O conhecimento que tenho sobre saúde e sobre o corpo de um animal humano, e sobre carga genética, e sobre estilo de vida, me geram o dever de saber que devo praticar algum tipo de exercício aeróbico, além de regular o que como.

Fiquei pensando sobre a vida e sobre o que ainda gostaria de fazer enquanto corria e me esforçava para manter a respiração num bom nível na subidona perto de casa. E o quadril me lembrando o tempo todo que ele existe...

Por que preciso correr? Porque sem uma atividade aeróbica que funcione como atividade que controle os níveis de colesterol ruim no sangue e que me ajude a controlar a pressão arterial eu estaria me submetendo a um risco maior de interromper a vida ou a qualidade de vida caso sobreviva a um infarto ou acidente vascular.

O que ainda quero fazer? Quais metas tenho para perseguir neste momento de minha existência? Já que não tenho o tempo passado, só o tempo presente, o que gostaria de fazer e por que não faço hoje, amanhã?

O que gostaria de fazer que está ao meu alcance fazer?

Gostaria de diminuir a injustiça no mundo, de acabar com a miséria. Ter a consciência da injustiça e da miséria do mundo humano me faz infeliz a não caber em mim. 

Resolver isso não está ao meu alcance, não é algo que eu possa resolver ou realizar hoje ou amanhã...

Mas e então, o que faço para gerar algum nível de satisfação hoje ou amanhã? E que eu não me sinta mal por isso?

Miséria miséria em qualquer canto...

William


Post Scriptum: ver aqui a postagem anterior. A postagem seguinte sobre o clássico pode ser lida aqui.


Bibliografia:

HUGO, Victor. Os miseráveis. Tradução de Regina Célia de Oliveira. Edição especial. São Paulo: Martin Claret, 2014.

Nenhum comentário:

Postar um comentário