terça-feira, 11 de julho de 2023

Os miseráveis - Victor Hugo (VIII)



Refeição Cultural

Osasco, 11 de julho de 2023. Terça-feira.


PRIMEIRA PARTE - FANTINE

LIVRO I: UM JUSTO

XI. Uma restrição

Neste capítulo, o narrador ou Victor Hugo, pois ainda não concluí se o narrador transmite as visões de mundo do escritor ou não - me parece que o narrador demiurgo é o Hugo -, apresenta uma restrição a uma atitude do bispo de Digne, o senhor Myriel, em relação ao comportamento dele no que diz respeito a Napoleão Bonaparte.

"A não ser por isso, ele era e foi, em tudo, justo, verdadeiro, equitativo, inteligente, humilde e digno; benéfico e benevolente, que é outra espécie de beneficência. Era um padre, um sábio e um homem. Até mesmo, é preciso dizer, nessa opinião política que acabamos de reprovar-lhe, e que estamos dispostos a julgar quase severamente, era tolerante e fácil, mais talvez do que nós, que aqui falamos." (p. 88)

Vale lembrar que o Monsenhor Bienvenu chegou a esta posição na hierarquia da Igreja por ter caído nas graças do imperador num encontro fortuito (descrito no início do livro).

O narrador vê como certa ingratidão o descaso do Bispo de Digne na hora da queda de Napoleão. O bispo lhe virou as costas. O narrador diz que o povo só perdoou o bispo porque o amava. Bonaparte era muito querido pelo povo.

Antes dessa avaliação, o narrador nos conta que o bispo era malquisto por seus pares acima e abaixo na hierarquia de poder da igreja porque fazia voto de pobreza e não compartilhava da suntuosidade da função. Ele chegou a se retirar de um importante sínodo dizendo que incomodava o ambiente com seus ares de rústico e:

"Uma outra vez disse ainda: O que querem? Aqueles monsenhores são príncipes. E eu, não passo de um pobre bispo aldeão." (p. 85)

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XII. Solidão de Monsenhor Bienvenu

"Diga-se de passagem, o sucesso é algo bastante repugnante. Sua falsa semelhança com o mérito engana os homens. Para a multidão, o sucesso tem quase o mesmo perfil que a superioridade (...) Ser bem-sucedido: teoria. Prosperidade supõe capacidade. Ganhe na loteria e será considerado um homem hábil. Quem triunfa é venerado. Nasça com sorte e pronto, o resto virá por si; seja feliz, e será visto como grande..." (p. 90)

Interessante. Victor Hugo aponta bem antes no tempo - mais de século - questões da realidade atual das redes sociais. O que ele descreve ali é semelhante ao que virou a vida humana e social no século 21: "youtubers" e pessoas "famosas" do nada viram "influenciadores" com milhões de seguidores, influenciadores sem conhecimento algum de nada... e ficam ricos, e muitas vezes poderosos, e muitas vezes induzem de forma perigosa o comportamento de milhões de pessoas.

E quem se mantém nos seus princípios se torna um solitário, alguém até para se evitar. Atualíssimo! Uma pessoa como ele poderia ser hoje um "cancelado".

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XIII. Em que acreditava

"Monsenhor Bienvenu havia sido, em outros tempos, se dermos crédito às histórias sobre sua juventude e virilidade, um homem de paixões, e violento, talvez. Sua mansidão universal era menos um instinto da natureza que o resultado de uma grande convicção filtrada em seu coração através da vida, e lentamente absorvida por ele, pensamento por pensamento; pois um caráter, assim como uma rocha, pode ser escavado por gotas de água. E essas escavações nunca mais se desfazem; essas formações são indestrutíveis." (p. 92)

Essa caracterização do personagem Myriel é bem interessante. Penso muito sobre isso em minha vida. Poderia dizer que sei o que o narrador está descrevendo: as pessoas podem mudar por convicção!

O senhor Myriel organizou sua vida de forma a seguir os dogmas religiosos. Sem analisar Deus; só contemplar tudo o que fora feito por Ele já bastava. E pronto.

"(...) Não analisava Deus; deslumbrava-se com Ele. Refletia sobre esses magníficos encontros de átomos que dão forma à matéria, revelam as forças ao constatá-las, criam as individualidades na unidade, as proporções na extensão, o inumerável no infinito, e, por meio da luz, produzem a beleza. Esses encontros se enlaçam e se desenlaçam sem cessar, daí resultando a vida e a morte." (p. 94)

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XIV. O que pensava

O monsenhor Bienvenu pensava que o questionamento aos dogmas da igreja se fossem feitos, deveriam ser feitos por gênios, que não era o caso dele porque "O que iluminava aquele homem era o coração. Sua sabedoria era feita da luz que nele existia".

O narrador caracteriza assim o senhor Myriel:

"Há homens que trabalham na extração do ouro; ele trabalhava na extração da piedade. Sua mina era a miséria universal. O sofrimento geral era sempre uma ocasião para a bondade. Amai-vos uns aos outros, era sua afirmação mais completa; não desejava nada mais que isso, ali estava toda a sua doutrina." (p. 96)

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COMENTÁRIO

Terminei a leitura do Livro 1 da primeira parte "Fantine".

Conheci o personagem Myriel, padre que virou bispo de Digne após cair nas graças de Napoleão Bonaparte num encontro fortuito. Ele agora é o Monsenhor Bienvenu e vive com sua irmã Baptistine e com a criada Magloire, ambas mais novas que ele, que tem 75 anos.

Percebi que o narrador em terceira pessoa é um demiurgo, sabe tudo a respeito das personagens e da história que vai nos contar, conversa com o leitor ao longo do romance. O livro foi lançado em 1862, a técnica de Victor Hugo é bem interessante.

Vou ler esse romance durante meses. Normal. É como se assistisse a capítulos de novelas ou episódios de séries nos dias de hoje.

William


Post Scriptum - Para ler o texto anterior sobre essa leitura, é só clicar aqui.


Bibliografia:

HUGO, Victor. Os miseráveis. Tradução de Regina Célia de Oliveira. Edição especial. São Paulo: Martin Claret, 2014.

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